As medidas explícitas de política industrial chegaram a 2.000 nos últimos anos, consolidando a tendência impulsionada pelas crises do capitalismo central desde 2008, o “efeito China” que concentra metade da produção mundial e a crise pandêmica que reforçou o movimento de reshoring.
Mazzucato (2021) repaginou a importância de vincular os objetivos da política industrial à solução de grandes e complexos problemas nacionais, com a deterioração ambiental, o envelhecimento populacional ou a transição digital. Essa abordagem, conhecida como Mission Oriented Industrial Policy (MOIP), vem orientando a ação de muitos países.
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Em estudo recente, Wieser et al (2025) apontam diversas adaptações necessárias para o amadurecimento desta abordagem em políticas públicas. A primeira é o desenvolvimento de uma teoria do programa sobre o tema. O estudo propõe uma Teoria do Programa integrada, baseada nas experiências das cinco missões da União Europeia (clima, combate ao câncer, solos, oceanos e cidades).
A proposta estrutura-se em quatro campos de ação: formulação e promoção da missão, construção de capacidades no setor público, experimentação bottom-up e escalonamento/integração de soluções. Essa abordagem busca guiar como as MOIPs devem operar para enfrentar desafios sociais complexos. O estudo propõe enfatizar a importância da flexibilidade, aprendizagem e adaptação. A implementação de MOIPs exige abordagens dinâmicas, que se ajustem continuamente ao contexto. A teoria da ação não pressupõe uma sequência linear de políticas, mas destaca a importância de ciclos de feedback, monitoramento constante e ajustes estratégicos, inclusive reconfigurações das próprias missões quando necessário.
Outro destaque vai para o papel do setor público e da coordenação interinstitucional. O sucesso das missões depende da capacidade do setor público de coordenar ações entre diferentes níveis e esferas de governo, de desenvolver estruturas de governança ágeis, e de garantir recursos humanos e financeiros adequados. A falta dessas capacidades foi apontada como uma das principais fragilidades nas missões da UE. A complementação da teoria com evidências empíricas também é outra prioridade.
A abordagem original inspirada em Mazzucato foi enriquecida com elementos emergentes das experiências das missões, como: a necessidade de “buy-in político” de diversos órgãos governamentais, a relevância de narrativas claras sobre como a missão será atingida, e a valorização de soluções contextuais, não necessariamente inovadoras, mas adaptadas às realidades locais.
Finalmente há limitações, desafios e problemas de transferibilidade da abordagem. Os autores reconhecem que as MOIPs não são “kits prontos” aplicáveis em qualquer contexto. Sua eficácia depende de fatores como: o tipo de desafio enfrentado (mais técnico ou controverso), o grau de ambição da missão, e as capacidades institucionais existentes.
Também se aponta a limitação das abordagens centradas apenas na criação de mercados, sugerindo que mecanismos de desestabilização de práticas estabelecidas são essenciais para promover transformações sistêmicas.
Na realidade brasileira essas limitações são potencializadas, dada a fragmentação do Estado, as dificuldades de coordenação entre as agências públicas, a baixa capacidade estatal em planejamento, monitoramento e avaliação e a tradição de captura privada do processo decisório público.
A seguir uma lista não exaustiva das (poucas) missões em países selecionados. Temas associados à transição digital e ambiental são comuns a todos eles.
Estados Unidos
As estratégias industriais norte-americanas estão ancoradas em programas como o CHIPS Act, o Inflation Reduction Act, e agências como a DARPA e ARPA-E. As principais missões são:
- Soberania tecnológica em semicondutores.
- Descarbonização econômica: investimentos em energia limpa, hidrogênio verde e veículos elétricos.
- Segurança nacional e liderança em IA e computação quântica.
- Avanços em saúde e biotecnologia: foco em produção nacional de vacinas e terapias.
- Resiliência de cadeias de suprimentos críticas.
China
A China vem implementando estratégias industriais robustas como o Made in China 2025 e seus planos quinquenais. As principais prioridades incluem:
- Autossuficiência tecnológica: ênfase em semicondutores, 5G/6G e inteligência artificial.
- Transformação verde: uso de energias renováveis e ampliação da frota de veículos elétricos.
- Modernização industrial: com foco em robótica, aeroespacial e biotecnologia.
- Segurança alimentar e energética.
- Liderança em tecnologias estratégicas.
Japão
Com políticas como a Green Growth Strategy e o conceito Society 5.0, o Japão foca em:
- Neutralidade de carbono até 2050.
- Cidades inteligentes e conectadas.
- Robótica e automação para lidar com o envelhecimento populacional.
- Digitalização transversal da economia.
