O cenário jurídico-tributário brasileiro testemunha uma transformação significativa com a consolidação da transação tributária sustentável. Esse novo paradigma transcende a tradicional função arrecadatória do Estado, integrando práticas de governança socioambiental (ESG) aos mecanismos de regularização fiscal.
A convergência entre responsabilidade fiscal, governança e compromissos socioambientais reflete uma evolução normativa, legal e institucional que busca alinhar interesses econômicos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU e, mais amplamente, com ações e políticas permanentes de sustentabilidade.
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Fundamentos da transação tributária
De início, destaca-se a Lei 13.988/2020, oriunda da MP 899/2019, que – lado a lado com o Código Tributário Nacional, de 1966 – estabelece os requisitos e condições para que a União, suas autarquias e fundações realizem transações com devedores ou partes adversas, visando à resolução consensual de litígios tributários.
Essa legislação trouxe eficácia à referida política pública e introduziu modalidades de transação por adesão e individual, permitindo concessões mútuas entre as partes para regularização de débitos fiscais.
A lei da transação tributária prevê critérios objetivos para concessão de descontos, prazos e formas de pagamento, considerando a capacidade de pagamento do devedor e o grau de recuperabilidade do crédito. Além disso, estabelece diretrizes para descontos e prazos de parcelamento, promovendo maior segurança jurídica e eficiência na otimização de créditos tributários.
Integrando práticas ESG nas transações tributárias
Noutro prisma, observa-se a Portaria PGFN 1.241, publicada em outubro de 2023, que representa um marco na integração de práticas ESG nas transações tributárias federais. Alterando a Portaria PGFN 6.757/2022, que concentra a operacionalização dos acordos, a inovação normativa introduziu a Seção VIII, que estabelece a observância de aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) na celebração de transações tributárias.
Conforme destacado pela própria PGFN, a portaria incentiva que as transações tributárias considerem, de forma prática e referencial, os ODS da ONU. Isso permite que empresas em dívida com a União obtenham condições mais vantajosas de pagamento ao se comprometerem com objetivos de sustentáveis alinhadas às metas e aos indicadores ODS e, em cenário mais amplo, aos critérios ESG.
Programa de Aceleração da Transição Energética e o avanço do ESG
Sequencialmente, a iminente Lei 15.103/2025 instituiu o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), cujo objetivo é fomentar projetos de desenvolvimento sustentável por meio do Fundo de Garantias para o Desenvolvimento Sustentável (Fundo Verde), a ser administrado pelo BNDES para garantir riscos de financiamentos, e da possibilidade de transação tributária condicionada ao investimento em desenvolvimento sustentável – permitindo, assim, que empresas com projetos específicos apresentem propostas de acordos fiscais perante a União.
Além disso, a Lei 15.103/2025 avançou ainda mais e ampliou o alcance e o próprio conceito conjuntural da transação tributária sustentável ao alterar a Lei 13.988/2020, acrescentando o § 13 ao art. 11 – que estabelece: “Sempre que possível, na celebração das transações, serão considerados e perseguidos objetivos e ações de desenvolvimento sustentável, devendo-se buscar efeitos socioambientais positivos a partir das concessões recíprocas que decorrerem do negócio”.
Casos práticos: aplicação dos compromissos ESG
Naturalmente, a aplicação prática da inovação normativa e legal é embrionária, mas estruturalmente robusta nos esforços brasileiros para a implantação de um sistema tributário sustentável, uma visão transversal em toda legislação.
Publicamente, a transação tributária sustentável apresenta ao menos três casos emblemáticos:
- Empresas de saneamento básico do Pará e Piauí celebraram acordos que totalizam mais de R$ 1 bilhão em débitos, atrelados a compromissos socioambientais de longo prazo;
- Uma empresa do setor de celulose e papel teve sua dívida reduzida de R$ 288 milhões para R$ 64,6 milhões, mediante compromissos ambientais e sociais;
- Uma empresa do setor de cimentos conseguiu reduzir sua dívida de R$ 11 bilhões para R$ 4 bilhões, vinculando ações concretas de reparação ambiental e social – o que é considerado o acordo de transação tributária individual na história.
Esses notórios exemplos, para além do fluxo de acordos com impacto e da evidente intensificação de propostas a considerar tais inovações na medida da consolidação da compreensão normativa, legal e jurisprudencial, demonstram o potencial transformador do sistema tributário sustentável, em amplo espectro, e da transação tributária sustentável, em cenário específico, evidenciando que os compromissos ESG e de sustentabilidade se performam como fator de redução de passivos fiscais e de transformação prática socioambiental.
Ampliação de objetivos para ações de desenvolvimento sustentável
Não há dúvidas que a publicação da Portaria PGFN 1.241/2023 marcou um avanço significativo ao permitir que as transações tributárias considerem critérios ESG e, mais detidamente, o alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Contudo, a Lei 15.103/2025 deu um passo mais profundo: ela não se limita às metas e aos indicadores globais e brasileiros, na medida dos esforços de internalização, mas amplia o escopo para exigir também ações públicas e privadas proativas, concretas e mensuráveis.
Essa ampliação regulatória tem efeitos fundamentais:
- A lei cria uma política conjuntural e atemporal, que transcende a Agenda 2030 e faz da transação tributária sustentável um instrumento permanente de transformação fiscal, econômica e ambiental.
