O fenômeno do apagão das canetas e o direito preventivo em tempos contemporâneos

A Administração Pública brasileira vem enfrentando um cenário de crescente complexidade, marcado por exigências de maior transparência, eficiência e responsabilização.

Nesse contexto, surge com força notável o fenômeno conhecido como “apagão das canetas”, expressão utilizada para descrever a paralisia decisória de agentes públicos diante do receio de responsabilizações futuras, especialmente por parte dos órgãos de controle, situação essa que passa longe de ser meramente simbólica, pois reflete uma crise estrutural no processo decisório da gestão pública, afetando diretamente a execução de políticas públicas e a eficiência administrativa.

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A intensificação desse fenômeno está relacionada, em grande medida, à atuação rigorosa — e por vezes desproporcional — dos órgãos de controle, o que tem gerado um ambiente de insegurança e temor constante por parte de diversos gestores da máquina pública.

Com esse panorama, a advocacia pública assume papel central, tanto na defesa jurídica do Estado, quanto na promoção de práticas legítimas e seguras. No entanto, os desafios enfrentados são múltiplos, exigindo um reposicionamento que vai além da atuação reativa, passando a exigir a adoção de posturas preventivas e indutivas na construção de soluções jurídicas.

Nesse escopo, é notória a inter-relação entre o “apagão das canetas”, os formatos contemporâneos de atuação da advocacia pública e a aplicação do direito preventivo como instrumento capaz de mitigar a insegurança decisória no setor público. O direito preventivo, enquanto abordagem jurídica voltada à antecipação e prevenção de litígios e disfunções administrativas, contribui para fortalecer a governabilidade e promover maior segurança e autonomia decisória aos gestores públicos.

O papel estratégico da advocacia pública e da aplicação do direito preventivo em um contexto de elevada complexidade institucional é importante para fomentar o debate sobre o aprimoramento do Estado e indicar caminhos para o amadurecimento de uma cultura jurídica mais segura, proativa e orientada a resultados legítimos.

O chamado “apagão das canetas” refere-se, de maneira sucinta, à paralisação dos agentes públicos diante da responsabilidade de gerir o Estado, motivada pelo receio de sanções decorrentes de um controle excessivo por parte dos órgãos fiscalizadores.

Esse fenômeno tem contribuído para uma perspectiva de ineficiência na condução da Administração Pública e há uma crescente atenção da doutrina a esse tema, que reflete a preocupação com os impactos práticos dessa inércia, cujas causas, em linhas gerais, incluem aspectos diversos, desde a aversão ao risco e a análise do comportamento humano, entre outros elementos explicativos.

Assim, as expressões “asfixia burocrática” e “apagão das canetas” designam uma paralisia na atuação de gestores públicos provocada por uma atuação excessiva dos órgãos de controle. Em outras palavras, a inércia acaba prevalecendo sobre possíveis decisões que exigem justificativas robustas, mesmo que tomadas de forma consciente e fundamentada, por medo e receio.

Pesquisas e estudos apontam que há um crescimento significativo de decisões condenatórias emitidas por órgãos de controle, sendo que dessas decisões as sanções têm se tornado progressivamente mais rigorosas e desproporcionais, cenário esse que contribui e resulta no mencionado fenômeno do “apagão das canetas”, ou “direito administrativo do medo”.

O controle externo, por sua vez, quando é exercido de maneira exacerbada e disfuncional, gera uma tendência de provocar receio, circunstância em que o servidor público passa a priorizar sua própria proteção, adotando condutas excessivamente cautelosas, estritamente legalistas e marcadas pela burocracia exacerbada, com o intuito de evitar questionamentos futuros, se afastando das ideias e práticas de inovação, proatividade e eficiência.

Portanto, superar esse cenário demanda não apenas ajustes normativos, mas também uma mudança de cultura institucional que valorize o direito como instrumento de prevenção, orientação, e não apenas de punição.

A advocacia pública, com sua atuação transversal e eclética, perpassa e impacta em todas as funções do Estado e, ao passo que tais funções se expandem, sua atuação se revela ainda mais imprescindível para assegurar o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito.

É de sabença geral que toda a atuação do Estado se dá dentro dos limites do direito. Mesmo quando as normas legais não engessam a Administração, permitindo-lhe exercer suas faculdades discricionárias, busca-se sempre a atuação justa, que é a aspiração constante da sociedade para a execução de qualquer tarefa pelo Estado.

A principal atribuição da advocacia pública, enquanto órgão responsável pela representação, consultoria e assessoramento jurídico do Estado, consiste em alinhar a formulação e a execução das políticas públicas às normas do ordenamento jurídico vigente, revelando-se, portanto, uma atividade com natureza também de controle que assume papel essencial para garantir a regularidade e a legitimidade dos procedimentos administrativos envolvidos.

