O cenário do comércio global está mudando e o Brasil, a maior economia da América Latina e um dos aliados hemisféricos mais antigos dos Estados Unidos, encontra-se em uma encruzilhada crítica. Navegar pelo efeito cascata das tarifas de Donald Trump não é tarefa simples.
O que começou como uma iniciativa para proteger as indústrias americanas agora está redesenhando o mapa do comércio mundial, apresentando ao Brasil desafios econômicos e políticos imediatos — e uma oportunidade inédita de redefinir suas alianças globais.
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A recente imposição de uma tarifa de 10% sobre as importações brasileiras, juntamente com uma tarifa ainda mais alta de 25% sobre o aço, pressiona setores-chave da economia do país. Contudo, em meio a esses riscos, surgem novas oportunidades para o Brasil aprofundar relações com outros parceiros globais, especialmente com a China, seu maior parceiro comercial desde 2009.
À medida que Washington se volta para dentro, o Brasil precisa decidir se reforçará sua histórica aliança com os EUA ou se se voltará mais decisivamente para Pequim, cuja influência econômica na América Latina continua crescendo em setores como energia, infraestrutura e tecnologia.
Apesar de uma história centenária de cooperação diplomática, comercial e militar, os laços tradicionais do Brasil com os Estados Unidos não oferecem proteção contra o protecionismo. Com tarifas atingindo exportações estratégicas como aço, etanol e soja, o Brasil é lembrado de que até mesmo as alianças mais fortes podem se desgastar sob pressão. Ainda assim, essa disrupção pode servir como catalisador para o Brasil diversificar suas relações comerciais e reposicionar-se na economia global em transformação.
Apesar das tensões, os laços econômicos entre Brasil e EUA continuam substanciais. Apenas em 2024, o Brasil exportou US$ 40,3 bilhões em bens para os EUA, um aumento de 9,2% em relação ao ano anterior.
Entre os setores mais vulneráveis às tarifas de Trump está o aço: em 2023, as exportações brasileiras de aço para os EUA totalizaram US$ 6,9 bilhões, representando mais de um terço das exportações totais do setor. Apesar da exposição, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) projeta um impacto macroeconômico relativamente modesto, uma queda de apenas 0,01% no PIB e uma redução de 0,03% nas exportações totais.
Para complicar ainda mais, o aço chinês, também sob pressão tarifária dos EUA, está sendo redirecionado para outros mercados como o Sudeste Asiático, Oriente Médio e América Latina. Esse excesso de oferta provocou queda nos preços e intensificou a concorrência em regiões onde o aço brasileiro também disputa espaço.
A agropecuária, porém, conta uma história diferente, e de oportunidade em meio à disrupção. A agricultura representa 23,2% do PIB brasileiro, com a produção pecuária crescendo 12,48% em 2024. Enquanto tarifas retaliatórias afetaram importantes exportações agrícolas dos EUA como soja, milho e carne suína, setores que representam uma pequena fração do PIB americano, o Brasil, com maior dependência da agricultura, é mais sensível a disrupções comerciais.
Ao mesmo tempo, novas oportunidades estão surgindo. O agronegócio brasileiro, em especial, está bem posicionado para ganhar participação de mercado — inclusive nos próprios EUA. Tarifas mais altas sobre concorrentes podem tornar os produtos brasileiros mais competitivos no cenário global.
Soja e café despontam como os maiores beneficiários. Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o Brasil deve colher 169 milhões de toneladas métricas de soja até maio de 2025. A China, por sua vez, poderá importar até 90 milhões de toneladas dessa soja brasileira em 2025, um salto em relação aos 60 milhões em 2020. Com outros fornecedores limitados por tarifas, as exportações agrícolas brasileiras estão bem posicionadas para expandir. No final de abril de 2025, o governo chinês afirmou oficialmente, pela primeira vez, que a soja brasileira poderia substituir completamente os grãos dos EUA.
O café é outro setor que pode se beneficiar. Apesar de enfrentar uma tarifa de 10% nos EUA, o Brasil continua mais competitivo do que outros grandes fornecedores como Suíça e Vietnã, que enfrentam tarifas de 31% e 46%, respectivamente. Essa mudança pode fortalecer a posição do Brasil no comércio global de café, mesmo diante das novas barreiras comerciais.
Olhando para frente, especialistas sugerem que o superávit comercial do Brasil pode crescer ainda mais nos próximos anos. Além das colheitas maiores, a demanda global crescente, especialmente da China, por soja, milho e carne tradicionalmente fornecidos pelos EUA poderá se voltar cada vez mais ao Brasil. A mesma dinâmica deve se aplicar a uma série de outras commodities importantes.
O setor de etanol também voltou ao foco. Em um discurso de 2025 sobre independência energética, o presidente Trump pediu o fim da isenção tarifária para o etanol brasileiro, alegando a necessidade de proteger os produtores de milho dos EUA.
O Brasil, segundo maior produtor mundial de etanol, exportou mais de 300 milhões de litros de etanol à base de cana-de-açúcar para os EUA em 2024, com valor aproximado de US$ 200 milhões. Vale destacar que o etanol de cana emite 61% menos gases de efeito estufa do que a gasolina, destacando sua importância na transição para fontes de energia mais limpas.
