A ampliação da plataforma continental brasileira e o Direito Internacional

A sociedade internacional enfrenta uma crise de legitimidade, impulsionada por diversos conflitos armados, pela ascensão de governos nacionalistas e por discursos que questionam o multilateralismo. Esse cenário desafia a estrutura normativa do Direito Internacional, colocando à prova instituições como a Organização das Nações Unidas e o modelo de governança global estabelecido após 1945. A erosão do compromisso com regras e tratados internacionais afeta diretamente a capacidade dos Estados de reivindicarem direitos e garantirem segurança em seus territórios, incluindo os espaços marítimos.

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Diante dessa conjuntura, a recente decisão da ONU de reconhecer a ampliação da plataforma continental brasileira em sua margem equatorial, que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte, em uma área de cerca de 360 mil km², representa um momento de reflexão sobre a importância do Direito Internacional e sua instrumentalidade. Trata-se de uma área equivalente ao território da Alemanha, contendo riquezas e potenciais reservas de petróleo e gás. Esse reconhecimento não apenas redefine as fronteiras marítimas do Brasil, mas também reforça a necessidade de planejamento estratégico para o uso sustentável dessas riquezas incorporadas ao patrimônio nacional.

O Brasil ampliou significativamente seu território sem mobilizar suas forças armadas para conflitos ou guerras, sem o disparo de um único tiro ou sacrifício de vidas.

A concessão desse pleito pelo Comitê de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU resulta de um trabalho técnico e diplomático minucioso, conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), pela Marinha do Brasil e pelo Itamaraty. O processo, iniciado em 1989, baseia-se na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que permite aos Estados costeiros reivindicarem áreas marítimas além das 200 milhas náuticas, desde que comprovem a continuidade geológica de sua plataforma continental. O Brasil submeteu seu primeiro pedido em 2004, recebeu avaliações parciais e continuou refinando os estudos até obter essa decisão favorável.

Esse reconhecimento internacional projeta a doutrina da “Amazônia Azul” para o centro do debate sobre soberania e desenvolvimento sustentável. A extração e aproveitamento dos recursos naturais no mar demandam investimentos substanciais em pesquisa e tecnologia, além da construção de um arcabouço normativo que equilibre exploração econômica e conservação ambiental. O potencial econômico é expressivo, considerando que o petróleo extraído da plataforma continental já representa mais de 88% da produção nacional, e o Brasil tem expectativa para se tornar um dos líderes globais na exploração de minerais marinhos essenciais para a transição energética, além do potencial biotecnológico da biodiversidade marinha em áreas jurisdicionais.

O desafio, no entanto, não se encerra com o reconhecimento formal da ONU. A efetivação da soberania sobre essa nova extensão marítima requer vigilância, presença naval e estratégias de longo prazo para sua gestão. A Marinha do Brasil precisará de investimentos que garantam a segurança e a integridade das águas jurisdicionais. Além disso, o país deverá articular esforços diplomáticos contínuos para evitar disputas internacionais e consolidar sua autoridade sobre esses recursos.

Mais do que uma ampliação territorial, essa conquista reafirma a relevância do Direito Internacional e do Direito do Mar como instrumentos estratégico para consolidação da soberania nacional. Em um mundo onde discursos hegemônicos e protecionistas ganham força, o episódio demonstra que a diplomacia e a cooperação multilateral permanecem caminhos eficazes para a defesa dos interesses nacionais. O multilateralismo, embora constantemente desafiado, continua sendo o principal instrumento para garantir que países em desenvolvimento tenham acesso a mecanismos jurídicos de defesa de seus direitos.

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O Direito Internacional, tantas vezes questionado em sua efetividade, revela-se aqui um instrumento de alcance concreto. Esse episódio convida à reflexão sobre o papel do Brasil no cenário global e sobre a definição de uma política externa de Estado permanente, pautada pelo primado do Direito Internacional. O respeito às normas internacionais e o engajamento proativo em fóruns multilaterais são componentes essenciais para garantir que as ações de política externa não sejam apenas simbólicas ou desconexas, mas que gerem benefícios reais para a economia, a ciência e a sociedade brasileira.

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