A Medida Provisória 1.300/2025 introduziu, em seu artigo 26, alterações substanciais que impactam profundamente a previsibilidade contratual e a sustentabilidade dos investimentos no setor elétrico brasileiro. Em especial, merece atenção o novo § 1º-P e seus subsequentes parágrafos, que revogam, de forma antecipada e injustificada, o direito ao desconto nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão (TUST) e de Distribuição (TUSD) para usinas geradoras de energia elétrica, restringindo sua aplicação apenas até o término dos contratos de compra e venda de energia registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), e limitando tais benefícios até 31 de dezembro de 2025.
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Essa disposição normativa incorre em flagrante violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da boa-fé, do direito adquirido e da proteção da confiança legítima, pilares estruturantes do Estado Democrático de Direito e do ordenamento jurídico regulatório brasileiro. Tais valores não são meras abstrações normativas: são garantias essenciais que possibilitam o planejamento de longo prazo em setores de infraestrutura, onde os investimentos são intensivos, os prazos de maturação são extensos, e a previsibilidade regulatória é condição sine qua non para a atração de capital privado.
As reduções nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição foram instituídas legalmente para fomentar a expansão da geração distribuída e a inserção de novas fontes renováveis na matriz elétrica nacional. Conforme previsto na legislação anterior, tais incentivos tarifários não se vinculavam à duração dos contratos comerciais celebrados no mercado livre, mas sim à vigência da concessão ou autorização do empreendimento gerador. Essa interpretação foi consagrada, inclusive, por sucessivos atos normativos e despachos da ANEEL e pelo próprio Ministério de Minas e Energia, assegurando aos geradores o desconto de 50% ou 100% até o final do prazo das suas outorgas.
A MP 1.300/2025, ao vincular o direito ao desconto à vigência de contratos celebrados no âmbito da CCEE, inova em sentido restritivo e retroativo, subvertendo as expectativas legítimas dos agentes que realizaram investimentos com base em regras previamente vigentes e estáveis. Essa alteração configura verdadeira cassação de um direito adquirido, pois o benefício já integrava o patrimônio jurídico das empresas detentoras das outorgas, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que veda a retroatividade de normas para atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
A ruptura promovida pela MP 1.300/2025 impõe grave insegurança ao ambiente de negócios no setor elétrico. Ao condicionar a fruição dos descontos à validade de contratos firmados até 31 de dezembro de 2025, e ao vedar expressamente sua manutenção após esse prazo (inclusive em casos de prorrogação contratual, cláusulas indeterminadas ou transferência de titularidade), o texto desconsidera por completo a lógica contratual do setor, onde é comum a renovação e renegociação dos termos sem qualquer prejuízo à essência do benefício originalmente pactuado.
A medida compromete, ademais, a equação econômico-financeira dos empreendimentos geradores, violando o princípio da modicidade tarifária e da justa remuneração dos investimentos. Trata-se de verdadeira expropriação indireta, pois reduz unilateralmente a rentabilidade dos projetos, sem qualquer processo de transição, compensação econômica ou consulta prévia aos agentes do setor. Isso fere frontalmente o artigo 37, caput, da Constituição, que impõe à Administração Pública o dever de agir com legalidade, moralidade, eficiência e, sobretudo, lealdade institucional.
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É importante que o Congresso Nacional esteja atento aos reflexos danosos que essa medida poderá gerar. O Brasil tem buscado se posicionar como uma economia aberta a investimentos sustentáveis, com forte potencial de geração renovável e com vocação para ser um exportador líquido de energia limpa. No entanto, ao impor insegurança regulatória, a MP 1.300/2025 compromete a atratividade do país perante investidores internacionais e desincentiva novos projetos de geração.
As usinas afetadas pela norma, ao perderem o direito aos descontos antes do fim de sua concessão, sofrerão uma alteração abrupta no fluxo de caixa projetado, o que pode levar ao reequilíbrio econômico de contratos, judicialização em massa e deterioração do ambiente regulatório. Tal cenário não apenas eleva o risco regulatório percebido, como também impõe custos adicionais ao consumidor final, em virtude dos litígios e das revisões tarifárias extraordinárias que poderão ser desencadeadas.
Desta forma, urge a atuação do Congresso Nacional para restabelecer a legalidade, a segurança jurídica e a confiança dos agentes econômicos no ordenamento jurídico brasileiro. A prerrogativa do Parlamento de examinar e alterar medidas provisórias é essencial para garantir que atos do Poder Executivo não violem direitos consolidados, nem comprometam setores estratégicos para o desenvolvimento nacional.
Recomenda-se, portanto, a rejeição dos dispositivos constantes do § 1º-P ao § 1º-T do artigo 26 da MP 1.300/2025, com a reintegração da redação anterior ou com a inclusão de dispositivo que assegure, de forma clara e inequívoca, a manutenção dos descontos tarifários até o término das respectivas outorgas das usinas geradoras.
Ao fazê-lo, o Congresso reafirma seu compromisso com a estabilidade normativa, com a promoção da energia limpa e com a proteção dos princípios constitucionais que sustentam a ordem jurídica e econômica do país.