A possível venda da Eletrobras de sua participação na Eletronuclear não traz preocupações, sobretudo relacionadas à conclusão da usina de Angra 3, afirma Raul Lycurgo, presidente da empresa, que é responsável por operar as usinas nucleares brasileiras de Angra 1 e 2.
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A avaliação do executivo é de que, possivelmente, qualquer novo acionista que tenha interesse em assumir parte da Eletronuclear terá a mesma envergadura que a empresa. “É relevante porque Eletrobras é competente, um player relevante, mas vida que segue. Eu tenho que focar no meu business”, disse em entrevista ao JOTA.
Lycurgo avalia que é “compreensível” que a Eletrobras tenha tornado público seu interesse em se desfazer de sua participação na estatal. “O foco da Eletronuclear é nuclear. O foco da Eletrobras pode ser outro. Ela já saiu da distribuição, hoje é geração e transmissão”, avaliou.
A Eletronuclear foi subsidiária da Eletrobras até 2022, quando a empresa foi privatizada. Atualmente, a Eletrobras tem 68% do total de ações da empresa, mas vem sinalizando a intenção de se desfazer da fatia.
Uma proposta nesse sentido foi levantada durante as negociações do acordo com a União, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), mas não prosperou.
Por fim, a Eletrobras se eximiu de fazer novos aportes na estatal e garantiu que a União deverá ajudar, além de colaborar através da ENBPar e a Eletronuclear, com quaisquer processos de venda para alienação.
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A conclusão de Angra 3 é um ponto crucial em toda essa negociação. No acordo União-Eletrobras, ficou acertado novas rodadas de negociação sobre o empreendimento, considerando a viabilidade econômico-financeira e o financiamento em condições de mercado.
Há no governo um impasse sobre a continuidade da construção da usina. Parte dos integrantes da equipe de Lula ainda tem resistências nesse sentido, pelo que ficou demonstrando os desfechos das últimas reuniões do Conselho de Política Energética (CNPE). No ano passado, o assunto foi previsto na pauta de reuniões do colegiado em mais de uma ocasião, mas não houve resultado.
As divergências se concentram no custo envolvendo as obras. Estudos apontam que seriam necessários cerca de R$ 23 bilhões, enquanto afundar a obra teria custo similar, de R$ 21 bilhões. “O pior investimento em infraestrutura é o investimento paralisado.
Para fazer uma usina de 1 gigawatt são gastos, em média, US$ 5 bilhões, em resumo. Angra 3 é mais caro porque é maior, mas é mais ou menos isso. Você quer colocar R$23 bilhões para concluir ou não? Parece muito óbvio. ”
Não há previsão no momento de quando o tema voltará a ser discutido pelo governo através do CNPE. Lycurgo avalia que a necessidade de revisar os estudos sobre captação de recursos, feitos pelo BNDES e indispensáveis para saber o custo total da operação, deve jogar a decisão até o final do ano.
Isso porque o banco público precisa refazer a modelagem, agora levando em consideração o acordo entre o STF e a União que envolve Angra 3. Até o último CNPE, realizado no final do ano passado, a modelagem envolvia a Eletrobras na emissão de bonds e debêntures juntos com a União.
E isso tudo pode impactar, inclusive, a tarifa final do megawatt-hora (MWh) da usina. “Não dá para dizer que nada muda, não dá para dizer que não muda a tarifa, porque não depende apenas do custo da obra. Depende do custo do dinheiro. A obra custa tanto, mas quanto custará a captação?”, explicou.
Situação financeira
Lycugo avalia que a situação financeira da empresa não é confortável. Com o peso dos da extensão da vida útil da usina de Angra 1 e das despesas decorrentes de manter Angra 3 paralisada, a empresa busca soluções para evitar um déficit em suas contas nos próximos meses.
A receita bruta anual da Eletronuclear é de, aproximadamente, R$ 2,5 bilhões, aponta. O valor é referente a chamada “parcela B” da remuneração autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que é a parte gerenciável pela empresa. Desse total, é necessário descontar impostos, custos com pessoal, e as obrigações relativas à Angra 3 que custam cerca de R$1 bilhão por ano.
“A parcela B que é gerenciável e pertence à Eletronuclear. São R$ 2,5 bilhões de receita para Angra 1 e 2. Desse total, tenho que pagar impostos e fica R$ 2 bilhões. Só de pessoal tenho mais [um custo de] R$ 1 bilhão. Como consigo bancar o custo de Angra 3? Impossível”, explica.
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A situação de alerta vem se desenhando desde 2023. Até então, aponta o executivo, a situação era menos desfavorável, uma vez que, como subsidiária integral da Eletrobras, a empresa bancava eventuais prejuízos na operação das nucleares e os custos da obra de Angra 3 paralisada. Com a privatização, a Eletronuclear passou para o guarda-chuva da ENBPar, estatal criada para ser responsável pela Eletronuclear e Itaipu Binacional, e não pode receber aportes do Tesouro por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Medidas estão sendo discutidas para atenuar os impactos na situação financeira da empresa. A primeira delas, apontou Lycurgo, é a previsão, no acordo entre União e Eletrobras, da emissão de debêntures no valor de R$ 2,4 bilhões. Parte do montante será destinado ao processo de licença de Angra 1 e deverá estar previsto no balanço da empresa.
Outra medida é a negociação com o BNDES e a Caixa, relativos ao pagamento da dívida por Angra 3. A empresa espera conseguir, novamente, um waiver para ter uma suspensão temporária das despesas até o próximo ano.
Caso a pretensão se concretize, as parcelas serão jogadas para frente, o que atenuaria o rombo no caixa da empresa deste ano de R$ 2,1 bilhões para cerca de R$ 440 milhões, o que, segundo Lycurgo, é possível de captar no mercado.
Em paralelo, a empresa vem implementando ações de austeridade nos últimos meses, que também passam por um plano de demissão voluntária – o que levou a reação dos trabalhadores e uma greve. “Desde janeiro de 2024 a gente começou a entrar com o plano de austeridade, de equilíbrio e conseguimos fechar o ano com 38% acima [do orçamento]. Estamos desequilibrados, mas a boca do jacaré começou a fechar. Enxugamos a empresa, otimizamos a questão dos adicionais”, afirmou.
Perspectivas para nuclear
A avaliação é de que o setor é extremamente promissor, mas de que não pode deixar a oportunidade passar. Para ele, o setor, porém, está “estagnado” no Brasil, tanto no sentido de geração de energia quanto na mineração do urânio.
O executivo afirma que não há um monopólio imposto à Eletronuclear sobre a atividade nuclear no Brasil, apenas à mineração de urânio.
Para ele, a atividade de geração nuclear, então, poderia ser delegada a um ente privado, mas nunca foi feita. Ele faz um paralelo com outros segmentos do setor elétrico, apontando que nos anos 80 foi necessário um marco legal para abrir espaço para o privado e mostrar as competências e limitações dos atores no setor.
“A geração de energia elétrica por estatal ficou anacrônica. O Estado brasileiro tem muito mais assuntos importantes para resolver com o orçamento do que colocar para fazer em investimentos em energia. É por isso que precisa de um novo marco legal, para que o privado possa fazer”, afirma.
Sobre a presença mais forte da fonte no setor elétrico, o executivo aponta que nenhuma discussão é no sentido de se abolir qualquer que seja outra fonte de energia, ou fazer investimentos em outras formas de gerar ou demonizar alguma.
“A nuclear não vem para substituir eólica e solar, vem para ficar na base. E não vem para excluir diesel ou carvão, essas fontes têm elementos que nuclear não tem. Como, por exemplo, ser flexível.”