Recentemente, três entidades do comércio e da indústria divulgaram um manifesto com diretrizes para a aprovação de uma reforma administrativa que faça com que o Brasil avance em suas políticas de gestão de pessoas no serviço público.
É notável observar essa movimentação do setor produtivo em relação ao funcionalismo. Evidencia o que já entendemos há algum tempo: ter servidores bem preparados, engajados e atentos às necessidades da sociedade é fundamental para termos um país mais avançado, desenvolvido e que oferece oportunidades para todos.
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O manifesto em prol da reforma administrativa foi assinado pela FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) durante um evento em São Paulo, que reuniu autoridades, acadêmicos, especialistas e representantes da sociedade civil.
Muito acertadamente, ao invés de discutir a dimensão do Estado, o evento reforçou o posicionamento das organizações do setor produtivo em promover a construção de uma gestão pública efetiva, condizente ao Brasil que almejamos.
As políticas de gestão de carreiras afetam a maioria da força de trabalho e suas decisões caracterizam as prioridades políticas de diferentes governos. Trata-se, portanto, de um tema fundamental para o diagnóstico e a proposição de soluções para reformas de grande impacto no setor público.
Essa afirmação é corroborada por dados e evidências, que associam o bom funcionamento do Estado a um maior desenvolvimento socioeconômico: fatores relacionados à profissionalização do serviço público, sob um bom desenho de gestão de pessoas no setor público, têm sido associados ao crescimento do PIB e a melhores resultados em políticas públicas.
Além disso, é preciso enfatizar que o serviço público, por meio dos serviços que oferece, é condição para que a democracia exista: se o Estado frustra a população, a tendência é que extremismos tenham terreno fértil para crescer.
No contexto internacional, os países asiáticos que passaram por um desenvolvimento acelerado nas últimas décadas tiveram uma estratégia forte de modernização do Estado. Desenvolvimento econômico, meio ambiente e relações exteriores, por exemplo, são temas complexos e, por isso, precisam ser trabalhados por um conjunto de profissionais cuja gestão deve prever algumas premissas básicas, como processos de seleção, ocupação e gestão dos cargos e carreiras que promovam a autonomia e a proteção contra perseguições políticas, somados a carreiras atrativas e promissoras.
Hoje, o Brasil conta com “ilhas de excelência” no setor público, com muita eficácia nas ações desenvolvidas. São esses os setores e órgãos que normalmente contam com orçamento e remunerações mais elevadas. O desafio, portanto, está na expansão dessas “ilhas de excelência”: para que a eficácia se expanda a mais áreas de políticas públicas, é preciso observar com prioridade a organização da gestão, dada a limitação do orçamento disponível.
Diferentemente de países de referência no tema como Estados Unidos, Inglaterra e Portugal, o Brasil tem um sistema de carreiras fragmentado. Atualmente, temos mais de 300 bases salariais diferentes, quatro vezes a quantidade presente na Argentina, que tem critérios de gestão mais parecidos com os nossos.
O resultado do grande número de referências de valores remuneratórios é que profissionais que fazem tarefas muito parecidas acabam recebendo valores muito diferentes. Essa desigualdade implica em uma sensação de injustiça que desorganiza a gestão, e que pode desmotivar os servidores, com implicação aos serviços prestados à população.
Há distorções que se concentram, por exemplo, na previdência pública, e nos supersalários adulterados por “penduricalhos”, justificados sob a forma de auxílios e verbas indenizatórias, e concentrados em poucas carreiras. Um caminho promissor para transformar esse cenário é repensar o sistema de carreiras no serviço público brasileiro.
Apesar disso, o Brasil tem avançado com reformas localizadas no governo federal nos últimos anos, com uma nova avaliação de desempenho, redesenho de algumas carreiras e implementação do Concurso Público Nacional Unificado. Mas há ainda um grande desafio nos estados e municípios, que concentram a maior parte dos servidores. Quando falamos de segurança pública ou educação, por exemplo, temos dificuldades históricas. Essa discussão não se esgota no fornecimento de mais recursos para esses setores, mas passa necessariamente pelo desenho de carreira de policiais e professores.
Dessa forma, para discutir uma reforma no Brasil, precisamos de projetos que ultrapassem o governo federal. Ou seja, é necessário criar uma capacidade nacional de regulamentação no tema, com leis gerais que tratem de carreiras, concursos, contratações temporárias e gestão de desempenho e desenvolvimento no serviço público.
Por último, e não menos importante, é necessário enfatizar que países que fizeram suas reformas administrativas de forma bem-sucedida contaram com uma participação plural de atores com interesses diversos. É imprescindível chamar para o debate a sociedade civil organizada, além de sindicatos e entidades que defendem os trabalhadores.
O que está em jogo no Brasil é, de fato, criar um sistema onde sejam construídas carreiras simples com bases e atribuições comuns e remunerações bem desenhadas, além de posições de liderança ocupadas profissionalmente, com programas de desenvolvimento e desempenho orientados para resultados, e concursos públicos mais constantes e dimensionados. É por esse serviço público e por essa cultura que o Brasil deve se orientar para ser um país mais justo, avançado e adaptado às reais necessidades de sua população.