A próxima eleição presidencial, em outubro de 2026, parece distante, mas nem tanto assim. Consideramos três campos ideológicos concorrentes: 1) conservador/autoritário, de lastro bolsonarista; 2) centro-esquerda/progressista, derivado das forças petistas; 3) uma especulativa alternativa a esta polarização, sem identificação clara até o presente, mas com perfil de centro-esquerda.
Uma primeira incógnita refere-se ao futuro de Jair Bolsonaro. Agora, já declarado réu, parece que restam poucas dúvidas, se existem, que será condenado à prisão. Bem provável que o STF o condene à prisão na esteira dos processos da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
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Precisa-se saber qual será sua reação frente a este futuro imediato, devendo recorrer da sentença em liberdade, se houver essa possibilidade, protelando sua prisão. Como este processo judicial será longo, Bolsonaro deverá se manter na ribalta. Neste caso, continuará com seus ataques à credibilidade das instituições democráticas e à lisura das eleições passadas, como já vem fazendo. Outra incógnita é se pedirá asilo em uma embaixada e quando isto aconteceria.
Até agora, o ex-presidente diz manter sua candidatura, o que comporta afirmar sua vitimização alegando sofrer perseguição, o que gera a retenção da indicação de um nome do grupo para concorrer em 2026. Dada a interdição do fluxo, ele sofrerá pressões para indicar um sucessor. Porém, continua a dizer ser o líder do grupo, o que não lhe falece razão, pois bolsonarismo sem Bolsonaro não parece ter razão de ser, seria outra coisa. Dada a natureza desconfiada do capitão, este nome dificilmente seria fora do seu círculo familiar, o que será tratado adiante.
Um foco de análise imprescindível consiste em analisar a participação popular nas recentes manifestações convocadas pelo bolsonarismo. Conforme levantamento do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, o ato convocado por Bolsonaro em Copacabana pró-anistia dos manifestantes de 8/1, no dia 16 de março deste ano, contou com cerca de 18,3 mil pessoas, quando a expectativa dos organizadores era reunir 1 milhão de participantes, o que mostra que a força popular de outrora, demonstrada em manifestações como o 7/9/2022 (64 mil pessoas em Copacabana), já não se mantém.
Isso para nem se falar da manifestação de 7/9/2021, quando reuniu 125 mil pessoas na avenida Paulista, segundo estimativa da PM, número esse já declinante em relação às manifestações passadas e muito abaixo das expectativas dos bolsonaristas, sempre superdimensionadas. O mesmo pode ser constatado na recente manifestação com o mesmo foco da anistia, ocorrida na avenida Paulista, em 6/4/2025, quando estiveram presentes 44,9 mil pessoas, segundo o monitor da USP, e 55 mil segundo o Datafolha, número pífio perto das expectativas originais.
Nesse contexto, há de se reconhecer que Bolsonaro tem muitas dificuldades em lidar com o real, construindo um mundo paralelo. Compatível com sua visão egocêntrica, ele poderia manter sua candidatura de forma oficiosa, pois as candidaturas só serão oficializadas em meados de 2026, com a realização das convenções partidárias, caso não haja se concretizado sua possível prisão.
Têm surgido dúvidas sobre seu estado de saúde desde a última internação, em 13 de abril, para tratar complicações da facada sofrida durante a candidatura em 2018, o que reforça sua fragilidade como possível candidato e acelera a necessidade de seu grupo definir um sucessor.
A hipótese original, conforme circulou intensamente, é a de que ele seria o cabeça da chapa tendo como vice o filho Eduardo, deputado federal (PL-SP). Confirmada a condenação do capitão, ele renunciaria em favor do filho, hipótese essa, agora, já descartada, com a evasão do deputado para os EUA, a não ser que retorne ao país.
Assim, sem Bolsonaro na disputa e sem o filho, quem seria o ungido pelo chefe do clã? Seu forte sentimento de perseguição, cevado desde os tempos da caserna, o leva a não confiar em ninguém fora do ambiente familiar. Michelle não trocaria uma certa segurança que tem para eleição ao Senado pelo Distrito Federal por uma aventura à Presidência, isso sem considerar que dependeria do aval do chefe. Flávio deve buscar a reeleição ao Senado pelo Rio de Janeiro, enquanto o vereador Carlos não tem nome para pleitear o cargo.
A aposta forte do bolsonarismo repousa em um projeto de anistia. Para esta se viabilizar, os dois principais projetos de lei – PL 5064/2023 e PL 2858/2022 – devem tramitar nas duas casas do Congresso, porém vem encontrando barreiras para serem apreciados.
