No dia 8 de abril, durante a 5ª Sessão Ordinária de 2025, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou resolução que disciplina a atividade do Ministério Público na investigação de morte, violência sexual, tortura, desaparecimento forçado de pessoas e outros crimes ocorridos em decorrência ou no contexto de intervenções dos órgãos de segurança pública.
Da análise do texto da referida resolução, verifica-se a materialização da necessidade de dados qualificados no controle externo da atividade policial, ao prever que o CNMP incluirá, em seu Sistema de Gestão de Tabelas Processuais Unificadas, o assunto “crimes ocorridos em decorrência ou no contexto de intervenções dos órgãos de segurança pública”, para o fim de cadastramento de Procedimentos Investigatórios.
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Essa determinação se releva necessária devido ao aumento expressivo de mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP), que cresceram 188,9% desde 2013, com forte impacto sobre jovens negros, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. Além disso, o Brasil sofreu diversas condenações na Corte Interamericana de Direitos Humanos devido à ineficiência na investigação e responsabilização de agentes policiais em casos de violência letal.
Essa necessidade de produção de dados decorre, não apenas, como uma medida de concretização de política pública, mas provem da condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Cosme Rosa Genoveva e Outros – Caso Favela Nova Brasília. Naquele julgamento, ficou determinada a obrigação de publicação de relatório anual com dados oficiais envolvendo mortes em decorrência de atuação policial.
Conforme consta da sentença do referido caso, no que se refere à divulgação de relatórios anuais sobre número de mortes de policiais e civis durante operações policiais, o Estado informou que a implementação desses relatórios está prevista no Plano Plurianual 2012-2015, e destacou a existência do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas (SINESP) e o Anuário Nacional de Segurança Pública no âmbito do Fórum Nacional de Segurança Pública, o qual, desde 2014, acompanha a questão da letalidade policial.
Ocorre que, em que pese o Estado brasileiro tenha se comprometido à divulgação de relatórios anuais sobre as MDIP’s, não há, hoje, um banco de dados nacional que contenha dados oficiais sobre esses quantitativos. Ou seja, não houve, por parte do Brasil, cumprimento desta parte da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Favela Nova Brasília.
Com isso, essa atribuição do Ministério Público, tão relevante e necessária no atual panorama de segurança pública brasileira, se revela deficitário em face da inexistência de dados qualificados em relação à temática. Assim, a nova Resolução visa suprir essa lacuna no âmbito do Ministério Público.
Não se desconhece de medidas implementadas pelo Ministério Público de alguns estados, que buscou realizar levantamentos dos quantitativos de mortes decorrentes de intervenção policial. Ocorre que, ainda assim, permanece o cenário de inexistência de dados qualificados em âmbito nacional.
Alberto Liebling Winogron Kopittke discorre, em sua obra, sobre a ausência de evidências em segurança pública nos estados em desenvolvimento, informando que, “enquanto nos países desenvolvidos a revolução das evidências já está em sua terceira etapa, nos países pobres e em desenvolvimento o cenário é bem diferente. Apesar desses países serem expressivamente mais atingidos pela violência do que os países desenvolvidos, eles possuem uma baixa produção de conhecimento baseado em evidências nas mais diferentes áreas de conhecimento, incluindo a área de prevenção à violência”.
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Ademais, essa produção de dados oficiais é uma imposição da Resolução n. 279 de 2023, do Conselho Nacional do Ministério Público, a qual determina, em seu artigo 10, que “cabe aos ramos e unidades do Ministério Público atuar a partir de um plano de ação institucional específico, contendo diagnóstico, monitoramento e fiscalização da letalidade e da vitimização policiais, que considere: II – o fomento de políticas públicas aptas à redução da letalidade e da vitimização policiais, com a finalidade de promover: b) a criação de fluxos capazes de auxiliar o monitoramento da atividade policial, ampliando os canais de comunicação interinstitucionais e a coleta de dados”.
A referida resolução estabelece, ainda, em seu artigo 13, que “os ramos e unidades do Ministério Público concentrarão os dados relativos às ocorrências de letalidade e vitimização policiais, a fim de alimentar, mensalmente, o Sistema de Registro de Mortes Decorrentes de Intervenção Policial do Conselho Nacional do Ministério Público”.
Além disso, o Decreto 12.341/2024, que regulamenta o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo, reafirma a necessidade de uma segurança pública baseada em evidências, ao disciplinar, em seu artigo 5º, que, “para implementação do disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto, compete ao Ministério da Justiça e Segurança Pública: XI – consolidar e publicar dados nacionais relativos ao uso da força pelos profissionais de segurança pública”.
Logo, resta evidente que a efetividade do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público está diretamente condicionada à produção e disponibilização de dados qualificados. A ausência de um banco de dados nacional sobre as mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP) compromete não apenas a atuação ministerial, mas também o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, especialmente no que se refere à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Favela Nova Brasília.
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Esse cenário demonstra que o aprimoramento do controle externo exige não apenas fiscalização ativa do Ministério Público, mas também o fortalecimento de mecanismos de coleta, sistematização e análise de dados.
Portanto, para que o controle externo da atividade policial se torne efetivo e atue como instrumento de redução da letalidade e da impunidade, é imprescindível que o Brasil avance na produção de dados confiáveis e acessíveis, garantindo não apenas a conformidade com suas obrigações internacionais, mas também uma atuação ministerial mais técnica, estratégica e voltada à proteção dos direitos fundamentais.