O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou dar um ar de rotina ao recuo que foi forçado a fazer na medida que cobrava IOF de 3,5% para remessas de fundos de investimentos ao exterior. A estratégia, porém, não evita o estrago econômico, em termos de credibilidade dele junto ao mercado financeiro, nem o político, especialmente no governo, que a situação implica.
Ainda que o impacto arrecadatório da medida dos fundos seja relativamente pequeno, cerca de R$ 2 bilhões, o fato é que ela vai ensejar necessidade de mais contingenciamento e/ou alguma alternativa arrecadatória. Se o governo já foi além do que se esperava no corte de R$ 31,5 bilhões, Haddad está impondo a Lula subir essa conta e o sacrifício de ministérios e possivelmente dos parlamentares, que terão seus orçamentos reduzidos no fim do mês.
A trapalhada com a taxação de remessas de fundos, mesmo com o recuo, deixa o mercado ainda mais desconfiado. Ficou claro que esse tipo de medida está no cardápio da política econômica – aliás, já havia sido cogitada anteriormente, segundo o JOTA apurou. Seja como opção fiscal, seja como ferramenta cambial, o governo mostrou que a opção está lá.
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Haddad disse que desfez a iniciativa para evitar “especulações” e leituras equivocadas, mas nesse caso elas não surgiram do nada. Foram provocadas por uma postura ensimesmada da Fazenda, que na ânsia de evitar vazamentos, não conversou sequer com o responsável pela política cambial, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo – como Haddad mesmo admitiu. É óbvio que uma medida dessas não pode vazar, mas isso não pode significar deixar de ouvir no governo quem pode contribuir para evitar um passo tão mal dado.
O filho favorito de Lula conseguiu transformar uma vitória política retumbante nas negociações intra governo em torno do corte de gastos em uma derrota. E só alimentou as dúvidas crescentes sobre até onde o governo vai. A não ser que maquiavelicamente ele tenha feito isso para desviar o foco da tesourada nos ministérios, o que não parece o caso, o passo dado custou caro não só na taxa de câmbio que a Fazenda queria valorizar (cerca de R$ 0,10 ontem), mas também postergou os efeitos positivos que a tesourada no orçamento poderia ter sobre as expectativas do mercado e sobre, claro, a postura do BC nos próximos meses.
Corre o risco de o governo ser forçado a mais recuos. A alta do IOF sobre crédito, ainda que na mesma direção de uma política monetária apertada, a taxação da previdência complementar e a alta do IOF da classe média/alta que usava cartões de pagamento no exterior já estão sendo alvos de críticas de empresários e analistas.
Como precisa desse dinheiro, Haddad vai lutar por elas e tem argumentos para defendê-las, mas a alta de impostos vai dar uma contribuição importante para ampliar o mau humor com o governo, revelado nas pesquisas dos últimos meses. O “Taxad” já voltou às redes e com ele os impactos negativos para o governo, enquanto congressistas da oposição já falam em decreto legislativo para sustar a proposta, o que é algo bem raro e incomum de avançar, sobretudo em matéria tributária.
Haddad é incansável nas missões que se coloca, isso é fato. Um dos efeitos de toda essa agitação será ele reforçar a pressão sobre o Congresso e o STF para rever benefícios tributários, privilégios e distorções no lado do gasto, como algumas regras do BPC, como mencionado ontem por ele na entrevista coletiva. O trabalho de ajuste no lado da receita segue como peça fundamental de sua política econômica e o combo de medidas de ontem, mesmo após o recuo parcial, evidenciam que ele precisa de mais dinheiro. E logo.
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O risco que ele corre é ser cada vez menos ouvido, seja no Congresso, seja no Planalto. Nesse caso, a variável de ajuste, como já se começa a comentar no governo, poderá ser uma nova mexida nas metas fiscais deste e do próximo ano.
Fazer um corte de R$ 30 bilhões em um primeiro momento foi possível porque a tese é que isso poderá ser revertido, pelo menos em parte, ao longo do ano. Mas é difícil acreditar que esse torniquete será mantido até o fim de 2025, caso o Congresso não entregue o leilão de petróleo e outras medidas do lado da receita.