No início de abril, o Tribunal de Contas da União (TCU) recebeu duas representações sobre a compra do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), uma apresentada pelo Ministério Público junto ao TCU e a outra por deputados federais do Partido Liberal.
Ambas descrevem o mesmo cenário: o Banco Central teria sido negligente na fiscalização do Banco Master, colocando em risco a liquidez do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Diante disso, as representações pedem que o TCU apure eventuais responsabilidades e acompanhe as medidas que serão adotadas pela autarquia para assegurar a estabilidade do sistema financeiro.
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Na semana passada, os auditores do TCU emitiram pareceres preliminares. Por um lado, eles reconhecem que, por ora, não há indícios de irregularidades na atuação do BC. Por outro lado, os pareceres reforçam que o TCU tem competência para fiscalizar como o Banco Central exerce a supervisão prudencial sobre bancos privados. Com base nessa premissa, os auditores recomendaram a realização de auditoria abrangente sobre o tema, com ênfase nos riscos relacionados à emissão de certificados de depósitos bancários (CDBs) e seus impactos sobre o FGC.
É provável que o plenário do TCU aprove a proposta de auditoria. O que se pode esperar dela? O tribunal adotará uma postura deferente ao Banco Central ou será mais intervencionista?
A jurisprudência do TCU oferece algumas pistas. De 1998 até hoje, o tribunal iniciou 76 processos de auditoria em que o BC figurou como unidade jurisdicionada. Em nenhum deles o TCU proferiu decisão com impacto significativo sobre as atividades de supervisão bancária, como determinação para alterar normas ou anular procedimentos.
Em julgamento de representações e denúncias, o TCU também já teve a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Em 2020, por exemplo, o tribunal julgou processo sobre a atuação do Banco Central em operação de aumento de capital do Banco da Amazônia. No caso, o TCU não encontrou irregularidades.
Além disso, em seu voto, o ministro relator reforçou que, em matéria de regulação prudencial, é preciso valorizar a “discricionariedade técnica” do Banco Central (Acórdão 10.861/2020-2C). Outro exemplo é o caso da aquisição de parte do Banco Panamericano pela Caixa Econômica Federal, em que o tribunal também não identificou falhas do Banco Central (Acórdão 987/2020-P).
Esses precedentes indicam que o TCU adota postura geralmente deferente às escolhas técnicas do Banco Central. Nessa linha, o tribunal tenderá a emitir decisões mais contundentes – uma condenação de gestor público ou suspensão de um ato do Banco Central, por exemplo – apenas em hipóteses de ilegalidades evidentes.
Essa postura decisória é compatível com o delicado universo da supervisão bancária, repleto de riscos e informações imperfeitas. Não é à toa que, ao redor do mundo, os bancos centrais possuem boa dose de liberdade para lidar com crises bancárias, como demonstram os recentes episódios envolvendo o Credit Suisse (adquirido pelo UBS com apoio do Banco Central suíço) e o First Republic Bank (cujo colapso motivou medidas excepcionais do Federal Reserve).
Nesse cenário, a auditoria do TCU poderá contribuir para tornar mais transparente a venda do Banco Master e, eventualmente, revelar fragilidades das regras atuais do FGC. No entanto, salvo flagrante ilegalidade, é improvável que o tribunal interfira nas principais decisões a serem tomadas pelo Banco Central sobre o caso.