4 perguntas e respostas sobre o afastamento de Ednaldo Rodrigues do comando da CBF

Por decisão da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Ednaldo Rodrigues foi novamente afastado da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) na última quinta-feira (15/5). Em dezembro do ano passado, o cartola já havia passado pela mesma situação, e a determinação vem na esteira de um processo que se arrasta há anos, chacoalhando a estabilidade jurídica da entidade que comanda o futebol nacional. A seguir, o JOTA responde a quatro perguntas-chave sobre o caso.

  1. Qual a origem do processo que resultou no afastamento?

Tudo começou com uma ação ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face da CBF, em 2017. O fundamento era um suposto descumprimento da Lei Pelé, a legislação que regula o desporto no país e que estabelece a organização de entidades de administração como a CBF. Os promotores alegaram que a entidade desrespeitou a lei ao realizar assembleia deliberativa para reforma do estatuto desconsiderando a convocação obrigatória dos representantes dos clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol.

A Justiça do Rio acompanhou esse entendimento e não apenas anulou as mudanças estatutárias feitas durante a reunião em questão, mas também as eleições para o comando da CBF, que seguiram essas novas regras. Para encerrar a ação civil pública, a CBF se comprometeu, em 2022, com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que estabeleceu a realização de uma nova eleição – a qual foi vencida por Ednaldo Rodrigues. No entanto, o TJRJ decidiu, em dezembro de 2023, afastá-lo do cargo por entender que o TAC feito com o Ministério Público não podia interferir em sua decisão anterior e, portanto, o pleito que havia eleito Ednaldo era inválido. 

No meio da disputa, o Partido Comunista do Brasil acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para fixar interpretação sobre a Lei Geral do Esporte e a Lei Pelé em torno da legitimidade do Ministério Público para intervir em assuntos das entidades desportivas sobre o fornecimento de produtos ou serviços e a segurança dos torcedores. A Ação Direta de Inconstitucional (ADI) 7580 não trata especificamente do caso de Ednaldo.

No entanto, no início do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, no âmbito da ADI, derrubou a decisão do TJRJ que tinha afastado Ednaldo Rodrigues do comando da CBF. O ministro seguiu as manifestações da Procuradoria Geral da União (PGR) e Advocacia Geral da União (AGU) no sentido de devolver o cargo a Rodrigues porque a Fifa não reconheceu o interventor apontado pelo TJRJ como representante legítimo da CBF. Assim, havia risco da seleção brasileira não conseguir inscrever jogadores da seleção brasileira no torneio qualificatório para os Jogos Olímpicos de Paris 2024.

Em fevereiro passado, Mendes homologou o acordo firmado entre a CBF, cinco dirigentes da entidade e a Federação Mineira de Futebol (FMF). Foi esse acordo que trouxe o novo afastamento do presidente: na decisão da última quinta, o desembargador Gabriel de Oliveira Zefiro entendeu que um dos signatários, conhecido como Coronel Nunes, não estaria em condições de expressar sua vontade, por tratar de um câncer no cérebro diagnosticado em 2018. Assim, para o magistrado “seus atos são guiados. Não emanam da sua vontade livre e consciente” e, portanto, há risco de sua assinatura ter sido falsificada, algo apontado pela deputada Daniela Carneiro (União Brasil-RJ) nos autos.

O processo tramita com o número 0186960-66.2017.8.19.0001.

  1. O que acontece agora?

Zefiro também determinou que o vice-presidente da CBF, Fernando Sarney, assumisse a entidade e convocasse novas eleições “o mais rápido possível”. O novo comandante da entidade é filho do ex-presidente da República, José Sarney, e dono do Grupo de Comunicação Mirante, conglomerado de mídia do Maranhão, e crítico do acordo homologado pelo STF. Ele é um dos vices da CBF desde 2004, durante a gestão de Ricardo Teixeira, presidente durante a Copa do Mundo de 2014, também conhecido pela sua influência na chamada Bancada da Bola no Congresso Nacional e por ter renunciado, em 2015, após envolvimento em diversas denúncias de corrupção. 

A indicação de seu nome como atual interventor também levantou questionamentos. A CBF não tem apenas um vice, mas sim oito, e, com Ednaldo, foram eleitos Ricardo Nonato Macedo de Lima, Reinaldo Rocha Carneiro Bastos, Gustavo Oliveira Vieira, Gustavo Dias Henrique, Ednailson Leite Rozenha, Antônio Roberto Góes da Silva, Leomar de Melo Quintanilha e Rubens Renato Angelotti para o cargo. 

