O desembargador Gamaliel Seme Scaff, da 1ª Câmara Criminal em Composição Isolada do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), negou um recurso da defesa de um homem denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) por homicídio e que foi levado ao Tribunal do Júri, após identificar que todas as razões recursais do processo foram feitas por inteligência artificial (IA). O magistrado identificou que o advogado utilizou 43 jurisprudências inexistentes, criadas com o auxílio da ferramenta, mesclando com as alegações da defesa do acusado.
Scaff ainda percebeu que nem os supostos casos julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) mencionados no recurso são “fidedignos”, ou seja, segundo ele, todo o recurso processual foi feito com o uso de IA com a finalidade de induzir o colegiado em erro ou fazer “troça”. Nenhuma hipótese, em sua avaliação, é boa ou justificável.
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O primeiro argumento para razão de recurso apresentado pelo advogado foi a de excesso de linguagem. No entanto, na avaliação de Scaff, a defesa indica no recurso frases que não constam na decisão do juiz que levou o caso para o júri popular. De acordo com a análise do magistrado, são elas: “os elementos constantes dos autos indicam fortemente a autoria do crime pelo acusado” e “as provas colhidas durante a instrução processual permitem concluir, sem margem de dúvida, que o réu participou ativamente dos fatos narrados na denúncia”.
Para o desembargador, não se trata de um argumento genuíno, mas “criado” para induzir o julgador em erro. Além disso, Scaff identificou que os trechos das “decisões” mencionadas estão intercalados no texto do recurso. Entretanto, o desembargador notou que todas elas são “criação de alguma (des) inteligência artificial”. O magistrado ainda chamou a atenção ao fato de não existir no TJPR nenhum desembargador com o nome de Fábio André Munhoz ou João Augusto Simões, citados como relatores em processos listados pela defesa.
Scaff também percebeu, inclusive, que não há nenhum desembargador no Brasil com esses nomes. Também ressaltou que o desembargador Paulo Roberto Vasconcelos, mencionado pela defesa do acusado, se aposentou há bastante tempo, antes mesmo das datas mencionadas nos “julgados” do advogado.
Os números dos supostos processos citados pela defesa como sendo do TJPR também foram vistos como curiosos pelo desembargador, visto que possuem as seguintes sequências: “1234-56”; “3456-78”; “12345-67”; “6543-21”; “12346-78”; “9876-34”. “Como é de geral sabença, apenas e unicamente o advogado detém capacidade postulatória, não um aplicativo de IA. Ainda não chegamos ao ponto de conceder tal benefício a sistemas computacionais”, pontuou Scaff.
Conforme ressaltou o magistrado, o advogado tem a obrigação de, no mínimo, revisar as peças feitas com o uso dessas ferramentas de inteligência artificial. A razão da obrigatoriedade dessa revisão, segundo ele, é simples: “o Poder Judiciário não está brincando de julgar recursos”.
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Para Scaff, ao agir com tamanho descuido e desrespeito, o advogado não exterioriza a seriedade que o caso requer e que o seu cliente merece.
“Diante dessa balbúrdia textual e contextual da peça dita recursal, para se conseguir chegar a alcançar uma possibilidade de análise do mérito recursal –sem a certeza de que essa eventual síntese representaria adequadamente a insurgência da defesa –, seria preciso separar o ‘joio do trigo’, as alegações verdadeiras das alegações falsas”, destacou o desembargador.
Para ele, isso se torna inviável diante de “tamanha falta de técnica”. Por essa razão, concluiu que a peça recursal é “imprestável”, não havendo como ser conhecida. Ao final do acórdão, o desembargador advertiu o advogado, para que ele se atente “aos termos do art. 1º, art. 2º, caput e p. único, incisos I a V, X, art. 6º, art. 28, todos do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”.
O processo tramita sob o número 0002062-61.2025.8.16.0019 no TJPR.