A reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional 132/2023 transformará a tributação sobre o consumo no Brasil. A substituição do ICMS e do ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da contribuição ao PIS/Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) põe fim à clássica dicotomia entre bens e serviços, um dos elementos centrais da atual complexidade do sistema tributário nacional. A regra será a tributação uniforme de qualquer operação com bens, serviços ou direitos.
Esse novo cenário pode ter impactos significativos sobre estruturas de autoprodução de energia elétrica, como é o caso da autoprodução de energia elétrica por arrendamento. Essa estrutura é cada vez mais adotada por companhias que desejam reduzir seus custos com energia e, ao mesmo tempo, buscar maior previsibilidade e sustentabilidade em sua matriz energética.
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Na estrutura de autoprodução de energia elétrica por arrendamento, em vez de adquirir a energia diretamente do mercado – operação sujeita à incidência do ICMS, imposto estadual com alíquota elevada –, a companhia opta por celebrar contratos com empresas que disponibilizam, por meio de arrendamento, a estrutura necessária para que a própria contratante produza a energia que irá consumir.
Essa estrutura pode incluir, por exemplo, usinas solares, eólicas ou de biomassa, instaladas em propriedades de terceiros. A empresa arrendatária paga pelo uso da infraestrutura e, com o apoio técnico da prestadora do serviço, se torna autoprodutora da sua própria energia elétrica.
Até então, essa alternativa era não apenas tecnicamente viável, mas também mais vantajosa sob o ponto de vista tributário. Como o contrato é essencialmente de prestação de serviço (com apoio técnico, operação e manutenção da estrutura, por exemplo) a incidência recaía sobre o ISS, tributo municipal com carga tributária consideravelmente menor do que o ICMS.
Por isso, os contratos muitas vezes preveem cláusulas de revisão ou até mesmo distrato no caso de eventual entendimento da administração tributária que caracterize a operação como aquisição de energia (bem) em vez de serviço.
Há diversas razões, além da economia tributária, que justificam a adoção do modelo de autoprodução por arrendamento. Empresas buscam esse tipo de estrutura para obter maior controle sobre sua matriz energética, reduzir a exposição à volatilidade dos preços no mercado livre de energia, melhorar seus indicadores de sustentabilidade (ESG), e até mesmo para garantir a previsibilidade de fornecimento em regiões onde a rede elétrica é instável.
A busca por neutralidade de carbono e o alinhamento a metas ambientais também são fatores relevantes que têm impulsionado a adoção de fontes renováveis por meio de autoprodução.
Com a promulgação da reforma tributária, no entanto, o cenário muda significativamente. Com a unificação dos tributos sobre o consumo, tanto bens quanto serviços passarão a ser tributados de forma uniforme pelo IBS/CBS, sem distinção. Isso pode tornar economicamente menos atrativa a estrutura de autoprodução por arrendamento, na medida em que a economia decorrente da substituição do ICMS pelo ISS tende a desaparecer. A depender do desenho final da legislação infraconstitucional e da definição da base de cálculo e alíquotas efetivas do IBS e da CBS, esses contratos poderão se tornar mais onerosos.
É justamente por essa razão que muitas companhias deverão reavaliar seus contratos à luz do novo sistema. A EC 132 previu um longo período de transição, que começa em 2026 e se estende até 2033. Durante esse período, a CBS e o IBS serão implementados gradualmente, com redução progressiva dos tributos atuais (ICMS, ISS, PIS/Cofins).
A Lei Complementar 214/2025 prevê hipóteses de reequilíbrio contratual em contratos administrativos (arts. 373-377), que podem servir de parâmetro para relações entre entes privados.
Esse ponto é particularmente relevante para os contratos de autoprodução por arrendamento, que usualmente têm prazos longos e são altamente sensíveis a variações tributárias. A possibilidade de revisão contratual poderá ser fundamental para garantir a viabilidade econômica desses arranjos no novo cenário tributário.
Em resumo, a estrutura de autoprodução de energia elétrica por arrendamento, até aqui estimulada por diversos fatores, inclusive tributários, terá de ser reavaliada diante da reforma tributária. O fim da distinção entre bens e serviços altera a lógica econômica que sustentava parte do benefício da operação. Ainda assim, outras motivações estratégicas e ambientais poderão continuar justificando esse modelo de contratação. O que parece certo, porém, é que o novo sistema exigirá uma profunda adaptação dos contratos em vigor e dos modelos de negócio que hoje orbitam o setor de energia elétrica.