Por que não fazer política pública para reduzir a desigualdade

Há uma diferença considerável em se pretender erradicar a pobreza por meio de ação estatal e de se pretender combater a desigualdade social. A razão para tanto é bastante intuitiva, embora negligenciada.

Uma política elaborada com o propósito de combater a desigualdade social parte, necessariamente, do pressuposto de que a riqueza está mal distribuída na sociedade. Dessa forma, seu objetivo é redistribuí-la. A política em questão, portanto, estabelecerá formas de se retirar riqueza de alguém (um indivíduo ou empresa) e entregar a outro (indivíduo ou empresa).

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A consequência natural de uma tal medida é lógica: ao supor que a riqueza de um país foi dada no início dos tempos e é tudo que já está aí, a política redistributivista desconsidera o fato de que riqueza pode ser produzida ad infinitum e assim tem sido, sobretudo pós-Revolução Industrial. Além disso, a política gera desincentivos para quem quer produzir riqueza a partir de um certo patamar de acumulação (por que aumentar a minha riqueza, se ela será “descontada” de mim?).

Uma política que almeje o combate à pobreza, todavia, é uma política que tem como finalidade aumentar a produção de riqueza social pelos indivíduos e empresas. Se o propósito muda, mudam também os instrumentos a serem utilizados, que pode ser, por exemplo, o afastamento de barreiras à entrada em um dado mercado. A redução da desigualdade pode até ser consequência do resultado exitoso da medida, mas não é seu objetivo primário.

Relembre-se que quem produz riqueza é apenas o mercado (indivíduos e empresas) e que o Estado não o faz, excetuando-se, em alguns casos, em que se tem empresas estatais atuando no mercado e produzindo lucro. Relembre-se, igualmente, que riqueza natural, se não for apropriada economicamente por um país, não constitui riqueza para fins de produzir desenvolvimento (o estado natural do ser humano é pobre, mesmo que habitando um meio ambiente “rico”). É da apropriação da riqueza natural e de sua transformação que são gerados produtos e serviços de que ele necessita.

Relembre-se, por fim, que desigualdade, no fim das contas, não constitui exatamente um problema estatal: o problema é a fome, a miséria e a falta de acesso a produtos e serviços. Ninguém se incomodará (ou pelo menos não deveria) com uma desigualdade de renda entre cidadãos ricos.

Convém enfrentar com maior vagar um último argumento retórico pegajoso e nefasto: acabou prevalecendo, no senso comum, a concepção de que o responsável pela pobreza e a desigualdade social é o mercado. É precisamente o oposto. Mesmo que se parta da concepção de que ao Estado compete promover o desenvolvimento, a ele competiria, nesse cenário, redistribuir a riqueza produzida exatamente pelo mercado, que nada mais é que o conjunto aparentemente caótico de agentes econômicos, representados por pessoas e empresas.

O chamado “mecanismo de mercado” é composto por todos nós, pessoas físicas e/ou jurídicas, vendendo ou comprando bens e serviços, incluindo nosso próprio trabalho. Por sua vez, o desenvolvimento econômico, a produção de riquezas, o acesso a produtos e serviços requerem, para acontecer, uma competição efetiva entre agentes econômicos.

Ao longo do processo, alguns mercados vivenciam situações (sempre temporárias) de existência de poder de mercado, atribuída a uma ou mais empresas. No entanto, na esmagadora maioria dos mercados não há monopólios ou cartéis, há concorrência. Em geral, identifica-se dois ou mais ofertantes, cada um buscando convencer os compradores a comprarem de si e não do outro.

E para tal convencimento valem-se de preços menores, qualidade superior ou mais variedade de produtos ou serviços. A concorrência dentro do “mecanismo de mercado” é o elemento que enriquece a sociedade, reduz a pobreza e a miséria, esses sim, aqueles que deveriam ser considerados o grande objetivo de uma República.

A ideia sobre a influência positiva de mais concorrência sobre a erradicação da pobreza e a redução da desigualdade é muito simples e direta: onde há mais concorrência evita-se ou reduz-se o poder de mercado dos monopólios ou oligopólios, diminuindo preços e lucros dos empresários (em média, mais ricos) em favor de consumidores (em média, mais pobres), o que implica aumentar o poder de compra dos segundos, tornando, por consequência, a distribuição de renda menos desigual. A microeconomia básica revela, assim, que a concorrência reduz a pobreza e torna a distribuição de renda menos desigual.

A seu turno, em uma situação de monopólio, tem-se a ocorrência da denominada “ineficiência X”, conceito desenvolvido por Leibenstein[1], que pode ser entendido como a teoria do monopolista “gato de armazém”: sem concorrência, o empresário fica mais preguiçoso para minimizar custos. O aumento da diligência interna nas empresas para eliminar a ineficiência X, em resposta à concorrência, incrementa a produtividade, reduzindo preços, o que diminui a pobreza e a desigualdade.

O mesmo acontece em uma perspectiva de inovação. No longo prazo, com todos os insumos variáveis, as variáveis de ajuste de cada ofertante para atrair mais compradores para si são bem mais numerosas. Igualmente, é maior, no longo prazo, a flexibilidade para oferecer mais qualidade e variedade de produtos, o que busca induzir incrementos nas demandas[2] dos consumidores para si, ou melhorias do processo produtivo que permitem reduzir custos. Isso decorre do processo de inovação das empresas, em resposta à ameaça dos concorrentes. Para Schumpeter, as inovações geram a chamada “destruição criativa”, o que definiria o próprio crescimento econômico.