Internamente, o Brasil está se preparando para responder de forma estratégica. O presidente Lula tem adotado uma diplomacia cautelosa, mas não descartou medidas de retaliação. A recém-aprovada Lei de Reciprocidade Comercial dá ao Brasil os instrumentos legais para responder simetricamente a tarifas punitivas. Ao mesmo tempo, o país está intensificando seus esforços para diversificar parcerias comerciais.
Novos acordos com a União Europeia, engajamento com os Brics e laços comerciais mais profundos com Índia e África do Sul refletem esse esforço. Um exemplo notável dessa estratégia mais ampla é o acordo comercial entre UE e Mercosul, finalizado no fim de dezembro de 2024 e atualmente aguardando ratificação formal. Para o Brasil, o acordo representa uma oportunidade de ampliar o acesso ao mercado europeu, eliminar tarifas e barreiras comerciais e aumentar sua presença no comércio internacional.
Além dos acordos comerciais, as vantagens naturais e geográficas do Brasil o posicionam favoravelmente na economia global em transformação. Com vastas reservas de minerais críticos como nióbio, bauxita e lítio, além de ser o segundo maior produtor mundial de minério de ferro, o Brasil está pronto para liderar em um mundo cada vez mais focado na resiliência das cadeias produtivas e na sustentabilidade.
As exportações de energia reforçam ainda mais a importância estratégica do Brasil. Em 2024, o país exportou cerca de 239 mil barris de petróleo cru por dia para os EUA, tornando os EUA o segundo maior destino do petróleo brasileiro, atrás apenas da China. Embora essas exportações tenham caído ligeiramente para menos de 200 mil bpd, as parcerias entre empresas americanas e a Petrobras no setor de energia offshore permanecem sólidas.
A expansão do Brasil em áreas como energia eólica offshore, hidrogênio verde e biocombustíveis está alinhada com os objetivos climáticos dos EUA, oferecendo raras oportunidades de cooperação apesar do aumento das tensões comerciais.
A sustentabilidade está emergindo como outro pilar fundamental da estratégia global do Brasil. Com uma matriz energética limpa, o Brasil está exclusivamente posicionado para liderar a economia verde global. O etanol à base de cana, que emite significativamente menos gases de efeito estufa do que o etanol de milho, simboliza esse potencial. Ao alinhar sua agenda comercial com princípios de governança ambiental, social e corporativa (ESG), o Brasil pode fortalecer alianças com a União Europeia, transformando liderança ambiental em vantagem econômica.
Importante destacar que, embora os impactos das tarifas dos EUA em setores específicos sejam significativos, a exposição econômica geral do Brasil é mais contida do que pode parecer à primeira vista. As exportações para os EUA representam cerca de 2% do PIB brasileiro e pouco mais de 12% das exportações totais. Embora os impactos setoriais sejam relevantes, as repercussões macroeconômicas podem ser mais gerenciáveis do que inicialmente se temia.
A longo prazo, a capacidade de adaptação do Brasil definirá seu papel na nova ordem global. Para empresas internacionais operando no país, essas dinâmicas reforçam a importância de navegar em um ambiente comercial em rápida transformação. Embora os interesses dos EUA e do Brasil permaneçam alinhados em muitos setores estratégicos, a crescente presença da China não pode ser ignorada.
Ao longo da última década, a China investiu pesadamente nos setores de energia, agricultura e infraestrutura do Brasil, incluindo a aquisição de participações significativas nos setores elétrico e petrolífero. Segundo um estudo da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), com base em dados do Banco Central, a China se tornou o oitavo maior investidor estrangeiro do Brasil, com US$ 37 bilhões investidos até junho de 2024, dos quais US$ 14 bilhões destinados ao setor de energia.
Empresas chinesas desempenham papel de liderança em setores que vão da transmissão de eletricidade à logística do agronegócio, garantindo não apenas participação de mercado, mas também controle de infraestrutura crítica.
Os Estados Unidos continuam sendo a maior fonte de investimento estrangeiro direto no Brasil, totalizando US$ 123,8 bilhões, e seguem liderando em setores-chave de serviços como transporte, consultoria e serviços jurídicos. No entanto, no que diz respeito ao comércio, a China ocupa o posto de principal parceira comercial do Brasil desde 2009. Em 2024, a China respondeu por 28,01% das exportações brasileiras, no valor de US$ 94,4 bilhões, enquanto as exportações dos EUA para o Brasil totalizaram US$ 40,3 bilhões, com foco principalmente em bens industriais.
Embora os Estados Unidos continuem sendo um parceiro vital, o cenário atual exige uma abordagem mais sofisticada. O Brasil precisa proteger seus interesses existentes, aproveitar novas oportunidades e diversificar suas alianças, tudo isso sem afastar parceiros estratégicos.
As tarifas de Trump, criadas para fortalecer a indústria americana, podem, inadvertidamente, acelerar a transformação do Brasil em uma potência mais autônoma e integrada globalmente. O próximo capítulo dependerá não apenas de como o Brasil defenderá seus interesses, mas de quão ousadamente decidirá agir, e com quem escolherá se alinhar.