Corte IDH analisa caso de incumprimento judicial sobre direito a receber pensão no Peru

O incumprimento de decisões judiciais no Peru teria afetado os direitos de um idoso de 79 anos a receber sua pensão de aposentadoria. Trata-se do caso “Cuadra Bravo Vs Peru”, que começou a ser analisado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) na última semana (23/04). Em audiência virtual com os juízes, Eduardo Nicolás Cuadra Bravo, ex-funcionário do Banco de la Nación do Peru, afirmou enfrentar problemas financeiros e de saúde relacionados ao não reconhecimento do seu direito a um regime de pensão adequado ao tempo de cargo e função que exercia.

Cuadra Bravo começou a trabalhar no Banco de la Nación em julho de 1970. Em dezembro de 1971, o contrato foi rescindido devido a uma mudança no regime de trabalho. Mais de duas décadas depois, em 1991, o banco incorporou o então subgerente a um plano de pensão, reconhecendo 20 anos de serviços prestados. Porém, a ação foi declarada nula e sem efeito um ano depois, pelo próprio banco, que considerou que Cuadra não cumpria com os requisitos para ser incorporado a esse regime trabalhista, determinado por uma regulamentação local, o Decreto-Lei 20530.

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Em outubro de 1993, Cuadra interpôs uma série de recursos administrativos e judiciais contra essa decisão, questionando sua exclusão do sistema de pensão. Em 1994, acabou pedindo demissão do banco.

Em julho de 2003, a Sexta Câmara Cível do Tribunal Superior de Lima considerou a ação procedente e ordenou ao Banco de la Nación que emitisse uma resolução incorporando o Sr. Cuadra ao regime trabalhista adequado, pagando a ele os valores acumulados.

Mas isso não aconteceu. O impasse seguiu nos anos seguintes e não se resolveu como dar cumprimento à execução da sentença de 2003. O processo segue aberto há mais de 20 anos.

Questão regional

Para a Comissão Interamericana de Direito Humanos (CIDH), Cuadra Bravo não só tem direito a receber a pensão de acordo com o regime de aposentadoria do Decreto-Lei 20530 como o Estado peruano falhou na falta de adoção de medidas para execução da decisão judicial.

Na audiência, representantes da CIDH defenderam que o contexto já é conhecido da Corte em casos anteriores, relativos à nivelação de pensões de ex-funcionários públicos. Além disso, trata de questões de ordem pública do sistema interamericano, ao expor um problema de alcance estrutural sobre incumprimento de decisões judiciais, no caso sobre direitos pensionários, já abordado pela Corte como fonte de negação de justiça e de violação ao direito à segurança social.

Aos juízes, os representantes da CIDH afirmaram que o Estado peruano é responsável pela violação do direito às garantias judiciais, à proteção judicial, à segurança social, à integridade pessoal e à propriedade privada.

Em particular, é também responsável pela violação ao direito à tutela judicial efetiva, já que mesmo com o reconhecimento em 2003 do direito à pensão pela Corte Superior de Justiça do Peru, os tribunais locais não adotaram as medidas necessárias para seu cumprimento efetivo.

A CIDH concluiu ainda que, depois de 18 anos da sentença de 2003, o Estado violou as garantias a um prazo razoável. Sobre a violação ao direito à segurança social, a Comissão afirmou que se deveria à demora da execução da sentença, com ênfase na condição de idade avançada de Cuadra Bravo, e pelo fato de a pensão de aposentadoria ser sua principal fonte de recursos econômicos.

Problemas com Fujimori

Na audiência com a Corte, Cuadra Bravo afirmou que pediu demissão em 1994 por “problemas com o governo”, à época presidido por Alberto Fujimori. Desde o início das ações judiciais, disse, convive com diversos problemas.

“Perdi minha casa, não tive como continuar pagando a hipoteca. Tive problemas de próstata e não tinha dinheiro para um tratamento de saúde”, contou aos juízes da Corte IDH. “Estou envelhecendo cada vez mais e não sei se terei como atender a diferentes problemas de saúde, à minha alimentação. É decepcionante ter que esperar, esperar e esperar. Espero que a Corte possa fazer justiça.”

Ele ressaltou que completa 80 anos de idade este ano e disse estar “consciente” de que não terá mais as mesmas forças com o salário atual e numa situação econômica para a qual não se preparou.

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“Eu era feliz no banco, gostava de trabalhar lá, colaborei muito com o banco. E tudo terminou assim”, lamentou.

Segundo a representante de Cuadra Bravo, a advogada Carolina Loayza Tamayo, o Estado peruano deveria garantir os direitos de seus cidadãos, mas, no caso, deixou Cuadra Bravo em uma situação de “abandono institucional”.

Perícia psicológica feita com Cuadra Bravo no caso, afirmou, mostrou como uma luta judicial por mais de 30 anos pela restituição de direitos e cumprimento de decisões judiciais causa um dano irreversível na qualidade de vida, física e psicológica de uma pessoa idosa vulnerável.

“Viemos defender o direito de um ser humano a viver com dignidade, exigir justiça para quem dedicou parte de sua vida a serviço do Estado e, no entanto, foi abandonado por ele quando mais o necessitava”, afirmou a advogada. “Hoje com 79 anos, ele tem sido vítima de negação persistente de justiça iniciada quando se anulou sua incorporação ao regime pensionário 20530 e continua com execução ineficiente”.

Representantes do Estado do Peru refutaram as acusações e disseram haver controvérsias sobre a pretensão de Cuadra Bravo receber quantias adicionais ao que já foi pago a ele pelo Estado. Segundo os mesmos representantes, Cuadra Bravo nunca deixou de receber sua pensão ao longo do tempo. Os juízes emitirão sentença sobre o caso nos próximos meses.

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