A relação entre concorrência e inovação, diferente da relação entre concorrência e preços, não é, todavia, monotônica. De um lado, mais concorrência gera mais incentivos à inovação pois “mais rivais tendem a estimular inovação mais rápida de forma a ser o primeiro com um novo produto que irá se beneficiar das recompensas mais elevadas de ser o primeiro”. É o efeito descrito por Aghion e Griffth[3] como “escape da concorrência”.

No entanto, um segundo efeito vai na direção oposta. Muita concorrência também pode inibir a inovação pois “mais rivais dividem os benefícios potenciais em mais partes, deixando um valor esperado menor para cada um”, o que constitui o efeito descrito por Aghion e Griffth como de “dissipação de rendas”.

Há que se sublinhar, contudo, que o segundo efeito está intrinsecamente relacionado à perspectiva de não se tornar um monopolista, ou não se tornar um agente com produto/serviço melhor que os concorrentes, ou com um processo mais eficiente que os rivais, após a inovação. Ou seja, a expectativa de não se tornar um monopolista ou de ser capaz de “suavizar” o rigor da concorrência com a inovação, poderia conduzir a um comportamento que ocasionaria a dissipação de renda. Mas se a perspectiva da inovação for de levar o agente a uma posição distintiva superior aos rivais prevalecerá o (primeiro) incentivo. Nesse sentido, prevalece a correlação positiva concorrência/inovação.

Os dois efeitos contraditórios fazem surgir a hipótese da relação entre concorrência e inovação na forma de “U” invertido. Tanto um monopólio como a concorrência perfeita seriam inadequados para gerar inovação. Em um monopólio não há qualquer efeito de “escape da concorrência” pois não há concorrentes para escapar. Já na concorrência perfeita, ou há muitos potenciais inovadores que acabarão por dividir o prêmio pela inovação ex-post ou, de forma mais simples, com o lucro econômico zero não há agentes com recursos para realizar atividades mais robustas de P&D.

Daí, caberia uma estrutura de mercado intermediária oligopolista, por exemplo, quatro ou cinco empresas para maximizar o esforço inovativo: haveria outras empresas de cuja concorrência se pretenda “escapar” e não haveria tantos inovadores potenciais para dividir o prêmio da inovação ex-post. Enfim, uma concorrência não excessivamente pulverizada gera inovações[4].

A relação entre inovação e crescimento econômico é positiva e forte. Mais que isso, o crescimento econômico é a variável chave para reduzir a pobreza. De fato, o crescimento econômico quase certamente reduz a pobreza e o faz de forma expressiva, mas não obrigatoriamente torna a sociedade menos desigual.

Considera-se “desigualdade boa” aquela produzida pela concorrência por inovações. O adjetivo “boa” deriva do efeito positivo das inovações sobre o crescimento econômico e sobre a redução da pobreza. Políticas públicas de redistribuição de renda, ao pretenderem forçar uma melhor distribuição de renda pelo Estado, podem produzir efeitos negativos para a pobreza também em função de seu efeito sobre o incentivo a trabalhar. Afinal, se não importa o quanto se trabalhe, uma vez que a renda adicional pelo trabalho a mais será redistribuída, é natural que se trabalhe menos.

O que se considera “desigualdade ruim” está associado justamente à falta de concorrência. Conforme Zingales[5], isso ocorre quando empresários conseguem tanto poder de mercado como político, sendo o primeiro derivado do segundo e, nesse caso, o sistema econômico passa a se assemelhar a uma economia socialista em que a “mão invisível” do mercado, além de invisível, torna-se também inexistente.

Cria-se, assim, o chamado “capitalismo crony” ou “capitalismo de estado” em que os “negócios ..controlam o processo político”. Esse modelo de capitalismo favorece os empresários “privilegiados” em sua proximidade ao Estado, torna a distribuição de renda desigual e, inequivocamente, de uma forma negativa, porque também gera pobreza.

Na realidade, muitas das críticas atribuídas ao capitalismo são relacionadas a essa sua versão distorcida do capitalismo de laços. Ele, sim, é a senha clara para uma sociedade mais pobre e mais desigual. Investir em concorrência livre e políticas públicas de combate à pobreza são o caminho para o desenvolvimento de um país. Em um cenário de níveis maiores ou menores de riqueza, a desigualdade não é um problema.


[1] Leibenstein, H.: Allocative Efficiency vs. “X-Efficiency”. The American Economic Review. Vol. 56, No. 3 (Jun., 1966).

[2] Isso decorre do fato que mais qualidade ou variedade aumenta a satisfação do consumidor. Isso induz ao consumidor estar mais disposto a pagar pelo bem ou serviço com maior qualidade ou variedade, o que é equivalente a dizer que as curvas de demanda individuais deslocam para cima.

[3] Aghion,P. e Griffth,R.: “Competition and Growth: Reconciling Theory and Evidence”. THE MIT Press, 2005.

[4] Ver também para mais discussões sobre esta relação na resenha de Kamien, M. e Schwartz, N.: “Market Structure and Innovation: A survey. Journal of Economic Literature. Vol. 13, No. 1 (Mar., 1975).

[5] ZINGALES, Luigi. Um capitalismo para o povo: reencontrando a chave da prosperidade americana. São Paulo: BEI Comunicação, 2015.

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