O curioso efeito da reforma do IR sobre portfólios de investimento

Em recente seminário no Instituto Insper, em São Paulo, o professor Luís Eduardo Schoueri (USP, ACSP e IBDT) expôs a seguinte situação, que aponta para consequência imprevista da proposta de reforma do imposto de renda (PL 1087/2025), caso venha a ser aprovada.

Considere dois investidores, Aldo e Bia, que gozam de elevadas rendas de aplicações financeiras, portanto são contribuintes potenciais do proposto IRPF-M (Imposto de Renda de Pessoa Física Mínimo) de 10%. A renda anual deles, antes de ser criado o IRPF-M, pode ser demonstrada como segue (em milhões de reais):

Rendimento atual (antes do IRPF-M)

Aldo

Bia

Dividendos

100,00

100,00

Juros de LCI

100,00

0,00

Juros de CDB

0,00

117,65

Rendimento bruto

200,00

217,65

IRRF

0,00

-17,65

IRPF-M

0,00

0,00

Rendimento líquido

200,00

200,00

Nota-se que ambos auferem dividendos de igual valor, mas as carteiras de renda fixa diferem. Aldo aplica em Letras de Crédito Imobiliário (LCI), cujos rendimentos são isentos do imposto de renda retido na fonte (IRRF) e na declaração de ajuste anual (IRPF).

Já Bia aplica em Certificados de Depósitos Bancários (CDB), que sofrem tributação do IRRF, em caráter definitivo (“exclusivamente na fonte”), suponhamos que à taxa de 15%. Ainda assim, o rendimento total anual, líquido de imposto, é o mesmo para Aldo e para Bia.

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Após a introdução do IRPF-M, a situação se altera. Os juros de LCI continuam livres de IRRF e IRPF-M e os dividendos passam a atrair o IRPF-M (art. 16-A introduzido pelo PL, §3º, IV) .

Os CDBs continuam a pagar IRRF e estão livres de IRPF-M, mas o IRRF pago escapa da categoria “devido exclusivamente na fonte” e passa a gerar crédito no cálculo do IRPF-M (§4º II e IV do citado art. 16-A). O quadro seguinte resume a situação.

Rendimento no regime IRPF-M

Aldo

Bia

Dividendos

100,00

100,00

Juros de LCI

100,00

0,00

Juros de CDB

0,00

117,65

Rendimento bruto

200,00

217,65

IRRF

0,00

-17,65

IRPF-M

-10,00

-4,12

Rendimento líquido

190,00

195,88

Nota-se que a introdução do IRPF-M desequilibra a posição relativa dos investidores, em desfavor de Aldo. A anomalia decorre do creditamento do IRRF pago sobre os juros de CDB, que afeta a valoração dos ativos e sua rentabilidade líquida.

O creditamento é certamente necessário para que a taxa do IRPF-M não exceda os 10% a que se propõe como carga máxima adicional. Mas em havendo crédito, altera-se o alinhamento das rentabilidades dos ativos financeiros, com consequências previsíveis. Até porque o crédito é de 15% no exemplo (poderia ser de até 22,5%) contra um imposto que tem por taxa máxima 10%, causando a redução do imposto sobre rendimentos não tributados na fonte.

Por exemplo, para evitar a penalidade implícita no carregar LCIs na sua carteira, Aldo poderia trocar seus papéis isentos por outros tributados, e sair lucrando no processo. Copiando a estratégia de Bia, Aldo se posicionaria como segue:

Planejamento tributário de Aldo

Aldo

Bia

Dividendos

100,00

100,00

Juros de LCI

0,00

0,00

Juros de CDB

117,65

117,65

Rendimento bruto

217,65

217,65

IRRF

-17,65

-17,65

IRPF-M

-4,12

-4,12

Rendimento líquido

195,88

195,88

É claro que a emergência do IRPF-M, ao alterar o tratamento tributário dos vários ativos, levaria a realinhamento de preços e remuneração dos ativos financeiros: os preços se ajustam. Mas não deixa de ser curioso o impacto desestimulador do IRPF-M sobre a demanda por ativos cuja absorção se buscava estimular.

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