Pejotização: decisão sinaliza tentativa do STF de reafirmar sua autoridade sobre TST

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal que abrange todas as ações envolvendo contratos com potencial de mascarar vínculos empregatícios não é, como muitos têm sugerido, um recado ao mercado ou um gesto de valorização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Trata-se, antes, de uma reafirmação da autoridade do STF sobre a interpretação constitucional e da força vinculante de seus precedentes, especialmente diante da resistência de outros ramos do Judiciário em segui-los.

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Neste caso, o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1532603 RG/PR) foi elaborado com o intuito de anular a validade de contratos que configurem relações de emprego regidas pela CLT. Especificamente, o caso analisado pelo STF tratava de um contrato de franquia entre uma corretora e uma seguradora, no qual o Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia inicialmente afastado o reconhecimento do vínculo empregatício.

Essa medida, tomada sob a sistemática da repercussão geral, reflete o crescente esforço do STF para consolidar entendimentos jurisprudenciais e promover segurança jurídica no cenário trabalhista contemporâneo. Estender a discussão a todas as formas de contrato que possam ocultar vínculos empregatícios reforça — e possivelmente amplia — o entendimento contrário ao adotado na Justiça do Trabalho.

Não se trata, portanto, de uma cruzada contra a criatividade contratual ou de uma defesa pura da CLT. O que está em jogo é a definição dos limites de competência da Justiça do Trabalho, especialmente à luz do artigo 114 da Constituição Federal. A suspensão dos processos indica que o STF pretende se pronunciar com mais profundidade sobre esse ponto — não para sufocar o TST, mas para reafirmar sua função de corte de cúpula.

Com isso, haverá racionalização do volume de julgamentos realizados pelo STF, além da reafirmação do caráter obrigatório de suas decisões, segundo a regra do stare decisis — “mantenha-se o decidido” —, possibilitando a cassação por meio de reclamação constitucional, em caso de descumprimento.

O Supremo tem sido claro: a estabilização da jurisprudência é um objetivo institucional, e o instrumento da repercussão geral, aperfeiçoado com o CPC de 2015, é o caminho escolhido para alcançá-lo. A questão, no entanto, está longe de ser simples. Há uma variedade quase infinita de modelos contratuais, realidades empresariais e contextos sociais que desafiam qualquer tentativa de uniformização. É aí que mora a tensão: a tentativa de organizar o caos jurídico pode, paradoxalmente, abrir novas frentes de conflito.

O ministro Gilmar Mendes menciona exatamente o fato de que o Supremo vem julgando inúmeras reclamações constitucionais sobre o tema. Assim, a intenção é diminuir o trabalho da corte e uniformizar o entendimento sobre a matéria. Percebe-se, entretanto, que o tema também é de relevante interesse social e que há uma multiplicidade de circunstâncias nas quais os precedentes devem incidir.

A questão que se destaca é que existe uma variedade muito grande dessas situações. É natural, portanto, que haja decisões conflitantes — mas o Supremo sinaliza alguma crítica à resistência da Justiça do Trabalho em seguir suas decisões. Trata-se de uma imensa quantidade e variedade de conflitos de natureza subjetiva, contextualizados por institutos e disputas históricas, que certamente deverão ser ponderados e sedimentados pela corte no julgamento.

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Dessa forma, é possível que ocorram alterações profundas na matéria e, mesmo que seja enunciada uma tese ou precedente, é natural que surjam novas brechas, dúvidas e interpretações sobre sua aplicação aos casos concretos — sobretudo em razão da enorme quantidade e variedade de situações abrangidas. É o que se chama de estabilização da jurisprudência mas, quando ocorre de cima para baixo, pode alavancar controvérsias. Ainda assim, acredita-se que o STF levará esse aspecto em consideração ao fixar a tese.

É inegável que essa ampliação do debate para todos os contratos com potencial de ocultar vínculos empregatícios pode gerar uma nova onda de judicialização. Mesmo que uma tese venha a ser fixada, o número e a complexidade dos casos concretos abrirão espaço para novas interpretações, exceções e disputas. O risco, portanto, é o da “estabilização instável”: uma jurisprudência que nasce com o objetivo de pacificar, mas termina por fomentar novos contornos de litígio.

Ainda assim, é preciso reconhecer que essa é a escolha do sistema. O protagonismo do STF, longe de ser uma invasão de competência, decorre de uma decisão institucional e normativa. A função do TST segue sendo vital, mas não desvinculada das diretrizes traçadas pelo Supremo. E, gostemos ou não, este é o modelo de precedentes que temos — e com o qual teremos que lidar.

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