No último mês de abril, a 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, emitiu sentença que reconheceu o direito da atriz e cantora Larissa Manoela de encerrar um contrato de exclusividade assinado por seus pais com uma gravadora no ano de 2012, quando ela tinha apenas 11 anos e ainda era representada por seus genitores.[1]
Uma cláusula contratual exigia a anuência dos pais de Larissa para que a rescisão fosse considerada válida,[2] mas o juízo fluminense entendeu que a anuência era inteiramente dispensável, uma vez que Larissa é maior de idade e plenamente capaz à luz da legislação civil brasileira.[3]
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Em 2023, a atriz e cantora, conhecida do público desde os 4 anos de idade, concedeu uma entrevista ao programa Fantástico em que afirmou que estava abrindo mão de todo o patrimônio obtido ao longo de sua carreira por conta de uma disputa com os pais, que controlariam todos os seus recursos, a ponto de precisar pedir aos pais para fazerem pix até para “comprar um milho, um sorvete, um mate” na praia.[4]
A sentença proferida no Rio de Janeiro determinou, ainda, (a) a proibição do uso da imagem da artista pela gravadora, sob pena de multa de R$ 15 mil por infração e multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento; e (b) a entrega das senhas e acessos utilizados para gerenciar os canais da atriz no YouTube e Spotify, sob multa de R$ 5 mil.[5]
Um pedido de indenização formulado por Larissa Manoela foi, todavia, rejeitado. Seus advogados enxergavam uma situação de abuso, uma vez que “Larissa jamais teve acesso a relatórios financeiros e nunca recebeu valores provenientes deste contrato (…) que hoje ficam totalmente restritas ao contratante, incluindo o acesso a todas essas mídias”.[6]
Inspirada, em parte, por esta disputa, a Câmara dos Deputados aprovou, em 25 de março de 2025, o PL 3914/2023, que tipifica o crime de “violência patrimonial” contra crianças e adolescentes. A proposta, que já vem sendo denominada de Lei Larissa Manoela, está atualmente em análise no Senado e, caso aprovada, alterará a redação do Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer penas de seis meses a dois anos de detenção, além de multa, para quem “praticar ato que vise obter vantagem econômica em prejuízo de criança ou adolescente, aproveitando-se de sua deficiência de julgamento e experiência, que configure dano a seus bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades enquanto pessoa em desenvolvimento” (artigo 244-C).[7]
Além disso, o referido PL prevê a restrição de acesso aos recursos financeiros dos dependentes, constituição de reserva especial de parcela de tais recursos para preservar seu patrimônio e a realização de auditoria periódica nas contas, bens e investimentos relacionados aos recursos financeiros dos menores de idade.[8]
O mesmo projeto ainda sugere alterações no Código Civil, ampliando a restrição para alienação de bens de incapazes, incluindo quotas e participações em sociedades empresárias. A iniciativa reforça o dever dos pais de preservar o patrimônio dos filhos e prestar contas sobre o uso de recursos obtidos por meio de atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes, como atuação artística, prática profissional de esportes e produção de conteúdo digital.
Outra medida de inspiração semelhante já havia sido debatida, em junho de 2024, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, que aprovou, na ocasião, um PL que prevê o aumento em um terço da pena em caso de crime de abuso de incapazes quando praticado por pais, avós ou responsáveis legais.[9] O texto em questão ainda será submetido à votação no plenário da Câmara e, se aprovado, será encaminhado ao Senado para apreciação final.
Em resumo, diferentes iniciativas vêm convergindo para oferecer instrumentos jurídicos mais eficientes para a proteção das crianças e dos adolescentes, inclusive no campo econômico. Tal movimento está em plena consonância com a revisão crítica promovida por vários civilistas em relação ao regime de incapacidades, que não pode se manter restrito à velha dicotomia capaz-incapaz.[10] O reconhecimento de uma autonomia progressiva dos menores de idade faz-se tão urgente quanto necessário.
[1] “Contrato de exclusividade assinado pelos pais de Larissa Manoela é anulado pela Justiça” (G1, 16.4.2025).
[2] “Larissa Manoela consegue decisão na Justiça para anular contrato vitalício feito por seus pais com gravadora” (O Globo, 16.4.2025).
[3] “Justiça anula contrato vitalício feito por pais de Larissa Manoela com gravadora” (Terra, 16.4.2025).
[4] “Inspiração pra lei: relembre o caso envolvendo Larissa Manoela e os pais” (CNN, 26.3.2025).
[5] “Larissa Manoela consegue na Justiça extinção de contrato com gravadora feito pelos pais” (Uol, 17.4.2025).
[6] “Larissa Manoela ganha direito de extinguir contrato com gravadora feito pelos pais; entenda briga da atriz na Justiça” (O Globo, 17.4.2025).
[7] Para mais detalhes, ver “Câmara aprova projeto que pune exploração financeira de crianças” (Congresso em foco, 25.3.2025).
[8] O texto integral do PL está disponível no portal da Câmara dos Deputados.
[9] Projeto de Lei 122/2024: “Art. 1º Esta Lei altera o art. 173 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer uma causa de aumento de pena no crime de abuso de incapazes quando cometido por ascendente ou responsável legal da vítima, prevalecendo-se dessa condição.” (disponível no portal da Câmara dos Deputados).
[10] Para mais detalhes, ver Ana Luiza Nevares e Anderson Schreiber, Do sujeito à pessoa: uma análise da incapacidade civil in Gustavo Tepedino, Ana Carolina Brochado Teixeira e Vitor Almeida [coords], O direito civil ente o sujeito e a pessoa: estudos em homenagem ao professor Stefano Rodotà, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016. p. 55.