Por outro lado, com a ampla divulgação da aceitação da denúncia criminal contra o Bolsonaro por parte do STF, sua repercussão na mídia e na opinião pública, os parlamentares terão mais cautela no jogo político ao decidir sobre pautas que representem apoio a Bolsonaro. Um indicador disso pode ser sentido na manifestação pública de Bolsonaro após o acolhimento da denúncia em Copacabana, citada acima, quando ele estava cercado por meros oito apoiadores, deputados federais, senadores basicamente, um deles, o filho.
Fica claro que não é só nas ruas que Bolsonaro não consegue arregimentar apoiadores em quantidade significativa. Na manifestação recente em São Paulo, o quadro já foi um tanto diferente, quando conseguiu reunir sete governadores (incluindo um desafeto seu, Ronaldo Caiado), mas de maior expressão política apenas o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
A maior parte destes estava ali para se colocar como herdeiros do espólio do “mito”, mas este espólio pode ser também uma massa falida. Assim, ao que tudo indica, Bolsonaro terá que recorrer a alguém fora do seu círculo familiar, ou até não indicar ninguém, por mais absurdo que possa parecer, mas o absurdo faz parte do universo bolsonarista.
De qualquer forma, os esforços do campo bolsonarista têm se concentrado mesmo no projeto de anistia, que já recolheu assinaturas suficientes para ser pautado na Câmara. A anistia pretendida seria, a princípio, para os golpistas do 8/1, que seria a arraia miúda, mas no fundo, existe um golpe (golpe dentro de golpe), para livrar os mandantes, financiadores e, digamos, líderes intelectuais, o que incluiria o ex-presidente.
O quórum de assinaturas já obtido garantiria a aprovação do projeto com apoio, nada residual, de deputados de partidos da base do governo. Com a pressão já iniciada pelo Planalto, chamando estes às suas responsabilidades, é provável que o número de apoiadores encolha e o projeto não seja aprovado. Porém, mesmo aprovado seria, ao que tudo indica, declarado inconstitucional pelo STF, não vingando essa aposta do bolsonarismo.
Considerando outros nomes no campo bolsonarista, como Ratinho Junior e Romeu Zema, esses não têm a densidade eleitoral de Tarcísio. Assim, parece que Bolsonaro não poderá escapar de ungir o governador de São Paulo. Tem sido ventilada uma possível chapa Tarcísio/Zema, que teria reais possibilidades ao reunir os dois maiores colégios eleitorais do país.
O ex-ministro do governo do capitão foi eleito governador de SP em 2022, com o apoio e a grife do chefe. Em outras palavras, chegou aonde chegou pelos vínculos com o então presidente. Mas o também capitão e engenheiro conseguiu agregar valor a sua carreira política, alcançando altos índices de aprovação do seu governo, o que o credencia para uma reeleição ou possivelmente pleitear a Presidência. É tido como um bolsonarista moderado, o que não constitui matéria pacífica. Como ser bolsonarista e ser moderado?
A falta de confiança de Bolsonaro em alguém de fora de sua família é uma constante verificável, pois já afastou apoiadores de primeira hora que se destacaram, como Gustavo Bebianno, Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta e João Doria. Ou seja, qualquer um que se destacasse e representasse uma ameaça para si dentro do seu espectro político era ejetado.
De qualquer modo, o nome de Tarcísio está posto, é o que parece ser de consenso. A questão em tela é saber como Bolsonaro encaminhará essa questão, ou se a decisão será tomada independentemente dele. No caso de Tarcísio, sua decisão tem um condicionante, pois se quiser concorrer à Presidência, tem que se descompatibilizar do cargo de governador até março de 2026. Porém, ao que tudo indica, a decisão sobre o destino do capitão será tomada antes.
Uma outra possibilidade é Tarcísio romper com o antigo chefe. Tudo vai depender de como ficará o capital político de Jair Bolsonaro uma vez confirmada a prisão ou o “asilo” político. Até agora Tarcísio tem se mantido low profile, cauteloso, fiel a quem o lançou à vida pública.
Mas se o bolsonarismo entrar em forte declínio, o governador paulista (e outros) poderá rever esta posição, até porque visará capturar o voto de eleitores de perfil de centro-direita. Suas recentes declarações a favor das urnas eletrônicas, rasgando elogios ao nosso processo eleitoral, pode indicar que o governador de SP já pode estar fazendo o desmame em relação a Bolsonaro.
