Duas novidades que passaram despercebidas

A recém-aprovada Lei 15.141/25, sancionada pelo Congresso Nacional, traz uma série de medidas voltadas à reestruturação de carreiras no serviço público. Em meio a tantas mudanças, é compreensível que algumas inovações importantes tenham passado despercebidas.

É o caso da criação de duas novas carreiras transversais: a de Desenvolvimento Socioeconômico e a de Desenvolvimento das Políticas de Justiça e Defesa. Ambas representam avanços significativos no esforço de transformação da Administração Pública federal, liderado pela ministra Esther Dweck à frente do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

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Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, em especial pelas administrações Lula e Dilma, o processo de povoamento e profissionalização da Administração Pública federal ainda está longe de ser concluído. Muitas áreas, especialmente nos ministérios finalísticos, continuam carentes de quadros técnicos estáveis e especializados — em contraste com o centro de governo, onde há burocracias mais consolidadas.

A nova carreira de Desenvolvimento das Políticas de Justiça e Defesa será essencial para ministérios como Defesa, Justiça e Segurança Pública, e o Gabinete de Segurança Institucional. Hoje, o Ministério da Defesa, por exemplo, é majoritariamente ocupado por militares, com uma burocracia civil pequena e temporária.

Os cargos de confiança são, em sua maioria, preenchidos por egressos das Forças Armadas, enquanto os poucos civis atuam em funções administrativas, sem acúmulo técnico nas áreas estratégicas como segurança externa, compras e transferência tecnológica. Situação semelhante ocorre no Gabinete de Segurança Institucional, apesar de suas funções serem majoritariamente civis.

No Ministério da Justiça e Segurança Pública, é comum que policiais federais e rodoviários federais assumam funções em secretarias finalísticas como Consumidor, Políticas Penais, Acesso à Justiça, entre outras. Esses profissionais, junto a indicados políticos e servidores de outras áreas, formam um grupo heterogêneo que, embora dedicado, enfrenta dificuldades para atender às complexas demandas do ministério.

A criação de uma burocracia especializada e estável nesse ministério reduzirá, por exemplo, a dependência dos chamados “mobilizados” — policiais requisitados de outros estados para atuar temporariamente em Brasília. A realização de concursos públicos, como o bem-sucedido Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), aponta para um futuro em que o ministério contará com quadros mais alinhados à sua missão institucional.

Vale lembrar que esses três ministérios estiveram no centro dos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, quando as novas equipes ainda não haviam assumido plenamente e muitos cargos ainda estavam ocupados por remanescentes do governo anterior. É legítimo questionar se a presença de uma burocracia civil estruturada teria levado a uma resposta diferente.

Já a carreira de Analistas de Desenvolvimento Socioeconômico tem outro foco. Em um momento em que cresce o debate sobre a qualidade do gasto público — considerando impacto social, efeitos multiplicadores, custo-benefício e produtividade —, torna-se urgente superar a falsa dicotomia entre inclusão social e equilíbrio fiscal. Essa transformação exige quadros técnicos capazes de qualificar o uso dos recursos públicos, especialmente nos ministérios finalísticos, onde as políticas públicas são efetivamente implementadas.

Atualmente, os profissionais das áreas econômicas — como Tesouro, Orçamento, Planejamento e Gestão — não estão presentes nas pontas, onde o gasto acontece. A nova carreira buscará preencher essa lacuna com especialistas em economia, engenharia, ciências sociais, ciência de dados, entre outras áreas, com sólida formação em análise de projetos. Esses profissionais serão fundamentais para fortalecer a capacidade dos ministérios de disputar recursos com base em evidências e resultados esperados.

A dominância fiscal na Esplanada é histórica e profunda, sustentada por uma legislação orçamentária ultrapassada, com mais de 50 anos. Isso reforça as assimetrias entre os ministérios econômicos e os finalísticos. A nova carreira permitirá uma abordagem mais técnica e estratégica na alocação de recursos, implementação de políticas e avaliação de resultados. As decisões continuarão sendo políticas, mas estarão mais bem fundamentadas em dados e análises.

A presença desses profissionais em ministérios como Educação, Saúde, Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Transportes, entre outros, mudará o patamar das negociações com órgãos internacionais, estatais, agências reguladoras, Congresso e, sobretudo, com o centro de governo — Casa Civil, Fazenda, Planejamento e Gestão.

Decisões baseadas em dados sociais e econômicos tendem a ser mais eficazes do que aquelas guiadas por subjetividades, alinhamentos políticos ou pressões corporativas. Desenvolver capacidades estatais vai além de concursos e reestruturações salariais. Embora essas medidas sejam necessárias, são insuficientes por si só. As novas carreiras trazem potencial transformador, mas exigem gestão estratégica para que seus quadros não se tornem parte do problema.

Transformações na Administração Pública são processos lentos, que exigem consistência e continuidade. Reformas abruptas tendem a desorganizar mais do que construir. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos aposta em uma transformação incremental e estruturada do Estado brasileiro. A criação dessas duas novas carreiras é um passo promissor nessa direção — qualificada, estratégica e alinhada às necessidades do país.

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