O governo brasileiro assiste com certa perplexidade aos desdobramentos da guerra comercial americana. Mantém a cautela, caminho que escolheu desde o início deste confuso e brutal processo de tarifaço, enquanto tenta avaliar com os elementos do momento o quadro geral e as respostas das outras nações. A ordem na Esplanada dos Ministérios é “viver um dia de cada vez”, como explicou uma fonte ao JOTA.
Sem conseguir medir o impacto comercial de fato sobre a balança, dadas as muitas idas e vindas tarifárias, a equipe de Lula tenta prever os efeitos para a economia global e respectivas consequências para a economia nacional às vésperas de uma eleição que promete ser disputada. A avaliação geral é a de que o mundo está prestes a enfrentar uma retração. E, é claro, isso afeta o Brasil pré-2026 e justifica o cuidado com uso da palavra retaliação, que poderia prejudicar ainda mais o cenário doméstico.
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Do ponto de vista tarifário, o governo segue negociando com os americanos. Nova rodada de discussões técnicas está prevista para esta quinta-feira. A pauta começa por aço e alumínio. Há algumas semanas, quando aconteceram as primeiras reuniões, o JOTA antecipou que o lado brasileiro não havia desistido das cotas para o setor que embarcou 67,78% do que exportou no primeiro trimestre do ano para os EUA. Foram US$ 3,2 bilhões, ou 47,54% das receitas de exportações do segmento. Ainda não se jogou a toalha, mesmo com o cenário confuso, ou exatamente por causa dele. Pode ser que só isto já seja visto como grande conquista. Os EUA precisam do aço brasileiro e têm superávit comercial com o Brasil.
Mas o Brasil também tentará acordos em outras frentes. Vai discutir barreiras não tarifárias e até tarifárias com os americanos. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, disse que mesmo os 10% são inaceitáveis no Mato Grosso do Sul, onde participou da inauguração de nova planta de celulose da Arauco. Trump afirmou estar disposto a fazer acordo com todos os países que o procuraram, a China inclusive. A ver. Mas se o Brasil diminuir tarifas para os americanos, em princípio o fará para todo mundo. É o que prevê a cláusula da nação mais favorecida da Organização Mundial de Comércio (OMC), que o país pretende observar.
Há um outro desdobramento comercial importante desta quarta-feira. A vantagem comparativa que o governo chegou a ver na taxação de 10% para os produtos brasileiros — o menor nível aplicado no “liberation day” — acabou. Alckmin voltou a mencioná-la quase que com mesmo tempo em que Trump anunciava as novas mudanças. Pelo menos pelos próximos 90 dias, aquela tabela de tarifas altíssimas diferenciadas entre as nações está suspensa. Ou seja, vão ser os mesmos 10% para todos aqueles que ainda não retaliaram os EUA. O Brasil entre eles.
O retrato da reviravolta na guerra comercial de Trump oferece muitas leituras importantes. Uma delas é o evidente recuo do americano diante do endurecimento chinês. A China parece estar mais preparada para encarar esta disputa do que o contrário e já mostrou que vai usar artilharia pesada. Além de aumentar para 84% a taxação sobre os EUA, vendeu um montante recorde de títulos do governo americano que mantinha em suas reservas.
Em seu livro Art of the deal, Trump e seu ghost writer deixam clara a técnica do bullying. É preciso estar disposto a deixar a mesa de negociações para obter os resultados desejados. Ele testa o limite do adversário. Mas quem viveu na China sabe que não há nada pior para um chinês do que “perder a face”. É humilhação suprema. Isso posto, entende-se por que Pequim afirmou na terça-feira, enquanto Trump esperava um recuo na retaliação de 34% após seu ultimato, que “lutaria até o fim”. E mostra que a segunda maior economia do mundo está muito mais para A arte da guerra, de Sun Tzu, que destaca a necessidade de se conhecer o inimigo.
Isto é briga de cachorro grande, que terá desdobramentos sobre o arranjo da geopolítica. É isso que tem causado o pânico nos mercados. Na terça-feira, a União Europeia (UE) e a China ensaiaram uma aproximação para lidar com esta crise tarifária global. Não há nada de muito concreto ainda. Mas especialistas já começam a antever um acordo de cavalheiros. Pelo menos até onde for do interesse de ambos, ou até o momento em que Trump for contido em seus arroubos de última hora. Falou-se até em um mecanismo de monitoramento de desvio de comércio, também sem maiores detalhes, mas que fez pensar no mundo do comércio administrado da década de 1980. Até a posse do Republicano a aproximação era impensável, assim como a realidade que o mundo tem vivido.
Impensável até mesmo para grandes apoiadores de Trump, que como o bilionário Bill Ackman, começaram a se rebelar.