Defesa Civil: cidades ainda sofrem com alta rotatividade nas unidades

As imagens da devastação continuam presentes na memória de muita gente, em especial da população do Rio Grande do Sul. Há um ano, uma enchente histórica afetou 478 dos 497 municípios do estado. Além de 184 vidas perdidas e 25 desaparecidos, tudo teve de ser reconstruído do zero em muitos lugares.

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A catástrofe deixou traumas, mas também pôde servir de lição. “Prevenir”, “minimizar danos”, “estar melhor preparado” para enfrentar novos desastres naturais são alguns dos chavões que surgem após grandes tragédias. No Sul, não foi diferente.

Porém, dados inéditos, que ainda estão sendo coletados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, mostram que as defesas civis municipais ainda convivem com a falta crônica de pessoal capacitado e de força institucional para resposta aos desastres, além de desafios típicos do mundo digital.

A equipe do Projeto Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos (Cope), do Cemaden, mandou questionários aos 5.569 municípios para traçar um cenário dos principais desafios e analisar quais são os temas mais urgentes para reagir aos cada vez mais comuns eventos extremos.

Até o momento, cerca de 1.300 prefeituras já responderam ao questionário. De acordo com o coordenador do estudo, o pesquisador Victor Marchezini, uma amostragem suficiente para apontar as primeiras conclusões. A coleta termina em 1º de julho. A mais importante evidência, explica o pesquisador, é a alta rotatividade nos órgãos de Defesa Civil.

Os dados revelam que cerca de 40% dos trabalhadores têm menos de seis meses na função, percentual muito parecido com o verificado em uma pesquisa semelhante feita pelo Cemaden durante a pandemia (2020-2001), quando 36% estavam no cargo em período inferior a meio ano. Marchezini também chama a atenção para o expressivo volume de comissionados que atuam na Defesa Civil. Dos respondentes até agora, 37,63% são servidores efetivos com cargos em comissão e 21% são comissionados sem vínculo com a Administração.

“O resultado disso é que temos defesas civis mais frágeis. A alta rotatividade de servidores afeta a capacitação e influencia todos os outros parâmetros da pesquisa. Isso faz com que tenhamos estruturas com pessoas à frente que não sabem o que a Defesa Civil, o que deve ser feito e que não sabem como o sistema se articula”, explica o pesquisador, que defende a estruturação de unidades com servidores capacitados e concursados.

Orçamento próprio, fake news e o plano nacional

Por outro lado, os números revelam alguns avanços na comparação com a pesquisa anterior. Atualmente, 39% das defesas civis têm o seu próprio orçamento. Entre 2020 e 2021, o percentual era de 28%. Igualmente, reduziu o número de cidades que informaram não ter ao menos um computador para a Defesa Civil, que passou de 30% para 25% das prefeituras respondentes.

Para Victor Marchezini, é importante notar que 46% das defesas civis estão conectados diretamente aos gabinetes de prefeitas e prefeitos, o que pode ser visto de duas formas. “Se por um lado é bom por estar próximo ao prefeito, a troca de comando pode desestruturar todo o funcionamento da defesa civil e dar início a um novo ciclo de capacitação, que também envolve os estados”, explica o pesquisador.

Outro tema fundamental da pesquisa Cope é compreender de que forma as prefeituras se comunicam com a sociedade e o peso da desinformação na prevenção de desastres naturais. Hoje, o Cemaden já sabe que a proliferação de fake news impacta negativamente a atuação em cidades de RJ, SP e MG e SC. Os pesquisadores aguardam mais dados para mapear o tema em todas as regiões do país.

Além dos resultados da pesquisa do Cemadem, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec), formado por União, estados, municípios, além de entidades públicas e privadas, aguarda com ansiedade a publicação do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. O documento estava com a publicação prevista para ocorrer no segundo semestre de 2024, mas ainda não foi lançado.

O plano deve criar as diretrizes e estratégias de ação coordenada para reduzir riscos, o que é especialmente importante para os municípios menores e mais pobres, e é fundamental para que os estados também produzam os planos estaduais. Neste momento, o plano está em fase de revisão no Executivo e há expectativa entre técnicos do setor de que seja publicado em julho.

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