Cautelaridade administrativa nas concessões e PPPs

Recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 7063/2017, que trata sobre a reforma na Lei das Concessões (Lei 8.987, de 1995) e das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.104, de 2004).

Dentre as várias alterações promovidas, destaca-se a disposição que altera a Lei Geral de Concessões e traz que, “reconhecida a ocorrência de evento que impacta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o poder concedente poderá, de ofício ou a requerimento, estabelecer medidas que assegurem, em caráter cautelar, a redução do impacto à concessão, até a apuração do valor a ser reequilibrado”.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Trata-se de uma significativa novidade em relação ao modelo legal anterior, que não dispunha acerca dessa possibilidade, o que acabava acarretando, por diversas vezes, em razão de uma demora excessiva na avaliação do pedido de reequilíbrio pelo concedente, uma perda imediata de receita, prejudicando, assim, o regular desenvolvimento do projeto a ser executado.

Essa nova medida trazida no PL possui a natureza jurídica de um provimento cautelar administrativo da espécie positiva.

Conforme já tivemos a oportunidade de expor, há determinados provimentos cautelares que trazem gravames ou restrições aos direitos dos administrados, ao passo que outras se destinam a assegurar seus direitos ou interesses. A primeira figura representaria as medidas cautelares administrativas negativas enquanto as segundas seriam as positivas.

Provimentos administrativos que determinam o bloqueio de bens do investigado, o afastamento cautelar de investigados em processos administrativos disciplinares ou a apreensão de mercadorias, por exemplo, seriam claros representantes de medidas cautelares administrativas negativas.

Já a concessão de efeito suspensivo a recursos administrativos interpostos pelos administrados ou os casos de medidas cautelares antecipatórias em prol dos cidadãos, encaixariam-se na categoria de provimentos cautelares positivos[1].

Destarte, a previsão da possibilidade de deferimento de cautelares, permitindo, em alguma medida, o reajuste provisório do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, como previsto no PL 7063, mostra-se uma providência que é, além de juridicamente possível, altamente desejável.

Embora o dispositivo tenha sido bastante sucinto sobre a medida, dois aspectos sobre sua conformação jurídica podem ser destacados: a) as medidas de natureza cautelar a serem adotadas são marcadas pelo aspecto da provisoriedade, típico dos provimentos acautelatórios. É com base na verossimilhança do desequilíbrio que se permite, provisoriamente, sem uma decisão meritória, realizar o reequilíbrio.

Somente ao final, após uma cognição exauriente, haverá ou não o efetivo reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; b) a disposição do PL confere a possibilidade de adoção de medidas cautelares atípicas, uma vez que não indica quais exatamente são as providências a serem adotadas. É possível, por exemplo, que haja um reajuste cautelar das tarifas cobradas pelo concessionário, devendo, contudo, ser prevista a possibilidade de compensação futura, de modo a manter o traço da cautelaridade da medida.

Apesar de as medidas cautelares administrativas de natureza positiva serem mais escassas no ordenamento jurídico brasileiro (o comum acaba sendo os provimentos negativos), essa novidade trazida pelo PL à Lei de Concessões não é algo disruptivo[2].

De fato, previsão bastante semelhante já consta da Lei Complementar 214, de 16 de janeiro de 2025 (regulamenta a reforma tributária), que previu que, ”nos termos da regulamentação, o reequilíbrio econômico-financeiro poderá, a critério da administração pública, ser implementado de forma provisória nos casos em que a contratada demonstrar relevante impacto financeiro na execução contratual decorrente da alteração na carga tributária efetiva, devendo a compensação econômica ser revista e ajustada por ocasião da decisão definitiva do pedido”.

Nota-se, nesse caso, que o legislador positivou a possibilidade do provimento acautelatório de natureza positiva (favorável ao particular[3]), deixando para a regulamentação tratar dos seus termos específicos. Além disso, trouxe ainda a possibilidade de compensação ulterior à decisão definitiva.

Além disso, no plano infralegal, seguindo a mesma linha de provimentos cautelares positivos, cita-se a Instrução Normativa 33, de 14 de novembro de 2024, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que estabelece procedimentos para a tutela do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovia e para a aplicação de medidas mitigadoras de desequilíbrios em contratos de concessão rodoviária sob gestão da ANTT.

Nessa Instrução Normativa há todo um regramento de provimentos administrativos acautelatórios positivos, citando-se a figura do Reequilíbrio Parcial de Natureza Cautelar, consistente em medida mitigadora destinada a evitar danos maiores ao equilíbrio contratual e à prestação dos serviços concedidos, aplicável quando há urgência e risco significativo à continuidade e qualidade dos serviços, e também o Reequilíbrio Parcial Baseado em Evidência, conceituado como medida mitigadora aplicada quando o direito ao reequilíbrio é incontroverso ou está em condições de reconhecimento imediato, mas a definição do valor de reequilíbrio requer procedimentos complexos e prolongados.

Ainda, em âmbito estadual, menciona-se a Resolução 19, de 31 de maio de 2023, da Secretaria de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo, que da mesma maneira previu como forma de mitigação de desequilíbrios a aplicação, a título cautelar, de medida que produza efeitos econômico-financeiros.

Verifica-se, portanto, que o uso de medidas cautelares administrativas nos últimos anos vem sendo previsto no âmbito de determinadas concessões e contratos administrativos. Assim, o conteúdo do PL 7063 dá mais um passo para o avanço da cautelaridade administrativa, demonstrando que as medidas provisionais não precisam só trazer restrições a direitos, sendo igualmente fundamentais instrumentos de garantia da própria manutenção regular das concessões de serviço público.


[1] CABRAL, Flávio Garcia. Medidas cautelares administrativas: regime jurídico da cautelaridade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p.27-28.

[2] A bem da verdade, já é possível a emissão de medidas cautelares administrativas positivas com base no artigo 45 da Lei nº 9.784, de 1999, que dispõe que em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.. Assim, essa modalidade de cautela administrativa permite a edição tanto de medidas cautelares positivas como negativas, já que os destinatários da norma, isto é, aqueles que podem sofrer o prejuízo, são tanto o administrado como também a própria Administração Pública e terceiros.

[3] É certo que quando se fala em um provimento positivo a favor do contratado também se apura que a medida é favorável ao próprio contrato de concessão. Ao se assegurar o equilíbrio econômico-financeiro de maneira provisória, está-se a proteger a própria concessão como um todo, e não somente o concessionário.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.