Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) sinaliza que pode barrar a inserção de empresas do mesmo grupo econômico na fase de execução, em julgamento que pode ser retomado nesta quinta-feira 12/6, decisões recentes da Justiça do Trabalho já têm adotado, em casos nos quais antes prevalecia o reconhecimento de grupo, alternativa para fundamentar a inclusão: a sucessão empresarial.
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O fundamento jurídico vem ganhando destaque em decisões que determinam a responsabilidade solidária da Tim sobre verbas trabalhistas devidas a ex-funcionários do jornal Gazeta Mercantil – mas, segundo advogados consultados pela reportagem, o uso da alternativa não se restringe a processos envolvendo a empresa de telefonia.
O conceito de sucessão já costumava aparecer nas decisões envolvendo a inclusão da Tim na execução de processos de ex-funcionário da Gazeta Mercantil.
Na maior parte dos casos, porém, era apenas uma etapa para se chegar à conclusão de que, com a compra da operadora de comunicações Intelig, em 2009, a Tim passou a integrar o mesmo grupo da Gazeta. Um ano antes, em 2008, a Intelig havia sido adquirida pelo Grupo Docas, controlado pelo empresário Nelson Tanure, que também era proprietário do jornal. Com a venda da Inteling para Tim, a JVC, empresa controlada por Tanure, virou acionista minoritária da Tim.
No entanto, em julgamentos realizados em 2024 e 2025, oriundos principalmente de Varas abarcadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), o fundamento passou a ser usado como o motivo final para justificar a inclusão da Tim na fase de cobrança de condenações trabalhistas, com base na OJ 411 da Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – que estabelece que o sucessor de uma empresa não responde solidariamente pelos débitos trabalhistas de outras empresas do mesmo grupo econômico, desde que a empresa devedora direta fosse solvente ou idônea economicamente à época da sucessão, exceto em casos de má-fé ou fraude na transação.
A mudança de interpretação corresponde com a evolução do Tema 1.232 no STF, que trata da possibilidade de inclusão de empresas do mesmo grupo na fase de execução trabalhista. A tendência na Justiça do Trabalho era de possibilitar essa inclusão, mas este ano o tema sofreu uma reviravolta no Supremo Tribunal Federal. Por enquanto, o placar está em 5×1 pela não possibilidade de inclusão de empresas do mesmo grupo econômico na fase de execução. (RE 1387795). O processo é o último da pauta desta quinta-feira (12/06), por isso existem chances de não ser chamado.
“Criou-se uma corrente alternativa que, temporalmente, eu poderia levar aqui, é em razão da tentativa de sair da abrangência do Tema 1.232”, afirma o advogado Rodrigo Antonio Freitas, que representa a Tim em diversos processos na Justiça do Trabalho. Freitas pontua que, além da empresa de telefonia, já observa a mesma situação em processos de outros clientes.
A visão é corroborada pelo advogado Luiz Antonio Franco, sócio do Machado Meyer, que afirma que, embora o julgamento do STF ainda não esteja finalizado, já há juízes do Trabalho se “amoldando” à sinalização dada pela Corte. “Ainda que não diretamente, eles estão reconhecendo uma sucessão empresarial que advém de um reconhecimento de um grupo econômico. Eles estão tentando fazer um tipo de costura, digamos assim, nas decisões, no que o STF está tentando decidir de maneira mais restritiva”, diz.
Mudança de fundamento
Até 2024, em geral, as decisões que tratavam da responsabilização da Tim iam pelo argumento de que as empresas faziam parte do mesmo grupo econômico. Foi o que ocorreu, por exemplo, em um caso julgado pela 3ª Turma do TST, em processo que transitou em julgado em 2022. O TST rejeitou recurso da empresa e manteve entendimento do TRT2 de que ela poderia ser responsabilizada já na fase de execução de uma condenação envolvendo a Gazeta Mercantil, porque com as transações passou a compor o mesmo grupo econômico do jornal (Processo 23-94.2010.5.02.0201). Interpretação similar foi apresentada em outra decisão do TRT, mantida monocraticamente pela ministra Kátia Magalhães Arruda, dois anos antes (Processo 69300-19.2005.5.02.0026).
