No último dia 7 de maio, o Plenário do STF iniciou julgamento que discute o aumento de pena em crimes contra a honra praticados contra funcionários públicos no exercício de suas funções. O dispositivo, que já existe no Código Penal, prevê que quando se ofende alguém que ocupa cargo público, um ministro, um deputado, o presidente da república… a pena deve ser maior do que se a ofensa for proferida contra uma pessoa qualquer. A Corte parece caminhar para a conclusão de que é correto que a honra do funcionário público seja protegida de forma mais intensa do que a de um cidadão comum.
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Enquanto o Brasil discute o aumento de pena que reflete os tempos pouco democráticos de sua criação (1940), a Corte Interamericana de Direitos Humanos segue direção oposta, com entendimento consolidado de que a honra de agentes públicos, quando relacionada ao exercício de suas funções, não deve ser protegida penalmente.
O fundamento é bem simples: não há crime quando se critica, ainda que de forma grosseira, quem se envolve com a coisa pública. O Brasil, enquanto signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, está submetido às orientações da Corte Interamericana. Há também recomendação do CNJ da época da presidência do Ministro Luiz Fux que expressa essa vinculação.
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É ao comentar a atuação dos agentes de Estado que a sociedade fiscaliza, questiona e participa da vida pública. Por isso, é natural — e até desejável — que funcionários públicos estejam sujeitos a um grau mais elevado de escrutínio e crítica do que os cidadãos comuns.
No plenário, um dos ministros esbraveja que não admite ser chamado de ladrão. A discussão descamba para a defesa dos sentimentos dos julgadores. Colocando-se pessoalmente no lugar de potenciais vítimas, votam preocupados em proteger a própria vaidade.
Argumentam que a função institucional do Supremo (ou de outros órgãos públicos) estaria em jogo, o que justificaria uma punição mais severa. Difícil de entender se aqueles que votam pela constitucionalidade do aumento de pena sentem-se mais importantes do que o resto da população ou frágeis demais, de modo a justificar uma proteção reforçada.
No contexto da pandemia, em 2021, o Ministro Flávio Dino, à época governador do Maranhão, chamou o então presidente Jair Bolsonaro de serial killer. Foram extrapolados, ministro, os limites da crítica possível? Foi colocado em risco o normal funcionamento da presidência da república de modo a justificar punição agravada?
Quando o Estado responde a manifestações incômodas dirigidas a seus agentes com penas mais severas, não protege o serviço público — silencia o debate democrático.
O aumento da pena contribui para criação de um ambiente de intimidação e envia recado perigoso: quem falar sobre o poder público poderá enfrentar repressão penal ainda mais severa.
Foi o que se viu no caso de jornalista condenado por injúria agravada após chamar um político de “sem noção” e “sem escrúpulos”, em razão de sua atuação pública.
Essa situação inverte os fundamentos da democracia. Em vez de garantir a liberdade de expressão, mina justamente sua função mais essencial: permitir o controle social do poder.
Tratar manifestações contra autoridades como crime — e pior, como crime mais grave — é negar o espírito republicano e abrir caminho ao autoritarismo.
Espera-se que, ao retomar o julgamento da ADPF 338, o STF reafirme o compromisso do Brasil com os parâmetros interamericanos e com os valores fundamentais do Estado Democrático de Direito. É tempo de declarar, com clareza, que falar sobre o poder público não é crime — e jamais pode ser motivo para agravar uma pena.