Doença renal crônica: políticas públicas pelo bem do paciente e sustentabilidade do SUS

A doença renal crônica se tornou uma ameaça à saúde pública no Brasil. Projeções revelam que, até 2032, 370 mil pessoas precisarão de diálise ou transplante[1] – um aumento superior a 100% em relação a 2025.

Além do impacto direto sobre milhares de pacientes e seus familiares, os custos econômicos e ambientais para o país são preocupantes. Se medidas preventivas não forem implementadas com urgência, os gastos com a terapia renal substitutiva crescerão consideravelmente, comprometendo ainda mais o já sobrecarregado sistema de saúde.

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Apenas em 2023, os procedimentos de terapia renal substitutiva custaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) cerca de R$ 4 bilhões. Em 10 anos, as perdas econômicas associadas à DRC podem ultrapassar os R$ 198 bilhões, incluindo a queda na produtividade e o absenteísmo no trabalho, tanto de pacientes quanto de cuidadores[2].

Além disso, a doença também gera um grande impacto ambiental, com o alto consumo de água e energia necessários para o tratamento dialítico. Estima-se que, em 2032, a quantidade de água utilizada para esses procedimentos será equivalente ao consumo anual de 370 mil casas, sem contar os resíduos gerados, a energia consumida e as emissões de carbono associadas.

A crise da diálise no Brasil já é uma realidade e, sem financiamento adequado, pode se tornar insustentável nos próximos anos. O aumento expressivo do número de pacientes em terapia renal substitutiva impõe desafios significativos ao SUS. Clínicas de diálise enfrentam dificuldades financeiras devido à defasagem dos valores de reembolso e ao aumento dos custos operacionais, impactando diretamente a oferta de vagas para novos pacientes.

Diante desse cenário, garantir o financiamento adequado da diálise e incentivar modalidades como o transplante e a diálise peritoneal são medidas essenciais para evitar um colapso no atendimento. Além disso, é urgente a implementação de políticas públicas sustentáveis, que assegurem o acesso equitativo e integral a tratamentos de qualidade e promovam a prevenção da doença renal crônica.

Ainda que a doença renal crônica possa evoluir de forma silenciosa em seus estágios iniciais e até moderados, a detecção precoce é viável e de baixo custo: o exame simples de albuminúria na urina e a dosagem da creatinina no sangue estão disponíveis no SUS. No entanto, muitas pessoas com fatores de risco, como diabetes e hipertensão, não têm esses exames incluídos na sua avaliação de rotina, retardando o diagnóstico e o início do tratamentoii.

A implementação de estratégias focadas na prevenção e no diagnóstico precoce poderá reduzir significativamente os casos que evoluem para diálise e transplante, permitindo intervenção antecipada com os tratamentos disponíveis, trazendo benefícios tanto para os pacientes quanto para o sistema de saúde. Um movimento importante foi a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) das Estratégias para Atenuar a Progressão da Doença Renal Crônica, publicado em setembro de 2024, durante o Congresso Brasileiro de Nefrologia[3].

Para que mais pacientes sejam beneficiados é preciso que os diversos atores do sistema de saúde – governo, indústria, classe médica e sociedade civil organizada – atuem em conjunto. Mas é preciso agir agora. A falta de ações concretas coloca em risco a vida de milhares de brasileiros e sobrecarrega ainda mais sistema de saúde. Investir em conscientização, rastreamento populacional, diagnóstico precoce e acesso facilitado a tratamentos pode diminuir a mortalidade por doença renal crônica em 5,8% nos próximos 25 anos[4].

A boa notícia é que o tema está em pauta e vem ganhando atenção do Governo Federal, como foi com a publicação do PCDT das Estratégias para Atenuar a Progressão da Doença Renal Crônica. A Frente Parlamentar da Nefrologia, com o apoio da Sociedade Brasileira de Nefrologia, também segue atuante e com avanços importantes. Entre suas iniciativas, destaca-se o apoio técnico a projetos de lei relacionados à nefrologia, e atuação em alguns estados pelo cofinanciamento estadual e no debate da Linha de Cuidado da pessoa com DRC.

O fortalecimento do cuidado integral do paciente com doença renal crônica e a qualificação de profissionais da saúde são medidas urgentes para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir os impactos no sistema de saúde. As iniciativas do governo federal previstas para 2025-2026, como a implementação da Linha de Cuidado para a pessoa com doença renal crônica e as campanhas de promoção e educação em saúde, demonstram um avanço na abordagem dessa condição[5].

No entanto, desafios importantes ainda precisam ser superados, incluindo o financiamento adequado da terapia renal substitutiva, a ampliação do acesso ao transplante e à diálise peritoneal e uma atenção especial à população pediátrica com doença renal.

Para que essas e outras ações sejam eficazes, é fundamental que haja investimentos no setor, políticas públicas bem estruturadas, engajamento dos governos locais na sua implementação e conscientização da população sobre a prevenção, diagnóstico e tratamentos disponíveis para a doença.


[1] Rao N, et al. Multidimensional Burden of Chronic Kidney Disease in Eight Countries: Insights from the IMPACT CKD Study.

[2] Global Patient Alliance for Kidney Health. Make The Change Campaign. 2024.

[3] Portaria Conjunta SAES/SECTICS Nº 11, de 16 de Setembro de 2024 https://admin.saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202503/06145641-pcdt-de-estrategias-para-atenuar-a-progressao-da-doenca-renal-cronica.pdf

[4] Rao N, Chen J, Priest S et al. Evaluating the Clinical and Socioeconomic Impact of Improved CKD [iv]Diagnosis and Adherence to GuidelineDirected Medical Therapy in Australia, Brazil, and China: An Impact CKD Analysis. Value in Health. 2024; Volume 27, Issue 12, S302

[5] Apresentação da Dra. Carmen Cristina Moura dos Santos, Coordenadora-Geral de Atenção Especializada Ministério da Saúde, realizada durante o III Simpósio de Doenças Raras (COMDORA, SBN) dia 15 de fevereiro

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