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Fundamento diferente, no entanto, passou a ser apresentado por decisões da mesma Vara publicadas em 2024. Nelas, a inclusão foi justificada com a existência de sucessão trabalhista, uma vez que “presentes provas e indícios robustos dos elementos caracterizadores do aludido instituto jurídico”, sem menção à hipótese de a Tim integrar o mesmo grupo econômico que a Gazeta (Processos 0073700-76.2005.5.02.0026 e 0076500-77.2005.5.02.0026).
Em ambos os casos, ao julgar recursos da empresa, o juízo da Vara manteve o entendimento, afirmando que: “In casu, não obstante os grupos Tim e Docas não se confundirem, a aquisição da Intelig, empresa do Grupo Docas, atrai a responsabilidade pelos débitos, não somente da própria Docas como de todas as sociedades empresariais que integram o grupo empresarial, quando não adimplidos os débitos trabalhistas e já houvesse insolvência do grupo, à luz da interpretação a contrario sensu da OJ 411 da SDI-1 do Colendo TST”.
Em outro caso, o juízo da 15ª Vara do Trabalho de São Paulo chegou a indeferir temporariamente um recurso do trabalhador em cumprimento a determinação de suspensão do STF, por conta do julgamento que trata de grupo econômico. A interrupção, porém, foi reconsiderada em decisão de 2025, após manifestação do trabalhador, na qual alegou que o recurso contestava a omissão de decisões anteriores quanto a haver sucessão da Tim e não quanto a ela compor o grupo econômico. O argumento foi aceito pelo juízo, que reconheceu a existência de sucessão e determinou a inclusão (Processo 0100600-32.2005.5.02.00).
A Tim ajuizou reclamação no STF questionando a decisão de não suspender o recurso, mas o pedido foi negado por decisão monocrática do ministro Luiz Fux (RCL 78.923). Segundo a decisão, Fux rejeitou a hipótese da empresa de que o juízo a teria incluído na fase de execução sem a devida desconsideração da personalidade jurídica ou declaração de inconstitucionalidade do artigo 513, parágrafo 5º, do CPC, em afronta à Súmula Vinculante 10. O ministro afirmou que a leitura da decisão não mostra que o TRT negou a aplicação do dispositivo, mas simplesmente interpretou seu alcance, fundamentando a responsabilidade na ocorrência da sucessão empresarial.
Em outras reclamações similares, porém, a empresa obteve retornos favoráveis do STF. Na RCL 73.594, em decisão monocrática, a ministra Cármen Lúcia cassou decisão do TRT e determinou o sobrestamento de um processo em que houve reconhecimento da sucessão da Tim. Para a ministra, “consta da decisão reclamada que o ingresso da reclamante no polo passivo do processo de origem ocorreu em momento posterior ao trânsito em julgado, não sendo ela parte na fase de conhecimento da ação, tendo sido incluída somente na fase de execução. A situação estabelecida no processo de origem é, portanto, a mesma daquela objeto do Recurso Extraordinário n. 1.387.795-RG, Tema 1.232, no qual proferida a ordem de suspensão nacional”.
Anteriormente, a 6ª Turma do TST havia negado o pedido da empresa para a suspensão. Para o colegiado, a controvérsia no recurso era “a responsabilidade do sucessor por débitos trabalhistas de empresa não adquirida, matéria tratada na OJ 411 da SDI-1 do TST” e, portanto, distinta da tratada no Tema do STF.
Ajustes na tese
Até o momento, o placar do julgamento no STF está em 5×1 pela não possibilidade de inclusão, entendimento que vai de encontro com o que costuma ser utilizado pela Justiça do Trabalho, que em geral permite a inserção de empresas do mesmo grupo econômico na fase de execução. Prevalece, por enquanto, o entendimento do ministro Cristiano Zanin.
No julgamento presencial realizado em fevereiro, o ministro defendeu que, à luz dos princípios constitucionais que estabelecem o direito ao contraditório e a ampla defesa, não cabe à inclusão de empresa do mesmo grupo econômico já na fase de execução, uma vez que ela não poderá contestar tanto a obrigação de pagar quanto o valor devido, além de questionar se realmente faz parte do grupo econômico.
