O termo ESG, sigla para environmental, social and governance, foi concebido como um instrumento eficaz de gestão de riscos e geração de valor sustentável no mundo corporativo. Criado a partir de métricas objetivas, exigências regulatórias e da crescente demanda por transparência, tornou-se, nas últimas duas décadas, uma linguagem comum entre empresas, investidores institucionais e organismos internacionais preocupados com a resiliência dos negócios em um mundo em crise climática, desigual e politicamente instável.
Em alguns círculos, no entanto, o ESG deixou de ser tratado como um conjunto de critérios técnicos para se tornar sinônimo de um projeto ideológico difuso, às vezes visto como uma extensão da chamada agenda woke, termo importado dos Estados Unidos para designar pautas identitárias relacionadas a questões de raça, gênero, sexualidade e justiça social.
Esse deslocamento semântico, ainda que parcialmente compreensível diante da sobreposição entre temas ambientais e sociais, começa a gerar efeitos colaterais indesejados: confusão conceitual, polarização política e uma crescente desconfiança sobre a real seriedade da agenda ESG.
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É preciso, portanto, separar o joio do trigo. E o primeiro passo é lembrar o que é — e também o que nunca foi — o ESG, sobretudo em nome da segurança jurídica, tantas vezes esquecida e relegada a segundo plano nos debates sobre o tema.
Em sua origem, ESG é um conjunto de critérios objetivos utilizados por investidores e gestores para avaliar a exposição de empresas a riscos não financeiros, com foco na sua capacidade de gerar valor no longo prazo. Trata-se de cuidar dos impactos ambientais, como emissões, uso de recursos, gestão climática; de temas sociais, como condições de trabalho, diversidade produtiva, respeito aos direitos humanos nas cadeias de suprimento; e de governança, integridade e transparência. Em resumo: um protocolo de inteligência estratégica e financeira empresarial.
Foi nesse espírito que o conceito ganhou relevância em organismos multilaterais, bancos centrais, seguradoras e fundos soberanos. Foi nessa base que grandes empresas passaram a adotar critérios ESG como diferencial de acesso a capital e proteção reputacional.
A crítica que aqui se faz não vai contra o avanço de pautas sociais, muito pelo contrário. Diversidade em conselhos, inclusão produtiva, combate ao trabalho análogo à escravidão: tudo isso é parte legítima da agenda ESG. Mas quando o ativismo performático, o tribunal das redes e a lógica do cancelamento substituem métricas, auditorias e relatórios, o ESG perde sua credibilidade. E, com isso, perde sua força transformadora. Em termos ainda mais sintéticos, perde seu propósito.
É o que alerta John Elkington, o criador da expressão triple bottom line, conceito que deu origem à ideia de que as empresas devem gerar valor não só econômico, mas também social e ambiental. Em artigo publicado na Harvard Business Review já em 25 de junho de 2018, Elkington propôs um “recall voluntário” da própria expressão, afirmando que ela havia sido mal interpretada ou aplicada superficialmente por muitas empresas, perdendo sua força original como ferramenta transformadora.
Embora o artigo não trate diretamente da agenda ESG, seu diagnóstico ajuda a compreender os riscos de esvaziamento conceitual quando compromissos estratégicos são substituídos por discursos genéricos ou de apelo simbólico. A confusão conceitual, infelizmente, já começa a produzir efeitos concretos. Nos Estados Unidos, diversos estados aprovaram leis “anti-ESG” que proíbem fundos públicos de adotar critérios ambientais ou sociais na escolha de investimentos. Em resposta, grandes gestoras passaram a modular sua linguagem para evitar atritos com governos locais.
O debate virou uma guerra de trincheiras: de um lado, ativistas que defendem a agenda ESG com entusiasmo legítimo, mas às vezes desconectado da lógica financeira e empresarial; de outro, políticos e formadores de opinião que, por cálculo ideológico ou eleitoral, rejeitam o ESG por completo, ignorando os riscos reais que as mudanças climáticas, a desigualdade e a má governança representam para a sustentabilidade dos negócios.
A tributação, ferramenta decisiva de indução de condutas e realocação de recursos, também precisa ser inserida nesse debate. Se o ESG é, de fato, uma ferramenta de mitigação de riscos e construção de valor sustentável, ele deve dialogar com os instrumentos econômicos e fiscais que moldam o comportamento empresarial.
A alocação de capital em projetos sustentáveis depende não apenas de boa vontade corporativa, mas de regras do jogo claras, o que inclui incentivos tributários bem desenhados, precificação adequada do carbono, isenções condicionadas à rastreabilidade de impacto e, sobretudo, coerência regulatória, com maior tributação para atividades intensivas em carbono.
A tributação, longe de ser um tema periférico, revela o grau real de comprometimento das empresas com a agenda ESG. A adoção de critérios ambientais sem revisar práticas tributárias regressivas, como a fruição de incentivos fiscais a atividades poluentes, compromete a coerência da governança e esvazia a dimensão e alcance da sigla.
Cada vez mais, investidores, órgãos reguladores e consumidores esperam que empresas que se declaram sustentáveis também sejam fiscalmente responsáveis, seguindo o mandamento constitucional de proteção ao meio-ambiente já previsto no artigo 225 da CF/88 e, também, em linha com a reforma tributária, que inseriu este princípio como elemento estruturante do Sistema Tributário Nacional.
Não por acaso, países e organismos multilaterais discutem hoje formas de integrar as políticas tributárias à agenda ESG. A taxonomia verde da União Europeia, os ajustes de fronteira sobre carbono, a eliminação de subsídios a combustíveis fósseis e os créditos fiscais para inovação limpa são apenas alguns exemplos. Não há nada de ideológico nesses debates: trata-se de alinhar incentivos econômicos aos objetivos ambientais e sociais de maneira técnica, previsível e mensurável.
Sem segurança jurídica e sem um sistema tributário alinhado com metas de sustentabilidade, o ESG se enfraquece como critério de investimento e perde efetividade como vetor de transformação. Por outro lado, quando respaldado por políticas fiscais inteligentes, ele se fortalece como uma alavanca estratégica, capaz de gerar impacto real, atrair capital qualificado e reduzir volatilidade jurídica e reputacional.
É urgente reenquadrar o ESG. Retomar sua linguagem técnica, reforçar os padrões de mensuração, consolidar métricas de materialidade e impacto real. ESG não é sobre agradar grupos de interesse. É sobre proteger valor em um mundo instável. É sobre antecipar riscos socioambientais que afetam cadeias produtivas, reputações e previnem litígios.
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Isso não significa desprezar temas sociais, muito menos retroceder em pautas relevantes. Significa tratá-las com seriedade, e não como marketing. Significa separar estratégia de ideologia. E significa, acima de tudo, não entregar uma das ferramentas mais promissoras para repensar o capitalismo nas mãos da polarização cultural.
O ESG, quando bem utilizado, não é um slogan. É racionalidade aplicada a um sistema em desequilíbrio. E a crítica à sua apropriação política ou moral não deve ser confundida com rejeição ao progresso social. Pelo contrário: é um esforço para garantir que a agenda não se perca em meio ao ruído ideológico, e para que se possa, de fato, transformar o mundo, com evidências, com técnica, com segurança jurídica e com responsabilidade fiscal.