Nos dias atuais, nada se tornou tão discutido e debatido como o tema da transição justa e seus reflexos na vida socioeconômica. Se por um lado, é difícil estimar a quantidade de eventos incidentes sobre o tema; por outro, é fácil identificar que os desafios jurídicos são elementos comuns de quase todas as discussões. A rigor, a caminhada é longa em termos de superação das dificuldades regulatórias em pauta.
Não obstante a polissemia conceitual, para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), falar de transição justa demanda pensarmos incorporação dos vetores justiça e direitos humanos em linha com a promoção de economias ambientalmente sustentáveis, de forma que sejam justas e inclusivas para todos os envolvidos.
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No âmbito acadêmico (por exemplo, Just Transition Research Collaborative), os entendimentos sobre a transição justa tendem a variar em função de como as estruturas de governança, instituições e políticas devem ser moldadas ou estabelecidas; para quem a justiça deve ser direcionada; o tipo de justiça visada (por exemplo, ambiental, climática, energética) e o veículo por meio do qual ela se materializa (justiça procedimental, distributiva, restaurativa e/ou de reconhecimento).
Precisamente, a partir de estudos em torno dos riscos das mudanças climáticas na vida coletiva, a temática passou a ser encarada com rigor nos debates climáticos internacionais e paulatinamente incorporada no seio das negociações climáticas das Nações Unidas e das discussões sobre o desenvolvimento sustentável.
Respondendo o setor energético por cerca de 73% das emissões globais de gases de efeito estufa, não tardou para que o tema fosse enfrentado sobre o rigor da imperiosa necessidade de transição energética para o futuro das nações .
A transição energética é um dos principais instrumentos de mitigação dos efeitos deletérios das mudanças climáticas. É preciso adequar as estruturas de produção e de consumo de energia, substituindo paulatinamente as fontes fósseis, para um novo padrão de baixa emissão de carbono, por meio da utilização de energias renováveis nos ciclos produtivos.
O desafio é reduzir as emissões de carbono, abandonando as malsinadas e tradicionais práticas nocivas no processo produtivo, ao mesmo tempo que é inegável a demanda crescente mundial por energia.
Não se trata de uma tarefa fácil ou simplesmente que pode ser realizada da noite para o dia. Conforme lembram Parada e Pimentel, no Brasil, ainda predomina na matriz energética brasileira o consumo de petróleo e seus derivados. Embora a matriz elétrica seja composta de 83% de fontes renováveis (especialmente hidráulica, bioenergia, solar e eólica), ela representa menos de 20% do total da matriz energética.
Um correto planejamento energético, tendo o Estado como indutor da transição, é o melhor caminho prospectivo de expansão dos recursos renováveis e menor dependência da hidroeletricidade, cada vez mais suscetível às instabilidades climáticas.
Desse particular ponto de reflexão, diversos cenários fáticos são prospectados nos fóruns internacionais, particularmente no que se refere às políticas públicas e regulações que norteiem o mercado, trazendo segurança jurídica para novos investimentos.
Outro ponto de grande relevância é a imperiosa necessidade de revisitar os programas e incentivos fiscais que favoreçam a indústria fóssil, eis que o intuito é não dificultar o desenvolvimento das novas tecnologias limpas. O hidrogênio verde (H2V), na leitura de Parada e Pimentel, é uma das apostas atuais para a nova bioeconomia.
O componente encontra condições ideais para a sua produção no Brasil, em vista da ampliação das novas fontes renováveis, que permitem utilizar o aproveitamento elétrico para separar o hidrogênio da água em um processo chamado eletrólise. São muitas vertentes que se descortinam e refletem grandes oportunidades ao processo de tomada de decisão para a reformulação da política energética no país.
Ao que se vê, o Brasil ostenta boas condições para fazer parte da economia de baixo carbono. Contudo, o mesmo não se pode dizer em termos dos obstáculos jurídicos, sobretudo de natureza regulatória, que dificultam a transição célere para um futuro mais sustentável.
As políticas energéticas se desenrolam por meio de uma governança pautada pela multiplicidade de interesses complexos e uma miríade de atos normativos infralegais. A pluralidade normativa, incluindo-se normas contraditórias, incompletas e obscuras, dificulta os investimentos e a obtenção de licenciamento ambiental para os novos negócios. Como exemplo de inadequação, citam-se as discrepâncias nas políticas para o biodiesel.
Para Baldwin, Cave e Lodge, a regulação deve ser responsiva no intuito de evitar regulamentação excessiva, com reflexos nocivos para o desempenho econômico, como o atraso de liberdades gerenciais e a criação de barreiras à livre concorrência, é um dos principais desafios a superar em termos de regulação eficiente e promissora.
Esse complexo de fatores revela maiores tensões, relativamente quando há distanciamento entre produção normativa e realidade. A esse respeito, Parada e Pimentel lembram que há ênfase normativa nos estados do Sudeste e do Nordeste e baixíssima expressão no Norte do país – localidade que concentra grandes hidrelétricas.
Por outro lado, os vetores da justiça e direitos humanos rigorosamente devem ser ponderados nas decisões regulatórias, a exemplo da compensação de perdas decorrentes da redução da indústria fóssil. Parada e Sampaio advertem que, no Brasil, este segmento emprega aproximadamente 1,6 milhões de pessoas. A redução brusca poderá simplesmente aprofundar situações de vulnerabilidade.
A relação dos novos players do setor com o meio ambiente é outro dado de reflexão não menos importante. A construção de biorrefinarias, parques eólicos ou solares não devem vir dissociados de contrapartidas aos impactos socioambientais.
Sem a pretensão de esgotar a pauta dos desafios regulatórios, há que se contar com consistente estrutura regulatória que permita que o mercado encontre um ambiente de negócios confiável, com menos fragmentação.
O planejamento estratégico deve ser revisto e reconstruído por todas as hélices do sistema, pautando-se na modernização das políticas públicas e fomento de novas tecnologias limpas na matriz energética, reforçando acima de tudo os direitos e obrigações socioambientais em questão.
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