Os ministros da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornaram réus nesta terça-feira (6/5) sete acusados por tentativa de golpe de estado no Brasil em 2022. O grupo é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o responsável por disseminar desinformação – como acusações falsas de fraudes da urna eletrônica – e difamar pessoas contrárias à tentativa de golpe – como o comandante do Exército, general Freire Gomes, que se posicionou contrário à trama golpista.
Até o momento, o STF já tornou réus 21 dos 34 denunciados pela PGR, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e os generais Braga Netto e Augusto Heleno. Neste terça-feira, viraram réus Ailton Gonçalves Moraes Barros e Ângelo Martins Denicoli, majores da reserva do Exército; Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal; Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército; Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército; Marcelo Araújo Bormevet, agente da Polícia Federal; e Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.
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A denúncia foi aceita por unanimidade de votos na 1ª Turma, que é composta pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux , Alexandre de Moraes e Flávio Dino. Para os ministros, há elementos probatórios suficientes para o grupo virar réu. Contudo, os ministros destacaram que não haverá uma “solução única” para todos quando houver o julgamento do mérito.
O grupo vai responder pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.
O julgamento começou pela manhã com as sustentações orais da vice-procuradora da República (PGR) Cláudia Sampaio e dos advogados de defesa. Sampaio defendeu que os sete denunciados concorreram para que houvesse um golpe de estado de modo a manter Jair Bolsonaro no poder. “Não há como dizer que há excesso condenatório”, afirmou. “É indiscutível a participação golpe de estado”, complementou.
Os advogados tentaram minimizar a participação dos denunciados no plano golpista. Defenderam que seus clientes não foram capazes de influenciar a massa bolsonarista quando mandavam fake news em grupos ou faziam posts em redes sociais. “Um homem e um celular capaz teria a capacidade de influenciar uma massa na magnitude do 8 de janeiro?”, afirmou Leonardo Coelho Avelar, advogado do tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, acusado de propagar fake news em listas de transmissão de aplicativos de mensagens.
Os advogados também defenderam na tribuna que as pesquisas sobre opositores foram feitas em ambientes abertos e não em sistemas secretos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Também argumentaram que seus clientes não poderiam ser responsabilizados por atitudes de terceiros – planejar um golpe de estado.
“Do jeito que está, há uma tentativa penal objetiva feita por terceiros, o que é vedado pelos tratados, Código Penal”, afirmou Zoser Plata, advogado do militar Ângelo Denicoli. Em sua visão, não há conexão entre a desinformação e o plano de manutenção de poder de Bolsonaro. Denicoli é acusado pela PGR de difusão de fake news contra as urnas eletrônicas.
Produção de desinformação
À tarde, em resposta aos advogados, durante a leitura de seu voto, o relator, Alexandre de Moraes, argumentou que não é possível retirar a conduta de produção de desinformação e tirar do contexto geral da trama golpista.
Para Moraes, as trocas de mensagens não são simples “desabafos” entre amigos, mas sim ataques às urnas eletrônicas e pessoas contrárias ao golpe, como os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro, Baptista Junior.
Segundo Moraes, o inquérito das fake news e de milícias digitais já demonstrou que houve a montagem do gabinete do ódio com núcleo de produção, financiamento, político e difusão de notícias fraudulentas. E, na sua visão, no caso da tentativa de golpe de estado de 2022 usou-se a mesma forma de operação das milícias digitais, inclusive, com o uso da estrutura do estado, como a Abin Paralela, que investigava opositores de Bolsonaro para produzir dossiês.
De acordo com Moraes, o grupo criminoso fazia “lavagem de notícias fraudulentas” sobre as urnas eletrônicas, reverberando em redes sociais até repercutir na imprensa. O ministro lembrou que, durante as eleições de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chegou a multar o PL em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé ao requerer verificação extraordinária em urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno das eleições 2022.
Durante os debates, o ministro Flávio Dino lembrou que uma das principais discussões desse processo é a natureza das fake news como caminho de execução de um crime. Para ele, as fake news podem ser tão cruéis quanto explosivos e veneno, mesmo não tendo a mesma materialidade. “Fake news não é um desabafo entre amigos e pode conduzir a desastres de difícil reparação”.
Na sequência, sobre notícias falsas, a ministra Cármen Lúcia complementou “para mim, não é só um meio, mas um instrumento de que se vale para chegar ao fim. A mentira, é, muitas vezes, como um instrumento específico para uma finalidade”. E continuou: “Na verdade, é a mentira como commodity e não bem. Por isso, há quem ganhe, há quem faça. A mentira commodity para comprar a antidemocracia”.
Os ministros Cristiano Zanin e Luiz Fux também entenderam que os denunciados usaram a desinformação para influenciar o comportamento de pessoas visando um golpe de estado.
O próximo julgamento dos denunciados será no dia 20 de maio, em que será analisado o núcleo militar da trama golpista.