O Ministério da Justiça avalia que a ´proposta de emenda à Constituição para reformular a Segurança Pública (PEC 18/2025) não terá impacto fiscal direto imediato. Em tramitação na Câmara dos Deputados, a proposição reorganiza as estruturas já existentes sem criar novas frentes de gasto no curto prazo, destaca o secretário de Assuntos Legislativos da pasta, Marivaldo Pereira ao JOTA.
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Desdobramentos fiscais futuros, no entanto, não estão descartados. O secretário avalia que a aprovação da PEC pode incentivar discussões pela ampliação do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Siesp), já que o texto prevê a padronização e a integração de informações e dados estatísticos.
Outra possibilidade é que a reformulação da segurança pública desencadeie, futuramente, no aumento do efetivo da Polícia Federal (PF), que tem uma atuação ampliada pela proposta. Segundo Marivaldo, os impactos serão analisados caso a caso, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Há também reflexo indireto associado à constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). A PEC prevê que as principais fontes de financiamento da segurança pública sejam deixadas fora do teto de gastos, o que deve reverberar no Orçamento. Os fundos foram alvos de bloqueio de R$500 milhões pelo Congresso Nacional na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA) de 2025.
A PEC avança em um contexto de demanda de recursos para a segurança pública. O ministro Ricardo Lewandowski disse em audiência no Senado, em abril, que a situação da pasta é de “verdadeira penúria orçamentária”. Segundo o secretário, o ministério busca “encontrar caminhos” para recompor a quantia bloqueada.
Leia os principais trechos da entrevista:
O Ministério da Justiça trabalha com algum cenário de impacto fiscal da PEC da Segurança Pública?
Temos uma percepção de que isso vai se dar a partir da regulamentação, mas a princípio nós entendemos que não tem um impacto imediato. Um exemplo que eu trago é o da Força Nacional de Segurança Pública, que já tem uma demanda gigantesca de custo para poder atuar em apoio aos estados. De alguma forma, a gente tem aqui uma substituição do caminho por onde essas despesas estão sendo executadas hoje. É a otimização de uma estrutura já existente. Vale lembrar que nos últimos anos a Polícia Rodovíária Federal (PRF) cresceu e aumentou muito o número de agentes então, acreditamos que não há um impacto fiscal imediato com a aprovação da PEC.
E quanto a um impacto futuro, há alguma perspectiva após promulgação?
Pode haver uma decisão estatal de ampliar os quadros da Polícia Federal, de ampliar os quadros da Polícia Rodoviária Federal ou uma decisão municipal para ampliar as Guardas Municipais. É essa decisão que tem que ser avaliada na perspectiva do impacto fiscal. Por exemplo, a gente tem aqui o Sinesp, o coração do debate na PEC, que é o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. Após a aprovação da PEC, o Sinesp deve ser muito fortalecido porque vai assegurar que as informações de segurança pública estejam devidamente integradas. A decisão sobre o investimento no Sinesp, que já tem um investimento anual para melhorias previsto no orçamento da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), se houver a decisão de ampliar esse recurso, essa decisão deve ser analisada na perspectiva da Lei de Responsabilidade Fiscal não é a PEC que prevê a integração. Como vai se dar essa integração e quem vai definir como vai ser essa integração é após a PEC. A PEC estabelece as diretrizes, a estrutura geral de como deve ser esse funcionamento. Os mecanismos de como isso será feito e se isso pode ou não gerar impacto fiscal, essa discussão vai ter que ocorrer quando esses mecanismos forem definidos.
Como avalia e o que espera do encaminhamento da tramitação da proposta no Congresso?
Estamos conversando com parlamentares, com o Congresso para que a gente tenha uma tramitação mais célere possível. Acho que há um consenso de que não se deve contingenciar os recursos que são fonte desses fundos. A gente está dialogando com o governo para achar caminhos para que a gente possa recompor o valor da Lei Orçamentária Anual (LOA).
O ministro Lewandowski tem falado sobre a necessidade de “arrumar dinheiro para a segurança pública”. Como essa questão orçamentária tem impactado o ministério e se associa à PEC?
Essa demanda mencionada pelo ministro é a demanda para que a gente possa dar um salto na qualidade da segurança pública e potencializar o apoio que faz aos estados para que possa impulsionar ainda mais as operações integradas. Uma preocupação muito grande que a gente tem é que nos últimos quatro anos anteriores ao mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a gente assistiu a uma precarização muito grande da estrutura da segurança pública, especialmente a Polícia Federal e, sobretudo, a atuação direcionada ao combate a crimes ambientais, ao combate à corrupção e também à fiscalização e controle de armas.
