Mercado de carbono: os desafios da regulamentação até a COP30

O ano de 2024 foi o mais quente registrado na história e o primeiro ano cuja temperatura média superou o aumento de 1,5ºC[1]. No cenário global, o Brasil contribui com 3,1% do total das emissões do mundo, o que aumenta a pressão sobre seu compromisso de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Essa responsabilidade se intensifica neste ano, em que o país sediará a COP 30 e terá a atribuição de liderar as negociações que envolvem o mercado internacional de carbono, mecanismos de perdas e danos e adaptação climática.

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Até novembro, quando o encontro acontecerá, o desafio é relevante: o governo federal precisará regulamentar a Lei Federal 15.042/2024 que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), dando concretude ao mercado regulado de carbono no Brasil.

Funcionamento do SBCE

Em linhas gerais, pode-se definir o SBCE como mecanismo de comércio de emissões de GEE baseado na definição de limites máximos e na imposição de redução progressiva.

Trata-se de modalidade de mercado regulado de carbono ou sistema cap and trade, concebido para ser transitório, mediante a internalização dos custos dos impactos climáticos.

Diante da complexidade de um novo mercado – também regulado pelo preço, pela demanda e pela oferta – seus institutos precisam ser claramente definidos na norma de criação e na regulamentação, assim como os mecanismos de distribuição dos ativos que serão livremente comercializados.

Dentre tais ativos, o primeiro e mais importante consiste na Cota Brasileira de Emissões (CBE), que se trata da permissão para emitir, a ser distribuída para cada instalação sujeita ao sistema.

A regra para sua utilização é simples: cada empresa poderá emitir apenas dentro das cotas que lhe forem concedidas, sob pena de sanção. Caso não consiga, isto é, na hipótese de emissões superiores às cotas, haverá duas alternativas: aquisição de títulos de empresas que possuam excedentes ou compensação por ativos de redução de GEE – popularmente créditos.

Esses créditos são denominados no SBCE como Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), sendo a forma pela qual o operador poderá compensar as emissões que exceder em relação à cota que recebeu. Na prática, é a mesma ideia dos conhecidos créditos de carbono, mas com regras, natureza jurídica e validação própria no SBCE.

Somado a esses dois ativos, a lei também cuidou de conceituar o já referido crédito de carbono, termo que foi utilizado para designar apenas os certificados de redução no âmbito do mercado voluntário.

Interoperabilidade

Ainda no âmbito da regulamentação, um dos temas de maior preocupação versa sobre a compatibilização entre os mercados regulado e voluntário, e os respectivos riscos ao mecanismo voluntário que, em 2021, atingiu o valor recorde de R$ 2 bilhões[2].

Na lei são previstas diretrizes gerais sobre essa interoperabilidade, estabelecendo os requisitos para que os créditos de carbono, do mercado voluntário, possam ser comercializados no regulado.

Para isso, foram definidos critérios como (i) vedação da conversão em certificado do mercado regulado em créditos do mercado voluntário decorrentes de atividades de manutenção ou de manejo florestal sustentável, salvo mediante metodologia credenciada pelo SBCE; e (ii) garantia de titularidade originária dos créditos de carbono.

Comparando-se com o principal sistema cap and trade mundial – ETS Europeu -, o cenário torna-se ainda mais inseguro. Na União Europeia, o aproveitamento de créditos voluntários foi possível apenas na 3ª fase do sistema (entre 2013 e 2020), com restrição desde 2021. Atualmente, há apenas duas possibilidades de serem usados: (i) pelo setor aviação, no contexto do Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation (CORSIA) e; (ii) pelas indústrias de aço, cimento e outras intensivas em carbono, desde que no âmbito de projetos em andamento.

Afetados e envolvidos

O artigo 30 da lei prevê que estarão sujeitos ao SBCE os operadores responsáveis pelas instalações e pelas fontes que emitam acima de 10 mil tCO2e por ano, caso em que serão obrigados à apresentação de plano de monitoramento e relato de emissões e remoções de GEE.

Já os responsáveis pelas instalações ou fontes emissoras acima de 25 mil tCO2e por ano deverão enviar, além das obrigações do primeiro grupo, o relatório de conciliação periódica de obrigações, além do atendimento de outras obrigações previstas em norma.

Esse é o mesmo patamar utilizado no ETS UE, com a diferença que na Europa também houve delimitação setorial para aplicabilidade das regras, com abrangência que vem sendo ampliada em cada fase do sistema.

Para o sistema brasileiro, duas dúvidas primordiais ainda deverão ser resolvidas na regulamentação: se haverá definição de setores sujeitos às obrigações e sobre do conceito de “operadores”, “instalações” ou “fontes”. Na lei, a única exclusão foi em relação à atividade agropecuária e sobre a aplicação dos limites para as atividades de destinação final de resíduos que adotem sistemas para neutralizar tais emissões.

Além disso, não há outros detalhes, inclusive sobre como será a contabilização desses limites, tampouco a delimitação objetiva de “instalações” e “fontes” – o que será determinante para que a aplicabilidade do sistema e os custos atrelados.

Governança

De acordo com a lei, a governança do SBCE será exercida em três instâncias principais, com natureza deliberativa, executiva e consultiva.

A esfera deliberativa será constituída exclusivamente pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), com atribuição de estabelecer as diretrizes, aprovar o planejamento do sistema (chamado Plano Nacional de Alocação), instituir grupos técnicos para fornecimento de subsídios e aprovar o plano anual de aplicação dos recursos, conforme prioridades estabelecidas na lei.

No âmbito executivo, as atribuições foram direcionadas ao chamado órgão gestor, que assumirá diversas competências de caráter normativo, regulatório, executivo, sancionatório e recursal.

Este tem sido mais um ponto de preocupação acerca da eficiência do SBCE, na medida em que um único órgão – cuja natureza, constituição e criação ainda não foram definidas – consolidará o núcleo de todo o sistema.

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Com a função consultiva, foram criados o Comitê Técnico Consultivo Permanente e a Câmara de Assuntos Regulatórios. Ainda não há clareza sobre a participação desse comitê, contribuição e oitiva pelo órgão gestor e pelo CIM.

Por ocasião da regulamentação, será essencial garantir estruturas de escuta ativa e participação efetiva, em especial de forma setorial, organizada, para que a consulta aos órgãos não seja eminentemente burocrática e sem efetiva coparticipação na construção das principais bases do sistema.

Conclusão

O SBCE instituiu no Brasil um novo sistema jurídico, um novo mercado, que demandará aprendizado e esforço do governo e toda sociedade. O desafio de regulamentação é enorme, assim como a emergência no enfrentamento da questão climática para a transição de baixo carbono e para que, no futuro, o Brasil seja reconhecido não apenas pela Amazônia ou suas belezas naturais, como também pela eficiência climática e pelos resultados alcançados na mitigação das emissões.


[1] Disponível em: https://www.oc.eco.br/dados-de-novembro-confirmam-expectativa-de-2024-como-o-ano-mais-quente/. Acesso em 21.mar.2025

[2] Disponível em: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-sustentabilidade/noticia/2024/10/31/mercado-voluntario-de-carbono-se-recupera-apos-escandalo-de-fraudes.ghtml. Acesso em 21.abril.2025

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