O PLP 116/2025 representa um avanço importante na estruturação de uma política fiscal mais responsável, transparente e orientada por resultados. Ao instituir o Painel Nacional de Subsídios e Renúncias Fiscais, o texto propõe critérios objetivos para a concessão, revisão e extinção de benefícios tributários, creditícios e financeiros pela União, vinculando sua validade à demonstração de impacto social efetivo e à avaliação periódica de resultados
Trata-se de uma resposta clara à necessidade de controle e racionalização de renúncias tributárias, em linha com as boas práticas internacionais. Contudo, justamente por sua relevância, o PLP 116 convida ao aperfeiçoamento.
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Desde a promulgação da Emenda Constitucional 132, a Constituição Federal passou a exigir que o sistema tributário brasileiro seja orientado, entre outros princípios, pela defesa do meio ambiente. Essa diretriz está expressamente prevista no §3º do artigo 145 da Constituição Federal, ao lado da simplicidade, da transparência, da cooperação e da justiça fiscal. Exige-se que em matéria tributária, inclusive na concessão de incentivos, sejam observados parâmetros de sustentabilidade ambiental.
Outros dispositivos constitucionais reforçam essa orientação, como o artigo 158, §2º, que condiciona a distribuição de receitas do novo IBS a indicadores de preservação ambiental; o artigo 43, §4º, que vincula incentivos regionais a critérios de sustentabilidade e redução de emissões de carbono; o artigo 153, VIII, que autoriza a criação do Imposto Seletivo sobre bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente; o artigo 155, §6º, II, que permite alíquotas de IPVA diferenciadas conforme o impacto ambiental dos veículos; e o artigo 225, §1º, VIII, que impõe ao poder público tratamento tributário favorecido para biocombustíveis e energias limpas.
Além disso, o artigo 159-A institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que prioriza projetos com ações voltadas à sustentabilidade ambiental e à redução das emissões de carbono.
É nesse contexto que se torna necessária uma leitura crítica e propositiva do PLP 116. O projeto acerta ao condicionar incentivos à apresentação de metas de desempenho social (art. 6º, II), à definição de metas de impacto econômico e social (art. 4º, IV) e à comprovação de retorno social efetivo como contrapartida (art. 9º, II).
Também determina a realização de avaliações periódicas (art. 6º, IV) e prevê auditoria anual pelo TCU. Mas, ao deixar de fora qualquer menção à variável ambiental entre os critérios de avaliação, o texto corre o risco de contrariar a própria Constituição e desperdiçar uma oportunidade única de alinhar a política de incentivos fiscais a objetivos ambientais relevantes, tais como a mitigação de emissões de carbono e adaptação climática.
Há razões mais que suficientes, portanto, para se defender a inclusão da variável ambiental entre os critérios de avaliação dos benefícios. Vejamos:
Primeiro, por uma questão de coerência normativa. Os subsídios e isenções fazem parte do sistema tributário e, como tal, devem obedecer aos mesmos princípios que orientam os tributos em si, entre eles, a defesa do meio ambiente. Ignorar esse princípio em um projeto que regulamenta a concessão de incentivos seria enfraquecer sua eficácia constitucional.
Segundo, por uma razão de isonomia e justiça fiscal ampliada. O projeto exige contrapartidas sociais, o que é louvável. Mas por que não também ambientais? Se ambas as dimensões estão expressas na Constituição, tratá-las de forma desigual compromete a legitimidade do sistema.
Terceiro, por eficiência econômica. Subsídios que favorecem atividades sustentáveis tendem a gerar maior retorno público a médio e longo prazo. São investimentos que reduzem riscos, evitam danos futuros e promovem inovação. Incluir exigências ambientais não é custo: é prevenção e prudência fiscal.
Há ainda o risco de subsídios perversos, isto é, benefícios concedidos a atividades que, embora produtivas no curto prazo, geram degradação ambiental, poluição e injustiça intergeracional. Sem critérios ambientais claros, o Estado pode acabar financiando, com renúncia de receita, práticas contrárias ao interesse público.
