Nepotismo em cargos políticos no Brasil: uma nova análise desse antigo problema

No Brasil, o nepotismo se estabeleceu como uma ferramenta de manutenção do poder unipessoal do gestor, em completa subversão à ordem republicana. Em frustração à intenção originária da Constituição Federal de 1988, vê-se que o fenômeno se converteu de uma prática explícita e desavergonhada a uma conduta que, apegada às brechas normativas, se lastreia silenciosamente por toda a Administração Pública brasileira. 

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Dessas brechas, merece destaque a Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, que, voltada à vedação do nepotismo, não previu expressamente em seu enunciado o repúdio às nomeações de parentes para o exercício de cargos políticos. Tal fragilidade viu-se ampliada quando, nas diversas oportunidades em que foi instada a se manifestar sobre a viabilidade da referida nomeação, a corte exarou interpretações antagônicas entre si – ora entendia pela aplicação extensiva do enunciado sumular, ora restringia a sua aplicação apenas a funções de confiança e cargos em comissão puramente administrativos, de livre nomeação e exoneração. Espera-se, contudo, que a controvérsia seja definitivamente esclarecida por ocasião do julgamento do Tema nº 1.000 do STF.

A mesma problemática, mas sob novo enfoque

De fato, a problemática do nepotismo, especialmente no âmbito dos cargos políticos, pressupõe um extenso debate acerca do conflito entre discricionariedade, moralidade e impessoalidade, que aqui não se nega. O tema foi, inclusive, tratado em artigo anterior nesta mesma coluna.

No entanto, propõe-se, aqui, uma análise mais simplista da controvérsia, com enfoque em dois conceitos ainda pendentes de delimitação, quais sejam: “nepotismo” e “cargos políticos”. 

Quanto aos cargos de natureza política, sua definição passa ao largo de ser pacífica. Segundo Paulo Modesto, tratar-se-iam daqueles ocupados por agentes públicos “que exprimam prerrogativas de soberania, a partir de vínculo profissional ou político, investidos por eleição, nomeação ou delegação, e sujeitos a restrições, deveres e responsabilidades especiais enumeradas e disciplinadas na Constituição Federal”. Assim, à luz do que preceitua o autor, para além dos Ministros de Estado e dos Secretários Municipais, exerceriam cargos políticos, também, os juízes e promotores, por exemplo.  

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, porém, seriam agentes políticos “apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores”. 

De igual modo, o nepotismo se apresenta como um conceito ainda indefinido (ou, talvez – e assim se espera – em processo de definição). A Súmula nº 13 jamais se propôs a designar uma verdadeira definição de nepotismo; em verdade, tão somente elenca exemplos práticos e puníveis do fenômeno. Frisa-se, porém, que o método indutivo, quando aplicado ao Direito, apresenta, muitas vezes, resultados falhos, e a redação sumular não foi suficiente para estabelecer um pressuposto estável, determinante e de aplicação invariável. 

Proposta de resolução

Conforme destacado, a Súmula nº 13 não prevê todas as hipóteses em que o nepotismo poderia ser verificado, e é certo que nem o poderia, a menos que se admitisse a formulação de um enunciado de extensão comparável ao próprio texto constitucional. Tampouco foi capaz de estabelecer um parâmetro geral a partir do qual se poderiam deduzir características inerentes a todas as espécies do referido fenômeno. Daí se extraem suas limitações, às quais se impõe reparo. 

Como se vê da prática, apenas caracterizar o rol como exemplificativo pode não ser suficiente para erradicar todas as incertezas concernentes ao tema. Diante disso, sugere-se uma definição jurídica mais abrangente, que consolide a incompatibilidade de toda e qualquer nomeação de parentes a cargos públicos em relação ao arcabouço legal brasileiro. 

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No que tange ao nível de parentesco necessário à configuração do nepotismo, tem-se razoável o parâmetro adotado pela Súmula nº 13. Isso porque entende-se que o conceito de parentesco do Código Civil é diverso daquele incidente nos casos de verificação de transgressão do princípio da moralidade. A respeito, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 12, o Ministro Cezar Peluso asseverou que “o problema não é de definir quais são os parentes para efeitos civis, mas definir quais aquelas pessoas que, sob a classe de parentela, tendem a ser escolhidas, não por interesse público, mas por interesse de caráter pessoal”.

Apesar do considerável acirramento da rigidez da vedação, nela, inexistiria qualquer excesso. Afinal, não é demais presumir que, em uma sociedade cujas instituições formais sempre se impregnaram de subjetivismos e favorecimentos, a ocupação de cargos políticos por parentes do agente nomeante implique, necessariamente, na sobreposição de interesses particulares ao bem comum. Mesmo se assim não fosse, justificar-se-ia a ampla vedação a partir dos deveres de impessoalidade e moralidade, até então abstratos, cujo cumprimento inclui, também, a exibição de uma Administração Pública aparentemente íntegra.

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