Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves vencia a última eleição indireta para presidente da República, dentro de um amplo arco de alianças que reunia nomes históricos da luta contra a ditadura e neoaliados desertores do regime imposto goela abaixo desde 1964.
Com a chegada do primeiro civil ao poder em décadas, sacramentava-se o início do processo de redemocratização, que neste ano completa 40 anos, cumprindo a exortação feita pelo professor Goffredo da Silva Telles Júnior na Carta aos Brasileiros de 1977, em que condenava o regime ditatorial e conclamava que a sociedade brasileira se unisse pela volta do Estado de Direito.
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Com a Constituição de 1988, reinstituiu-se no país um efetivo Estado Democrático de Direito, com instituições sólidas e um amplo rol de garantias fundamentais. Desde então, o Brasil já realizou nove eleições diretas para a Presidência da República, com o aprimoramento da justiça eleitoral e de um dos sistemas de votação mais modernos, seguros e rápidos do mundo, que têm possibilitado a realização de eleições livres e periódicas e efetiva alternância de poder.
Ao completar 40 anos do fim do regime militar, o Brasil celebra o maior período de sua história em que, de forma ininterrupta, o poder político foi exercido democraticamente com inegáveis conquistas políticas, sociais e econômicas, que possibilitaram a concretização de parte das promessas advindas da Constituição de 1988.
Foi o Estado Democrático de Direito brasileiro que criou as condições para que os governos que se sucederam tivessem êxito em derrotar a hiperinflação, assegurar a estabilização da moeda e aprovar diversas reformas macroeconômicas. Também deu tração à enormes transformações sociais, a começar pelo combate à miséria e à fome por meio de programas de transferência de renda, do aumento real do salário-mínimo e da maior oferta de oportunidades a todos, fazendo com que alcançássemos o pleno emprego.
São incontáveis os avanços obtidos nessas quatro décadas. Contudo, há de se destacar que a democracia é um processo, não uma situação estática. Como tal, evolui e regride de acordo com os mais variados fatores e suscetível a todo tipo de influência.
A regra básica da democracia, como se sabe, é o respeito às regras do jogo e a aceitação do resultado eleitoral. Tais pressupostos, contudo, foram sorrateiramente atingidos em períodos recentes, por pessoas que, sob a falsa alegação de jogarem dentro das quatro linhas da Constituição, passaram a pregar contra a lisura do processo eleitoral, colocando em dúvida a legitimidade dos resultados.
Nesse sentido, a política baseada na disseminação de notícias falsas, no acirramento da polarização, nos discursos de ódio e no descrédito das instituições e das urnas, culminou, entre 2022 e 2023, em uma criminosa tentativa de golpe de Estado, cujos desdobramentos estão sendo objeto de seríssima persecução penal.
Não pode haver dúvida de que a democracia brasileira esteve sob gravíssima ameaça, e só não sucumbiu por resiliência das nossas próprias instituições. E é justamente nesse contexto em que se faz necessário refletir, a partir da celebração dos 40 anos da redemocratização do país, sobre a pujança e – ao mesmo tempo – a fragilidade do nosso Estado Democrático de Direito.
É nesse contexto que devem ser encaradas como um sinal de alerta e de muita preocupação, as articulações em torno de uma tentativa de se anistiar crimes cometidos nos últimos anos contra o Estado Democrático de Direito. A medida além de questionável quanto a sua constitucionalidade, é um verdadeiro chamado para que novos atentados ao Estado Democrático de Direito sejam empreendidos diante da certeza da impunidade.
Como algo vivo e pulsante, a democracia precisa ser nutrida, para que não morra de inanição, e cuidada, para que não fique à própria sorte. A democracia também precisa ser ensinada, para que a história não se repita; precisa ser valorizada, para que não caia em descrédito; e precisa ser incensada em todos os cantos, para que jamais seja esquecida. Por fim, a democracia, que hoje celebramos, precisa ser continuamente protegida para que não caia em mãos erradas daquele que sob o pretexto de defendê-la, a agridam e a corrompam.