Há uma expectativa do mercado de construção e da comunidade jurídica de que, ainda neste semestre, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprove, em segundo turno, o Projeto de Lei Complementar 165/2024, que regulamenta a utilização de comitês de prevenção e solução de disputas – dispute boards – em contratos administrativos celebrados pela Administração Pública direta e indireta do município do Rio de Janeiro.
O autor do projeto é o vereador Pedro Duarte e o seu texto foi elaborado pelo advogado Felipe Varela Mello. O projeto de lei foi protocolado em março de 2024 e, na sessão plenária da Câmara de 12/12/2024, foi aprovado por unanimidade entre os vereadores, sem nenhum voto contrário. No momento, aguarda-se o segundo e último turno de votação do projeto na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Entre os projetos de lei de autoria do vereador, esse é o próximo a ser incluído em pauta para votação.
Os dispute boards são um meio de prevenção e resolução de disputas mediante o qual as partes instituem, no início da relação contratual ou durante seu ínterim, um comitê de profissionais, independentes e imparciais, formado por um ou mais membros, que tem como função prevenir e solucionar conflitos que surgem entre as partes durante a execução do contrato[1].
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
No Brasil, o referido método tem se demonstrado extremamente vantajoso para determinadas disputas, em detrimento da arbitragem e do Poder Judiciário. Foi utilizado em grandes projetos de construção, a exemplo:
- dos contratos administrativos relativos à expansão do sistema de metrô da cidade de São Paulo;
- da parceria público-privada para a construção do Complexo Criminal de Ribeirão das Neves em Belo Horizonte;
- dos contratos firmados para construção e reforma dos estádios para a Copa do Mundo de 2014;
- na parceria público-privada da Rodovia MG-050;
- na parceria público-privada da Arena Nova em Salvador;
- nos contratos para construção do Trecho Norte do Rodoanel em São Paulo; e
- no aeroporto de São Gonçalo do Amarante em Pernambuco.
Já existem leis municipais e estaduais em outras regiões no Brasil sobre o tema (v.g. Lei Municipal 16.873/2018 de São Paulo, Lei Municipal 11.241/2020 de Belo Horizonte, Lei Municipal 12.810/2021 de Porto Alegre, Lei Estadual 15.812/2022 do Rio Grande do Sul, etc.), mas nenhuma no Rio de Janeiro até o momento.
Diversas câmaras de arbitragem e mediação, por sua vez, já incluíram os dispute boards em seus regulamentos para uso entre as partes, a exemplo da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMA), Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem (CIESP-FIESP), Câmara de Comércio Internacional (CCI) e Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES).
A Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021) incluiu expressamente, em seu artigos 151 e 154, os dispute boards como método de resolução de conflitos para disputas envolvendo as contratações da referida lei, o que demonstra que o legislador federal buscou incentivar o uso de tal mecanismo no Brasil.
Apesar disso, é inegável que a existência de uma lei municipal regulamentando os dispute boards irá trazer mais segurança jurídica e conforto para a Administração Pública utilizá-los, bem como difundir seu uso no Rio de Janeiro. Assim como a arbitragem e a mediação possuem lei própria, e tiveram seu desenvolvimento e aumento de número de casos em decorrência de sua regulamentação legislativa, espera-se que o mesmo ocorra para os dispute boards, seja em âmbito municipal ou federal.
É que, embora o Brasil tenha incorporado certas características do sistema da common law nos últimos anos – a exemplo da incorporação do sistema de precedentes no Código de Processo Civil de 2015 –, o país ainda é adepto ao sistema da civil law, de modo que a lei é a principal fonte normativa do ordenamento jurídico, sendo vista como o elemento central para o regulamento e aprimoramento de qualquer método adequado de resolução de conflito.
A primeira grande vantagem do dispute board é que ele auxilia as partes a manterem o cronograma e o orçamento inicial da obra. O board, na sua dinâmica mais tradicional, acompanha toda a execução do contrato, funcionando como uma importante ferramenta de gestão contratual.
Para além de emitir decisões, o comitê realiza um trabalho pacificador, ao auxiliar as partes a compreenderem as dificuldades da execução contratual por meio do diálogo constante. Isso reduz significativamente os conflitos que demandam efetivamente uma decisão vinculante do comitê. Consequentemente, ganha-se tempo e reduz-se custos.
Ademais, os integrantes do comitê – pela experiência internacional, comumente formado por dois engenheiros e um advogado – são especialistas na matéria objeto do contrato, tanto o aspecto técnico como o jurídico, além de terem familiaridade com as condições do contrato e os responsáveis por sua execução, o que favorece a prolação de decisões qualificadas.
A terceira vantagem, por fim, são os custos inerentes ao dispute board. Dados do Dispute Board Foundation demonstram que o custo de um conflito resolvido por dispute board é em torno de 0,05% a 0,25% do custo final da obra, o que corresponde a uma despesa baixa, caso comparado, por exemplo, à arbitragem.
Similarmente às leis previstas nos demais estados e municípios, o projeto de lei do município do Rio de Janeiro é propositalmente curto, com apenas 11 dispositivos legais. De todo modo, conforme previsto no artigo 10, a ideia é que as disposições da futura lei sejam regulamentadas posteriormente por decreto do Poder Executivo Municipal.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
O avanço do Projeto de Lei Complementar 165/2014 representa um marco significativo para o cenário jurídico e contratual do Rio de Janeiro, promovendo um ambiente de maior previsibilidade, eficiência e segurança jurídica na gestão de contratos administrativos.
A regulamentação dos dispute boards não apenas irá fomentar a adoção desse mecanismo inovador, mas também estimular uma cultura de resolução consensual de conflitos, alinhada às melhores práticas internacionais.
Com a esperada aprovação final na Câmara Municipal, o Rio de Janeiro se junta a outras cidades e estados brasileiros na modernização de sua legislação, contribuindo para a melhoria da Administração Pública e da infraestrutura local. A iniciativa reforça a importância de mecanismos alternativos de solução de disputas, beneficiando tanto a Administração Pública quanto os contratantes privados, ao minimizar litígios demorados e dispendiosos.
[1] MELLO, Felipe Varela. Dispute Boards: meio de prevenção e resolução de disputas. São Paulo: Quartier Latin, 2023. p. 66.