Cabe notar que Tarcísio é filiado ao Republicanos e não ao PL, partido de Bolsonaro, o que lhe dá autonomia. O Republicanos poderá lançá-lo com ou sem aval do chefe de todos, o que configuraria um rompimento do partido com Bolsonaro, cindindo o grupo. Nas recentes manifestações, o presidente da legenda, Marcos Pereira, não se fez presente. Sendo ele não apenas presidente da legenda, mas pastor da poderosa Igreja Universal, isso tem significado. Fica no ar a posição de outro ator estratégico, Gilberto Kassab e seu PSD. Isto posto, a popularidade de Bolsonaro será vital para o destino do grupo político (que, na verdade, mal parece um grupo, dado seu personalismo e paranoia).
Um outro ator precisa ser considerado nesse grupo, ainda que não pertencente ao bolsonarismo mas com muitas convergências: Pablo Marçal, que na eleição para prefeito de São Paulo alcançou um surpreendente terceiro lugar. Mais que isso, esteve muito próximo de ir ao segundo turno e não esteve longe da votação do primeiro colocado. Para um desconhecido, um estranho à política, e sem estrutura partidária e tempo de TV, é um feito de grande monta.
O ano de 2024 pode ter sido o de semeadura de Marçal para uma possível colheita em 2026. Não resta dúvida que o ex-coach é candidato em 2026, como já tentou em 2022, mostrando que ostenta uma ambição desmedida. O candidato só não concorrerá se for mantida, em fase recursal, a decisão da Justiça Eleitoral de inelegibilidade por venda de apoio político. Caso vingue sua candidatura, abocanhará votos do campo autoritário, causando sua fragmentação com prejuízos para o candidato do bolsonarismo.
Ainda um outro segmento tem que ser levado em consideração, os evangélicos. A recente disputa entre Silas Malafaia (apoiador de Bolsonaro) e Marcos Pereira, com troca ácida de críticas, atesta que esse segmento não é mais monolítico. Mesmo dentro do grupo, há deputados que seguem o PT em algumas votações, e lideranças como Otoni de Paula, deputado federal (MDB-RJ) que procura se aproximar do lulismo.
Na hipótese dessa extrema direita bolsonarista ter um candidato e Tarcísio também se lançar (pressupondo um rompimento ou afastamento entre eles), a repercussão disso se dará contra Bolsonaro. De qualquer forma, ainda é um tanto prematuro para afirmações mais categóricas.
Por fim, entendemos que o lançamento da pré-candidatura de Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás, não teria condições de efetiva competitividade, bem como a de outros governadores postulantes, como atestam pesquisas recentes do Datafolha, alcançando percentuais mínimos.
No campo da centro-esquerda/progressista, o cenário também não é menos confuso. Tudo parece depender de Lula, de suas condições físicas e do desempenho de seu governo, no ano e meio que lhe resta.
Se conseguir recuperar a avaliação positiva de seu governo, constitui-se um candidato competitivo, apesar do óbice da idade. Se não lograr êxito, provavelmente não irá concorrer para não estragar sua trajetória política até agora exitosa.
Começam aí os problemas do PT, pois o partido não tem uma liderança de porte para esse empreendimento. Os nomes já testados como Fernando Haddad, em 2018, e Guilherme Boulos (já fora da órbita da sigla) não emplacaram. Nesses anos todos, não se formou nenhuma liderança mais jovem capaz de gerar um nome viável para a Presidência, para dar continuidade a seu projeto de governo.
Um outro traço impregnado do PT é não considerar qualquer nome que não esteja no seu círculo (cada vez mais restrito, aliás) de confiança, mostrando ser o problema do PT ainda de maior monta, com sua “luladependência”. O horizonte do PT parece bastante turvo, ficando dependente do seu eleitorado fiel.
Por fim, o que seria uma terceira via ou um/a candidato/a de alternativa a essa polarização também se encontra em terreno pantanoso. Em todas as eleições passadas, nenhum candidato conseguiu romper a polarização estabelecida. Pode ser que agora, caso se confirme o declínio dessas duas forças majoritárias, possa emergir alguma alternativa, sendo o nome de Ciro Gomes recorrente.
Ocorrendo o quadro rascunhado acima, com extrema fragmentação do campo da direita e da extrema direita, uma terceira força pode brigar por um lugar no segundo turno, acreditando-se que a diferença entre os três primeiros possa vir a não ser grande (como ocorreu na eleição municipal de São Paulo). No entanto, para afirmar algo mais categórico é necessário esperar os próximos desdobramentos.
Para finalizar, uma incógnita ainda maior é o caso de o ministro Flávio Dino deixar o STF e se lançar candidato. A princípio seria na coligação com o PT, não se afastando a possibilidade de ele se filiar ao partido. Pela sua postura legalista e combativa, poderia ser uma ameaça sólida às pretensões de Tarcísio, que, aliás, ficará até o último momento possível examinando os cenários antes de decidir concorrer à Presidência ou buscar a reeleição em São Paulo.
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