No Brasil, conforme preleciona a doutrina temática, a advocacia pública ocupa uma posição privilegiada de proximidade dos fatos, que envolve tanto a atuação do Poder Público quanto as demandas dos cidadãos, atuando como elo entre a o Estado e a sociedade.

A adoção de políticas voltadas ao combate à corrupção é, sem dúvida, essencial e deve ser incentivada, todavia, é igualmente importante analisar os efeitos colaterais indesejados que tais medidas podem gerar na atuação administrativa do Estado quando processadas ou impostas com viés descomedido.

Com isso, percebe-se que a advocacia pública é imprescindível no processo de adequação das políticas públicas ao ordenamento jurídico.

Sob esses influxos, a crescente intensificação dos mecanismos de controle, especialmente por parte dos tribunais de contas e ministérios públicos, vem gerando um ambiente de paralisia decisória e, a advocacia pública, com seu papel preventivo, se apresenta como um ator estratégico, cuja atuação pode ser a chave para equilibrar o controle da legalidade e o combate à corrupção, com a necessidade de promover uma gestão pública proativa, segura e eficiente.

Seguindo esse raciocínio, o direito preventivo tem ganhado destaque no mundo jurídico e a atuação do advogado tem se voltado cada vez mais para a otimização e gerenciamento de cenários para viabilizar a prevenção de problemas.

Assim, antes a intervenção do advogado era geralmente desencadeada após o início de um processo judicial, todavia, atualmente, seu papel se expandiu e se antigamente o advogado se posicionava como um defensor implacável da causa de seu cliente, agora ele é, em grande parte, um conciliador de interesses e um mediador de complexidades, de modo que o direito preventivo surge justamente dessa perspectiva: quanto mais cedo o conflito for identificado, mais fácil será resolvê-lo, maximizando os benefícios para todas as partes envolvidas.

A advocacia pública se destaca nesse campo, pois pode ser proativa ao buscar prevenir conflitos e indicar caminhos mais eficientes para a Administração, o que a diferencia substancialmente da postura de entidades fiscalizadoras.

Frente à realidade atual, marcada por incertezas e lacunas tanto no âmbito estatal quanto legislativo, torna-se imprescindível adotar uma abordagem mais preventiva, que permita atuar em conformidade com o sistema jurídico, só que com maior agilidade e assertividade diante das novas complexidades sociais.

O direito preventivo, então, tem se consolidado como uma ferramenta relevante na atuação jurídica contemporânea, especialmente para a advocacia pública, permitindo a adoção de posturas flexíveis e inovadoras para enfrentar os desafios de um cenário marcado por riscos e incertezas, reafirmando a importância de uma atuação jurídica orientada pela prevenção e pela eficiência, criando caminhos hábeis para o enfrentamento do citado fenômeno do “apagão das canetas”.

Não é despiciendo, ainda, registrar que a doutrina especializada nos traz importantes alicerces para um direito preventivo de sucesso, tal como a implementação e o constante aprimoramento das técnicas de gerenciamento de projetos/processos de trabalho e a gestão de riscos jurídicos.

Mesmo sem formação específica em gestão de projetos, advogados frequentemente exercem funções típicas dessa área, sendo responsáveis por resultados e pela coordenação de equipes, demonstrando que a integração progressiva de práticas gerenciais ao Direito representa uma tendência internacional, voltada à otimização da entrega de serviços jurídicos e à adaptação do campo jurídico às exigências contemporâneas de eficiência e eficácia.

Portanto, no Brasil, a abordagem preventiva da advocacia pública ainda carece de aprofundamento teórico e metodológico, contudo, o direito preventivo, ou também conhecido em algumas teorias e vertentes como direito proativo, surge como um singular vetor para essa articulação como o novo, por alinhar o direito a práticas de gestão e planejamento estratégico, de forma que a implementação e o constante aprimoramento dessas técnicas podem representar a superação de obstáculos hoje existentes na gestão pública do Brasil.

Em tempos contemporâneos, a conexão entre a advocacia pública, o fenômeno do “apagão das canetas” e o direito preventivo revela-se de suma importância para compreender os desafios e as possibilidades de fortalecimento da gestão pública.

Sob essa perspectiva, a advocacia pública assume um papel estratégico, não apenas como defensora dos interesses estatais, mas, sobretudo, como agente de orientação jurídica qualificada e preventiva.

Enfim, reforçar o protagonismo técnico e institucional da advocacia pública e fomentar a adoção de práticas preventivas são caminhos indispensáveis para enfrentar os efeitos do fenômeno conhecido como “apagão das canetas” e construir uma Administração Pública mais eficiente, segura e comprometida com resultados legítimos.

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