Brasil na encruzilhada entre precarização e luta por melhores condições de vida

O Brasil encontra-se em um momento histórico e, nos próximos meses, deverá decidir para onde caminhará: se rumo a uma democracia mais inclusiva e menos exploradora da mão de obra trabalhadora ou se irá retroagir suas relações de trabalho a níveis pré-CLT naturalizando de vez a espoliação brutal da sua força de trabalho.

Isso está acontecendo, entre os diversos fatores que iremos tratar neste artigo, porque o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu em abril todos os processos do país que tratam sobre pejotização de trabalhadores e contratação de autônomos por empresas. A suspensão permanecerá válida até que o plenário da corte julgue o mérito do recurso (ARE 1532603).

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Em nota pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) manifestou preocupação com a possível decisão da corte favorável à pejotização destacando estudos dos economistas Nelson Marconi e Marco Capraro Brancher, da Fundação Getúlio Vargas. Segundo a nota, enquanto a arrecadação média gerada por um trabalhador celetista foi de cerca de R$ 25 mil em 2023, aquela oriunda de um PJ foi de aproximadamente R$ 1.600, o que significa que, se metade dos trabalhadores CLT se tornarem PJs, a perda de arrecadação anual poderia chegar a R$ 384 bilhões, cerca de 16,6% da arrecadação federal de 2023.

Segundo a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), a decisão seria incompatível com o art. 114 da Constituição, que estabelece as competências da Justiça do Trabalho. Além disso, a decisão representaria um passo perigoso rumo à precarização (ainda maior) das relações de trabalho.

Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Direito da USP, em parceria com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), revelou uma tendência conservadora do STF, que vem flexibilizando direitos sociais em favor da lógica do capital. Segundo o estudo, a Corte Suprema tem esvaziado a competência material da Justiça do Trabalho trazendo para si as decisões sobre relações trabalhistas.

Outro estudo da FGV (Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais) mostra que, das 841 decisões monocráticas de mérito proferidas pelos ministros do STF entre 1º de janeiro e 20 de agosto de 2023 sobre terceirização ou pejotização, 64% foram favoráveis ao reconhecimento dessa forma de contrato em detrimento da CLT.

A decisão do ministro Gilmar Mendes ocorre justamente em meio a um cenário de efervescência de reivindicações por mais direitos trabalhistas e pela melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores em todo o país. No dia 1º de Maio, Dia do Trabalho, ocorreram manifestações nas quais partidos, sindicatos e movimentos sociais, como o VAT (Vida Além do Trabalho), saíram às ruas pedindo a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1, que estabelece um dia de folga para cada seis trabalhados.

Dois dias antes, o iFood havia anunciado um reajuste de R$ 1 no valor mínimo por entrega para os entregadores da plataforma que usam carro ou moto e de R$ 0,50 para aqueles que utilizam bicicleta. O anúncio foi uma resposta ao movimento conhecido como Breque dos Apps, ocorrido entre 31 de março e 1º de abril, quando dezenas de milhares de motoristas de aplicativos paralisaram seus serviços pelo país pedindo melhores condições de trabalho às plataformas de delivery.

O reajuste do iFood foi considerado “patético” e “desrespeitoso” pelo Comando Nacional do Breque dos Apps – articulação de entregadores de 60 cidades que organizou a paralisação, que deu até o dia 1º de junho para a empresa atender integralmente todas as pautas da categoria. Em nota, a organização disse ainda que definiria uma data para uma nova paralisação.

Desde a reforma trabalhista (Lei 13.467/17) realizada pelo governo Michel Temer (MDB) em 2017 constata-se uma piora nas relações de trabalho no Brasil, que chegou a figurar entre os dez piores países do mundo para se trabalhar em 2022, segundo o Índice Global de Direitos, estudo anual realizado pela Confederação Sindical Internacional (CSI).

De acordo com o estudo, “desde a adoção da Lei 13.467/17, todo o sistema de negociação coletiva desmoronou no Brasil, com uma drástica diminuição de 45% no número de acordos coletivos concluídos”. Ao enfraquecer sindicatos, limitar o acesso à Justiça e permitir que os empregadores negociem sem os sindicatos, a reforma desequilibrou as relações de poder no mundo do trabalho em prol do patronato e aprofundou a desorganização do mercado laboral.

Ademais, nos últimos anos, o país tem vivido uma queda no salário médio de quem tem diploma universitário, que caiu quase 12% em 12 anos, indo de R$ 7.495 em 2012 para R$ 6.619 em 2024, já incluindo no cálculo a inflação do período, segundo dados do IBGE. Entre as razões de tal fenômeno estão a queda do “prêmio” da educação com o aumento de pessoas com ensino superior, mas também a precarização do trabalho e o aumento da informalidade entre os mais escolarizados.

Essa degradação do mundo do trabalho acaba alimentando o chamado “mito do empreendedorismo”, discurso ilusório que afirma que o sucesso é uma questão puramente individual e que todos poderão alcançar a ascensão social se empreenderem corretamente quando, na verdade, apenas uma diminuta parcela dos que empreendem no Brasil conseguem melhorar de vida.

Na direção contrária deste “mito” criado como “solução” para a deterioração das relações trabalhistas, uma pesquisa da FGV-Ibre de 2024 revelou que, sete anos após a reforma, que incentivou a informalidade do mercado de trabalho com a falsa promessa de criação de 6 milhões de empregos, 67,7% dos trabalhadores brasileiros autônomos desejam um emprego com carteira assinada. Ou seja, prevalece a preferência por empregos com salários dignos e direitos que garantam uma vida melhor a eles e suas famílias.

Diante dos fatos, estão claros os danos que a liberdade econômica sem freios causa à vida das pessoas e à própria economia do país. Ela não pode se sobrepor ao equilíbrio entre capital e trabalho e a pilares da justiça social referendados pelo Direito Trabalhista.

Retomando o raciocínio inicial, portanto, em um futuro próximo, o Brasil deverá definir que tipo de civilização quer ser: o paraíso da uberização, precarização e, consequentemente, um inferno para a maioria do seu povo; ou uma nação que cuida dos seus e proporciona relações trabalhistas saudáveis e qualidade de vida digna que permita aos seus cidadãos buscarem a felicidade.

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