A reforma tributária, consistente em um novo modelo de tributação sobre o consumo, tem como marco normativo a Emenda Constitucional nº 132, promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023.
Em linhas gerais, a reforma substitui cinco tributos por três, extinguindo a Contribuição para o PIS e a COFINS, agora unificadas na CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços), de competência da União, e substituindo o ICMS e o ISS pelo novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), cuja competência será compartilhada entre os Estados, Municípios e Distrito Federal.
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Além disso, a mudança institui o Imposto Seletivo, cujo caráter extrafiscal aspira desincentivar o uso de produtos prejudiciais à saúde e ao meio-ambiente (popularmente chamado de “Imposto do Pecado”). Esses novos tributos, já disciplinados pela Lei Complementar nº 214/2025 (“LC 214/25”), têm propósito simplificar a complexidade do sistema tributário brasileiro.
Cabe destacar que, embora a mencionada lei estabeleça como regra a aplicação de uma alíquota padrão para os novos tributos sobre o consumo (CBS e IBS), determinados setores considerados essenciais ou estratégicos — como saúde, educação, alimentação e insumos agrícolas — foram contemplados com uma redução de 60% nessa alíquota1.
Nesse contexto, em função das mudanças na carga tributária e na estrutura dos tributos incidentes sobre cada modelo de negócio, que certamente não representam um mero risco ordinário da atividade empresarial, a reforma dará início a uma complexa revisão dos custos que compõem o preço dos contratos vigentes.
Durante as discussões do Projeto de Lei que resultou na LC 214/25, o relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), propôs a inclusão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário na lista dos setores contemplados pela redução, equiparando-os ao setor de saúde. No entanto, durante a tramitação na Câmara dos Deputados, a redução para o setor não foi mantida. O relator do projeto na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), argumentou que a inclusão do saneamento entre os setores com desconto de imposto poderia elevar a alíquota padrão do novo sistema tributário em até 0,38 ponto percentual, impactando negativamente outros setores.
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Essa decisão gerou preocupações entre as empresas do setor, que alertaram para um possível aumento significativo na carga tributária, passando de aproximadamente 9,74% para até 26,5%2, o que poderia resultar em tarifas mais altas para os usuários e comprometer os investimentos necessários para a universalização dos serviços até 20333. Nesse cenário, o setor de saneamento básico, que hoje não recolhe ISS aos Municípios e conta com a concessão histórica de regimes especiais a nível federal e estadual para os demais tributos, poderá sofrer impacto significativo com o aumento da carga tributária, especialmente no que se refere às concessionárias de serviços públicos.
Via de regra, de acordo com a lei de concessões e com a matriz de riscos proposta pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) em sua Norma de Referência nº 05/24, constitui risco da administração pública a alteração, criação ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, exceto os impostos sobre a renda, que tenham impacto sobre a operação contratual. Ademais, a própria LC 214/25 dispõe ser aplicável o reequilíbrio dos contratos administrativos mesmo àqueles cuja matriz de riscos preveja que os impactos tributários supervenientes seriam de responsabilidade da contratada.
Como consequência, é natural, portanto, esperar um aumento expressivo no número de pleitos de reequilíbrio desses contratos. Ciente disso, o legislador incluiu na LC 214/25 um capítulo específico destinado a regulamentar os instrumentos de ajuste para os contratos vigentes na entrada em vigor da LC (16 de janeiro de 2025), com o objetivo de assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em decorrência da alteração na carga tributária efetiva suportada pela concessionária, desde que comprovado o desequilíbrio causado pela instituição do IBS e da CBS.
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O restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro poderá ser pleiteado desde o período de transição previsto nos artigos 125 a 133 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, podendo ser realizado a cada nova alteração tributária que ocasione comprovado desequilíbrio, ou de forma a abranger, de modo consolidado, todas as alterações previstas para o período de transição. O pedido de reequilíbrio deverá ser decidido de forma definitiva no prazo de 90 (noventa) dias contados do protocolo, prorrogável uma única vez por igual período, caso seja necessária instrução probatória suplementar.
A recomposição do equilíbrio será implementada, preferencialmente, por meio de alteração na remuneração contratual ou de ajuste tarifário, conforme o caso. Outras formas de reequilíbrio, como a renegociação de prazos, somente poderão ser adotadas pela Administração Publica com a anuência expressa da concessionária.
Cada ente da Administração Pública com competência para deliberar sobre o reequilíbrio econômico-financeiro poderá regulamentar o respectivo procedimento e estabelecer metodologias de cálculo recomendadas. Ainda, é facultado ao ente público, a seu critério, implementar provisoriamente o reequilíbrio nos casos em que a concessionária demonstre relevante impacto financeiro na execução contratual em decorrência da alteração na carga tributária efetiva.
Portanto, embora ainda se aguarde definições sobre o real impacto financeiro da reforma tributária para as concessionária de serviços de saneamento básico, o potencial de aumento na carga tributária é significativo, especialmente para concessionárias que operam com metas de investimento desafiadoras. Nesse contexto, a estrutura normativa já existente oferece caminhos viáveis para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, mas será essencial que os entes públicos se preparem institucionalmente para lidar com essa nova onda de pleitos.
Mais do que uma questão tributária, trata-se de desafio regulatório que poderá influenciar decisivamente os rumos da universalização dos serviços nos próximos anos.
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1 Art. 128 da LC 215, de 16 de janeiro de 2025.
2 O texto da LC 214 impõe uma “trava” que limita a alíquota padrão a 26,5% no art. 475, §11º.
3 Christianne Dias, diretora-executiva da ABCON SINDCON, associação das operadoras de saneamento.