Está na Folha de S.Paulo e em todas as redes sociais. O presidente do STF, Luis Roberto Barroso, é visto em um vídeo cantando animadamente “Garota de Ipanema”, ao lado da talentosa cantora Paula Lima e do CEO do iFood, Diego Barreto, em jantar “beneficiente” em homenagem a Sua Excelência, realizado na casa do empresário, na capital paulista.
Vamos lembrar que o STF julgará em breve, com repercussão geral, o Tema 1291, que trata da relação de trabalho entre os motoristas e entregadores de aplicativo e empresas como Uber e iFood, decisão que poderá trazer impacto evidente para os lucros da companhia. A empresa participou, inclusive, da audiência pública sobre o tema, convocada pelo respeitável e discreto ministro Edson Fachin, em dezembro passado.
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Aprendi desde meus primeiros tempos de advocacia que uma das formas de contraditar uma testemunha é perguntar se ela “frequenta a casa da parte”, o que obviamente denota intimidade e uma parcialidade presumida. Imagino que o mesmo valha para magistrados quando se trata de perquirir eventual suspeição (CPC, art. 145, inc. I e II).
Se você, caro leitor do JOTA, é um advogado e tem uma causa importante contra uma empresa, o que sentiria ao saber que o magistrado vinculado ao processo está recebendo uma homenagem daquela mesma parte, honraria conferida na casa do executivo, em animada confraternização, com direito a menu de Felipe Bronze e cantoria com o anfitrião? Que causídico diligente não pediria a suspeição deste magistrado?
Penso que a presença foliã do presidente do STF no regabofe empresarial é uma grande falta de compostura judiciária, e que tal fato inviabiliza sua participação no julgamento da repercussão geral referida, por absoluta suspeição. Alguém imaginaria o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos cantando na casa de Elon Musk, em animado dueto com este, uma música de Sinatra? E se Musk tivesse, ainda por cima, um importantíssimo caso a ser julgado naquele excelso tribunal? Seria um grande escândalo, não? Certamente haveria pedido de impeachment no Senado dos EUA.
Não vale o salvo-conduto de que Barroso “apenas” estava recebendo uma homenagem “institucional” por apoiar políticas identitárias patrocinadas pela multinacional e bilionária corporação. Homenagem de empresa privada com processos na corte? Na casa do dono? Então, qualquer empresa com causas na corte, sob apanágio das “melhores intenções”, pode “homenagear” os seus integrantes, convidando-os para animados festins em mansões privadas da pauliceia desvairada, com cantora de renome e chef estrelado contratados a peso de ouro?
O problema é que já normalizamos esse tipo de despudor judiciário, como aqueles conclaves nababescos em capitais europeias, bancados pelo empresariado, disfarçados de “ONGs criadas para o bem do país”, nos quais os juízes (Barroso inclusive) prometem o paraíso para o patronato, o que inclui esvaziar a legislação trabalhista, como notoriamente vem ocorrendo no STF.
Já os romanos tinham a exata noção da probidade na administração pública quando afirmavam que “à mulher de Cesar não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Quando vejo um ministro do STF sambando na casa de um litigante na corte, ele sinceramente não me parece imparcial – para não dizer outra coisa.