- Mobilidade sustentável e autônoma.
França
O plano France 2030 e a iniciativa Nouvelle France Industrielle visam transformar setores industriais por meio de inovação:
- Descarbonização da indústria.
- Produção de veículos elétricos acessíveis.
- Transformação sustentável do setor agroalimentar.
- Soberania em IA, nuvem e tecnologias digitais.
- Saúde do futuro e bioprodução avançada.
Reino Unido
A estratégia industrial britânica é liderada pela UK Industrial Strategy e iniciativas da Innovate UK:
- Descarbonização dos transportes e da energia.
- Tecnologia voltada ao envelhecimento saudável.
- IA confiável e economia de dados.
- Cidades limpas e seguras.
- Sustentabilidade e agricultura do futuro.
Alemanha
A política industrial alemã tem sido guiada por iniciativas como a High-Tech Strategy e o programa Industrie 4.0, focando em inovação tecnológica e modernização industrial. Suas missões principais incluem:
- Transição energética (Energiewende): prioriza a descarbonização, energias renováveis e eficiência energética.
- Mobilidade inteligente e sustentável: desenvolvimento de veículos elétricos e autônomos, com ênfase em infraestrutura digital.
- Saúde personalizada: integração entre biotecnologia e digitalização dos serviços de saúde.
- Digitalização da indústria (Indústria 4.0): uso de automação, inteligência artificial e IoT na manufatura.
- Segurança cibernética e soberania digital.
Índia
A Índia tem diversas estratégias industriais complementares.
A Make in India (2014) busca transformar o país em polo global de manufatura.
A Atmanirbhar Bharat (2020) almeja promover autossuficiência econômica, enquanto a Missão Nacional de Manufatura (2025-2026) prevê incentivos para MPMEs, tecnologia e manufatura limpa.
Também se destacam iniciativas como:
- PLI (Production Linked Incentives): para impulsionar a produção nacional.
- Missão de Hidrogênio Verde (2023).
- Desenvolvimento de corredores industriais.
África do Sul
A política industrial da África do Sul busca crescimento sustentável e redução de desigualdades. Suas missões são:
- Beneficiamento de recursos minerais.
- Transição para energias renováveis.
- Indústria automotiva de veículos elétricos.
- Fortalecimento de PMEs.
- Modernização da infraestrutura nacional.
- Promoção de tecnologias avançadas e IA.
México
O Plan México (2025-2030) pretende posicionar o país entre as dez maiores economias do mundo. Os principais eixos são:
- Atração de US$ 277 bilhões em investimentos em setores-chave.
- Criação de 1,5 milhão de empregos em manufatura especializada.
- Substituição de importações, especialmente asiáticas.
- Incentivos fiscais e apoio à inovação.
- Infraestrutura logística.
- Energia renovável: 45% da matriz até 2030.
- Semicondutores e projetos como o Corredor Interoceânico.
- Projeto Olinia: veículos elétricos urbanos acessíveis.
Brasil
A política Nova Indústria Brasil (2024-2033) define seis missões para o fortalecimento industrial:
- Agroindústria sustentável e digital: foco em rastreabilidade, bioinsumos e agricultura de baixo carbono.
- Complexo da saúde resiliente e universal: nacionalização de vacinas, medicamentos e insumos.
- Infraestrutura sustentável: mobilidade urbana verde, saneamento e conectividade.
- Transformação digital industrial: digitalização e Indústria 4.0 para MPMEs.
- Bioeconomia e segurança energética: hidrogênio verde, biocombustíveis e economia circular.
- Tecnologias estratégicas: IA, semicondutores, defesa e telecomunicações.
Evenett,S., Jakubik, A., Martín, F., Ruta. R. (2024). The Return of Industrial Policy in Data WP/24/1 IMF Working Paper.
De Toni, J. e Hitner, V. (2024) O caminho tortuoso da política industrial brasileiro no século XXI. In Neoindustrialização Brasileira, Sergio Velho (org.), Editora Blucher.
Mazzucato, M., e Rodrik, D. (2023). Industrial Policy with Conditionalities: A Taxonomy and Sample Cases. (Working paper WP 2023/07). IIPP. Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/publications/2023/oct/industrial-policy-conditionalities-taxonomy-and-sample-cases
Mazzucato, M. (2021). Mission economy: A moonshot guide to changing capitalism. London, UK: Penguin Allen Lane.
Wieser, H., Kofler, J., Janssen, M., Reid, A., Angelis, J., Griniece, E. Kaufmann, P. (2025). How do mission-oriented innovation policies work? A theory of action derived from the EU missions (April 02, 2025). https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=5201630