É importante colocar que foi absolutamente desmontado na gestão passada. Quando o presidente Lula assumiu, o primeiro ato dele foi retomar a política de controle de armas na sociedade, aí vem a transferência da competência para a Polícia Federal e uma demanda necessária de estruturar um órgão que vai ficar responsável por isso. Outra medida do primeiro dia do mandato do presidente Lula foi a criação de uma diretoria da Polícia Federal para combater crimes ambientais, que tem uma atuação principalmente na região amazônica, então já tem aí uma demanda muito grande de recursos para que a Polícia Federal tenha condições de atuar em articulação com o Ibama, com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) nesse sentido.
Essa necessidade de reconstrução, infelizmente, coincidiu com um momento de restrição orçamentária, que evidentemente leva a uma situação em que a gente vem se desdobrando. Mas também temos resultados muito positivos. Destaco alguns, como o que está se verificando na Terra Indígena Ianomâmi, na redução do garimpo ilegal, resultado da quantidade de operações integradas que a gente vem tendo, no combate à corrupção, na retomada do controle da circulação de armas.
São resultados muito positivos, mas ainda são necessários recursos, inclusive, para ampliar e atuar em outras áreas. Essa perspectiva, quando o ministro coloca a demanda de recursos, é porque há uma demanda muito grande das corporações no âmbito do governo federal em razão do intenso sucateamento que elas vivenciaram nos quatro anos anteriores ao mandato do presidente Lula e houve ainda o corte de 500 milhões no Congresso Nacional. Há uma demanda do Ministério para que no mínimo a gente consiga recompor o valor perdido durante essa tramitação do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual).
A PEC ponto a ponto
De autoria do Ministério da Justiça, a PEC 18/25 reconfigura a estrutura de segurança pública no Brasil a partir de três principais ponto: a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp); a ampliação das competências da Polícia Federal (PF) e da Rodoviária Federal (PRF) e a inclusão dos fundos de segurança pública e penitenciário na Constituição. Leia a íntegra.
No relatório da proposta, encaminhado ao Congresso em abril, o ministro Ricardo Lewandowski afirma que a segurança pública tem se tornado um problema nacional. A ação do crime organizado, segundo ele, é um das principais razões para o aumento crescente das dificuldades no setor e o enfrentamento do cenário só é possível por meio de um planejamento estratégico nacional.
A PEC também propõe integrar informações, como antecedentes criminais, formatos distintos de boletins de ocorrência e bases de mandados de prisão. Atualmente, cada estado tem seu próprio sistema, o que favorece a criação de discrepâncias em informações essenciais.
SUS da Segurança Pública: A proposta quer elevar o Susp ao status de norma constitucional, dando maior estabilidade jurídica e institucional à política de segurança pública. A iniciativa foi criada pela lei 13.675/2018 em moldes similares ao Sistema Único de Saúde. O Susp é um modelo de articulação entre policiais, bombeiros, guardas municipais e sistema prisional em todas as esferas para melhor a cooperação, a troca de informações e o planejamento conjunto.
Segundo Lewandowski, a constitucionalização assegura a “continuidade ao fortalecimento da função de planejamento e de coordenação da União em matéria de segurança pública”.
Penitenciárias: a PEC também estabelece competência privativa da União para legislar sobre sistema penitenciário. Atualmente a responsabilidade é da União, estados e Distrito Federal.
Polícia Federal: tem competência ampliada e passa a investigar organizações criminosas e milícias com repercussão interestadual ou internacional. A atuação também se estende à investigação de ilícitos penais que afetem bens da União ou estejam no âmbito de seu interesse, como o meio ambiente.
Polícia Rodoviária Federal: passa a ser integrada à Polícia Viária Federal, uma nova corporação que será criada também para o patrulhamento ostensivo de rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Ela não exercerá funções próprias das polícias judiciárias nem procederá à apuração de infrações penais.
Guardas municipais: são incluídos rol dos órgãos de segurança pública estabelecido pela Constituição. Poderão atuar em ações de segurança urbana, sem se sobrepor às atribuições das polícias Civil e Militar.
Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social: também passa a ser incluído na Constituição e terá a participação de representantes da sociedade civil na sua composição, que já inclui a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.