Zanin também ressaltou que, ao entrar com a ação, o trabalhador pode escolher se processa apenas uma empresa ou se inclui outras do grupo econômico desde o início, e que isso já configura uma proteção especial ao trabalhador. Ele também diferenciou a responsabilidade por fazer parte de um grupo econômico da desconsideração da personalidade jurídica, que, segundo afirmou, ocorre em casos de abuso de poder ou sucessão empresarial. Por enquanto, somente o ministro Edson Fachin votou a favor da inclusão sem exigência de condicionantes adicionais.
O julgamento presencial representou uma reviravolta. Antes de ser zerado por pedido de destaque do ministro Cristiano Zanin, o placar virtual estava em 4×0 pela possibilidade de inclusão, desde que devidamente justificada em um incidente prévio de desconsideração da personalidade jurídica. Prevalecia entendimento do ministro Dias Toffoli, relator.
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No julgamento presencial, porém, Toffoli chegou a reiterar essa posição, mas, no fim, acabou alterando seu posicionamento para aderir a interpretação mais restritiva expressada por Zanin. Além de Toffoli, Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques também seguiram o ministro.
Para o advogado Rodrigo Antonio Freitas, tendo em vista a mudança de interpretação executada por alguns juízes da Justiça do Trabalho, seria interessante que, caso prevaleça esse entendimento, a tese final especifique que a sucessão mencionada seria a direta. “Se não tratar dessa forma pode ser que tenha uma rediscussão sobre o mesmo tema”, afirma.
Já o advogado Luiz Antonio Franco diz que, se for seguida a letra da lei, a diferenciação não se faz necessária, mas pondera que, considerando a “criatividade” muitas vezes empenhada pela Justiça do Trabalho para garantir que trabalhadores recebam verbas trabalhistas devidas, essa pode ser uma solução. “Se analisarmos a lei, o que o voto fala é a sucessão de acordo com o artigo 448-A da CLT. Então, é só ler a CLT e a hipótese de sucessão lá não é por grupo econômico”, observa.
Por nota ao JOTA, a advogada Vólia Bomfim, que representa Conexis Brasil Digital, entidade que reúne as principais operadoras de telecomunicações e atua como amicus curiae no julgamento do Tema 1.232 no Supremo, afirma que a entidade endossa a preocupação com a interpretação que pode ser dada pela Justiça do Trabalho quanto à hipótese de sucessão na tese que está em formação no STF.
“Nosso posicionamento é que seja ressalvada da hipótese de sucessão: a) inaplicabilidade da OJ 411 da SDI1 do TST por superada pelo parágrafo único do artigo 448-A da CLT; b) as UPIs adquiridas em leilão judicial realizados em processo de recuperação judicial ou falência de empresas ao caso; c) que o ônus da prova da fraude na transferência (na própria sucessão) é do autor, na forma do artigo 373, I do CPC”, detalhou
A Conexis também afirma que, embora o artigo 448-A da CLT, inserido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), seja claro quanto a responsabilidade do sucessor pelos débitos trabalhistas da sucedida, a “jurisprudência trabalhista criou a sucessão ‘indireta’ para transferir ao sucessor também das dívidas de empresa não adquirida, desde que pertencente ao grupo econômico da sucedida”. Para a entidade, essa é uma das formas encontradas pela Justiça do Trabalho “para não aplicar o entendimento esposado pelo Tema 1.232 do STF, por mera presunção de fraude na sucessão”, por meio da OJ 411
Por fim, a advogada destaca que “a incapacidade financeira não é sinônimo de fraude na transferência, nem de inadimplemento de direitos trabalhistas. A solvência da empresa transferida não é requisito necessário para validade da sucessão e não está prevista no parágrafo único do artigo 448-A da CLT. Além disso, por ser regra criada depois da edição da Orientação Jurisprudencial mencionada, deveria superá-la, operando-se o overruling, o que não foi abraçado pela jurisprudência”.