- Reforça que as dimensões ESG (ambiental, social e de governança) não são apenas “boas práticas” ou tendências, mas diretrizes obrigatórias e estruturantes do regime fiscal e tributário sustentável brasileiro.
- Integra a transação tributária sustentável ao próprio regime fiscal sustentável consolidado pela Lei Complementar nº 200/2023, consolidando a governança socioambiental como parte essencial do sistema tributário nacional.
A evolução normativa em questão, por evidente, não gera conflito, mas cria uma complementaridade estratégica. Enquanto a portaria da PGFN associa acertadamente a transação tributária sustentável ao marco dos ODS, a Lei 15.103/2025 a transforma legalmente em política pública perene — exigindo ações concretas e resultados efetivos como contrapartida às concessões fiscais.
Para as empresas e operadores jurídicos, o recado é claro: a transação tributária sustentável não é apenas uma oportunidade de negociação fiscal, mas um instrumento de governança corporativa e de sustentabilidade de longo prazo.
Transversalidade e autonomia da transação sustentável para além do Paten
Por oportuno e diante da sensibilidade do legislador e dos avanços normativos recentes, é essencial esclarecer tecnicamente e consolidar a compreensão de que a transação tributária sustentável não se limita aos projetos de desenvolvimento sustentável vinculados e aprovados no âmbito específico do Paten e da governança do Comitê Técnico do programa.
Notadamente, a Lei 15.103/2025 possui um duplo papel: ao mesmo tempo em que institui o Paten, ela inova e altera a redação da Lei 13.988/2020, conhecida como a lei geral das transações tributárias no Brasil. Ao inserir o novo § 13 no art. 11 da referida lei, a norma consagra o caráter amplo, atemporal e transversal da transação tributária sustentável, desvinculando-a da necessidade de qualquer homologação ou governança específica do Paten.
Esse ponto é de extrema relevância técnica e operacional, pois significa que:
- A transação tributária sustentável não está restrita ao Paten: ainda que o Paten, por suas diretrizes setoriais e fundos específicos (Fundo Verde), tenha um escopo definido — especialmente ligado ao setor de energia e à matriz sustentável —, a alteração no art. 11 da Lei 13.988/2020 projetou o instituto de forma mais ampla, aplicável a qualquer transação tributária, independentemente de vinculação ao programa.
- Mandamento legal de caráter geral e permanente: ao prever que, sempre que possível, as transações deverão perseguir “objetivos e ações de desenvolvimento sustentável”, a lei cria um verdadeiro mandamento legal que transcende a política setorial do Paten e passa a integrar todos os processos de negociação tributária celebrados no âmbito da União.
- Instrumento de política pública para além de projetos específicos: não se trata apenas de projetos de infraestrutura ou inovação tecnológica submetidos ao Paten. O novo marco legal faz da transação tributária sustentável um princípio norteador da política fiscal brasileira — conectando gestão e revisão de passivos fiscais ao compromisso com resultados socioambientais positivos em qualquer setor ou ramo de atividade.
- Adoção ampla e potencial para todos os contribuintes: qualquer contribuinte que deseje negociar ou revisar débitos com a União, seja em transações por adesão ou individuais, pode (e deve) considerar a inclusão de compromissos de desenvolvimento sustentável — mesmo que sua atuação não esteja diretamente ligada aos setores estratégicos do Paten.
- Integração ao planejamento fiscal e à governança corporativa: essa leitura amplia as oportunidades para empresas e consultores jurídicos, pois permite associar as diretrizes ESG e as políticas de sustentabilidade corporativa diretamente aos planos de revisão, gestão e planejamento fiscal — não apenas à execução de projetos específicos. Dessa forma, a transação tributária sustentável deixa de ser um mecanismo acessório e passa a integrar a espinha dorsal do compliance tributário e do planejamento estratégico das organizações.
Em termos ainda mais práticos, a inserção desse novo § 13 ao art. 11 da Lei 13.988/2020 estabeleceu um novo marco normativo de alcance geral e transversal: a transação tributária sustentável se torna parte integrante da política pública tributária do Estado brasileiro e das práticas de negociação entre agentes públicos e privados — um divisor de águas que reforça o compromisso nacional com a sustentabilidade e amplia as perspectivas de empresas e operadores jurídicos na busca por um equilíbrio entre regularização fiscal e responsabilidade socioambiental.
Um instrumento permanente e estratégico de transformação
Em arremate conclusivo, portanto, a consolidação da transação tributária sustentável no ordenamento jurídico brasileiro, impulsionada pela Portaria PGFN 1.241/2023 e pela Lei 15.103/2025, oferece um caminho promissor para integrar o compliance fiscal tradicional com a governança socioambiental. Essa integração não se limita ao marco temporal dos ODS: ela cria um instrumento contínuo, que alinha redução e otimização de passivos a compromissos ESG de longo prazo.
Para empresas, isso representa uma oportunidade estratégica: não apenas para regularizar dívidas, mas para planejar crescimento e assumir protagonismo na proteção do meio ambiente e na construção de uma economia mais sustentável e socialmente responsável.
Para advogados, consultores e gestores, significa a necessidade de uma visão holística, que una gestão fiscal e impacto socioambiental em um mesmo plano de ação — um novo e robusto campo de atuação que transcende o contencioso fiscal tradicional e se consolida como alicerce de um futuro econômico e socioambiental mais resiliente e equilibrado.