Incluir a variável ambiental também favorece a segurança jurídica. Evita disputas sobre a legalidade de benefícios e proporciona mais clareza aos investidores. Em um cenário global cada vez mais atento à transparência e à rastreabilidade dos recursos públicos, esse tipo de exigência é visto como indicador de maturidade institucional.
Por fim, há o argumento reputacional. O Brasil quer atrair investimentos sustentáveis, liderar mercados verdes e firmar-se como protagonista na transição climática. Ignorar a variável ambiental em um projeto dessa importância enviaria um sinal contraditório à comunidade internacional.
A verdade é que não existe impacto social positivo duradouro sem meio ambiente equilibrado. Disponibilidade hídrica, regulação climática, saúde pública, segurança alimentar: tudo isso depende de um ecossistema funcional. Os efeitos da crise climática já atingem com mais força as populações mais vulneráveis, aquelas que o PLP 116 pretende proteger. Separar as agendas social e ambiental é uma ilusão que só atrasa a resposta às urgências do nosso tempo.
Não se trata de burocratizar o processo, nem de criar novos obstáculos. Trata-se, isto sim, de orientar o uso dos recursos públicos com responsabilidade e visão de futuro. O PLP 116 é um avanço. Mas para que esteja à altura do novo pacto fiscal e ambiental já inscrito na Constituição, precisa ir além. Incorporar critérios ambientais explícitos é coerente e necessário.
Num momento em que se redesenha o papel do Estado, do orçamento e da própria tributação, perder essa chance seria um erro. O futuro, afinal, não se constrói apenas com boas intenções, mas com escolhas técnicas, conscientes e consistentes. E nenhuma escolha fiscal será verdadeiramente justa se continuar ignorando variáveis ambientais na formulação de políticas públicas.
A discussão torna-se ainda mais relevante diante da tramitação paralela dos PLPs 102 e 114, ambos de 2024. O PLP 102, em tramitação na Câmara, regulamenta o §4º do artigo 43 da Constituição Federal e estabelece que os incentivos fiscais concedidos no contexto das políticas de desenvolvimento regional, inclusive os relacionados ao ICMS, ISS e IBS, deverão obedecer a critérios de sustentabilidade ambiental e metas de redução de emissões de carbono.
Já o PLP 114, em análise no Senado, trata da regulamentação do §5º, inciso V, do artigo 156-A, e define regras para a desoneração tributária de bens de capital sustentáveis, permitindo crédito integral, diferimento ou alíquota zero da CBS e do IBS para aquisições que comprovadamente promovam a transição ecológica.
O avanço simultâneo dessas propostas indica que o país caminha para consolidar uma nova arquitetura fiscal, em que benefícios tributários não são mais tratados como instrumentos isolados, dependentes de fatores políticos, mas como componentes integrados de uma política pública comprometida com a descarbonização, a eficiência ambiental e a justiça intergeracional. Trata-se de um processo legislativo que traz para o centro do sistema tributário as diretrizes constitucionais inscritas na Emenda 132/2023 e que exige coerência normativa.
Nesse cenário, torna-se essencial garantir coordenação legislativa entre os PLPs 102, 114 e 116. O PLP 116/2025, ao instituir o Painel Nacional de Subsídios e Renúncias Fiscais, será peça-chave na governança dos incentivos. Para que esse painel cumpra sua função de forma sistêmica e eficaz, ele precisa dialogar com os critérios já previstos nos PLPs 102 e 114, incorporando variáveis ambientais entre os parâmetros de avaliação de desempenho, sob pena de fragmentar a lógica da reforma e produzir incongruências regulatórias.
Mais do que uma escolha de política pública, essa coordenação é uma exigência constitucional. A defesa do meio ambiente, hoje elevada ao patamar de princípio estruturante do sistema tributário, deve orientar não apenas a instituição de tributos, mas também a concessão, manutenção e avaliação de benefícios fiscais.
A harmonização normativa entre os projetos de lei que compõem esse novo arcabouço fiscal é, portanto, o caminho natural e necessário para dar concretude à promessa de uma tributação mais justa, transparente e orientada em direção a sustentabilidade.