O mesmo estatuto sob controvérsia, aprovado em 2022, estabelece vices vitalícios – o cargo exercido por Fernando Sarney. O desembargador escolheu Sarney como interventor, segundo a decisão, por ele estar há mais tempo no cargo. No entanto, sua nomeação pode ser judicialmente contestada, justamente por ele não ser um vice eleito e haver contestações sobre o próprio estatuto que estabelece o vice vitalício.

Já em relação a Ednaldo Rodrigues, ele já recorreu ao STF para tentar derrubar a decisão de Zefiro, dentro da ADI 7580. Na petição, a defesa de Rodrigues ainda pede que, caso não acolhida a pretensão principal desta petição, seja reconhecida “a ilegalidade da designação de Fernando Sarney como interventor da CBF. Segundo o documento, há “flagrante afronta ao estatuto da entidade” e, “em caso de vacância ou afastamento da presidência, seja observado o regramento estatutário vigente, com a assunção interina do cargo pelo diretor mais idoso, Sr. Hélio Menezes, até a realização da Assembleia Geral nos termos previstos”.

Outra frente que levanta atenção é a da Fifa. A entidade tem um histórico de suspender federações nacionais e/ou impor Comitês de Normalização sempre que detecta interferência governamental ou judicial que comprometa a autonomia das entidades filiadas — princípio determinado no art. 14 e no art. 19 de seus estatutos. 

Em 2014, por exemplo, a FIFA suspendeu a Federação Nigeriana após a Justiça local destituir a direção da entidade e nomear um comitê interino. A entidade também exigiu a reintegração da diretoria eleita e ameaçou banir o país de competições internacionais. Mais recentemente, em 2021, a federação de Seicheles foi suspensa após a Justiça do país invalidar eleições internas e nomear um novo presidente.

  1. Isso pode afetar a contratação de Carlo Ancelotti como técnico da Seleção Brasileira de Futebol?

A instabilidade na CBF já afetou a primeira tentativa de trazer o técnico para a Seleção. Quando Ednaldo Rodrigues foi afastado pela primeira vez do cargo em dezembro de 2023, e Ancelotti era técnico do Real Madrid, os contatos esfriaram. Na imprensa nacional e internacional, como Globo Esporte, ESPN e Gazzetta dello Sport, fontes indicaram que a confusão jurídica dificultava os entendimentos com Ancelotti. Havia inclusive especulações de que a CBF poderia buscar outro nome caso a situação institucional não fosse resolvida rapidamente.

Dessa vez, o afastamento ocorre depois que a contratação de Ancelotti já foi anunciada publicamente, o que torna a situação diferente. O contrato com o técnico nunca foi divulgado em sua integralidade, então é possível que haja cláusulas de rescisão em caso de mudança de comando, o que abriria margem para reavaliação de sua continuidade, tanto pela CBF quanto por Ancelotti.

No entanto, a nova gestão afirmou que não tem interesse em romper o contrato. Em nota oficial divulgada no site da CBF, Sarney destacou que serão adotadas as medidas administrativas e estatutárias necessárias ao cumprimento da decisão judicial, “preservando-se todas as atividades desportivas e contratos vigentes”.

Além disso, de acordo com o Diario As, da Espanha, Ancelotti teria recebido a informação de que os opositores aprovavam também a sua contratação. O treinador ainda teria dito que seu compromisso havia sido firmado com a entidade, e não com seu presidente.

  1. Quais são os impactos institucionais e regulatórios dessa crise para o futebol brasileiro?

Além da insegurança jurídica para a continuidade de projetos estratégicos, como a contratação de Carlo Ancelotti e a organização da Seleção para a Copa América, há o risco de sanções pela Fifa, a exemplo do que aconteceu em outros países. O episódio também marca mais uma mácula para a reputação da entidade, já marcada por escândalos de corrupção na última década.

Há também a possibilidade de repercussões contratuais entre a CBF e patrocinadores e parceiros comerciais. Muitos desses contratos contêm cláusulas de material adverse change (MAC), que permitem a revisão ou até a rescisão do vínculo em caso de eventos que afetem substancialmente a estrutura, a governança ou a reputação da entidade contratada.

Com o afastamento do presidente eleito e a nomeação de um interventor judicial, há um cenário de incerteza que pode ser interpretado como violação de condições essenciais à continuidade contratual. Isso expõe a CBF ao risco de litígios privados, perda de patrocínios e necessidade de renegociação de acordos comerciais.

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