Diplomacia e direito internacional em tempos de colapso

Algumas semanas após Donald Trump e JD Vance exporem Volodymyr Zelensky a um constrangimento político na Casa Branca, líderes europeus se reuniram para discutir como manter o apoio à Ucrânia. Após Trump anunciar novas tarifas em 2 abril de 2025 – o “Dia da Libertação” –representantes de ao menos 50 países ativaram seus canais diplomáticos com Washington para tentar conter os danos.

Esses episódios ilustram uma tendência mais profunda: o colapso gradual do sistema internacional baseado em regras — onde acordos eram cumpridos, instituições multilaterais tinham legitimidade e a previsibilidade era a norma. 

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Hoje, esse cenário dá lugar a um ambiente instável, fragmentado e cada vez mais transacional. O sistema internacional fundado após 1945 está em processo de rápida desintegração. O resultado é um mundo menos previsível, mais perigoso e onde o direito internacional perde tração — ainda que não sua relevância.

Embora possa parecer contraintuitivo, a diplomacia ganha nova centralidade nesse ambiente de instabilidade.

Em um sistema estável, no qual acordos internacionais são respeitados e o multilateralismo é valorizado, advogados e burocratas têm mais trabalho do que diplomatas. São os advogados — e não os diplomatas — que avaliam se contratos de investimento ou operações comerciais estão em conformidade com normas estabelecidas. São os burocratas — e não os diplomatas — que verificam se regras de origem seguem os tratados previamente assinados. São também eles que coordenam a emissão de licenças de exportação e monitoram barreiras técnicas ao comércio. São técnicos especializados que asseguram o cumprimento de cláusulas ambientais e regulam subsídios conforme as normas da OMC e de acordos regionais.

Essa previsibilidade institucionalizada permite que empresas e governos se apoiem em sistemas de compliance e estruturas jurídicas para proteger seus interesses. E, em caso de descumprimento, há painéis na OMC, tribunais arbitrais e outros mecanismos de resolução de disputas.

Mas o que acontece quando potências passam a desmontar os mecanismos que elas mesmos ajudaram a construir? Os caminhos jurídicos e institucionais perdem força. De que adianta acionar um painel da OMC se o país demandado já não reconhece sua autoridade? Por que recorrer a um processo internacional se o outro lado já anunciou que vai ignorar a decisão? A lógica se transforma. A previsibilidade dá lugar à incerteza.

Nesse contexto de erosão do multilateralismo e de imprevisibilidade, os diplomatas se mantêm como figuras centrais — como agentes de contenção de danos, renegociação e preservação mínima da cooperação internacional.

A experiência do Brexit é emblemática. Por anos, a relação entre Reino Unido e União Europeia foi administrada por advogados e burocratas, com base em normas e rotinas compartilhadas. Desde a saída britânica do bloco, diplomatas britânicos passaram a exercer um papel mais central na reorganização da política externa do país e na manutenção das relações com outros países europeus, substituindo a atuação das burocracias do governo britânico e da União Europeia.

Outro exemplo vem do México. Durante mais de duas décadas, o NAFTA foi mantido por burocracias técnicas e mecanismos de resolução de controvérsias. Quando Trump decidiu renegociar tudo em 2018, quem assumiu a linha de frente foram os diplomatas. Ainda que com muito menos recursos que os Estados Unidos, o México conseguiu um bom acordo – combinando a experiência acumulada nas negociações da Parceria Transpacífica (TPP) com uma intensa atividade de lobby nos Estados Unidos. O resultado foi o USMCA (T-MEC, em espanhol), que, apesar das mudanças, preservou a espinha dorsal da integração. O atual governo liderado por Claudia Sheinbaum tem sido igualmente hábil em administrar as relações com Trump. 

À medida que se intensifica o abandono de normas internacionais, o mundo torna-se menos jurídico e mais político, menos institucional e mais transacional. Para lidar com esse novo cenário, são necessários diplomatas capazes de improvisar, lidar com ambiguidades e criar soluções em contextos voláteis.

Isso não significa renunciar a princípios ou aderir ao jogo da imprevisibilidade. Significa reconhecer que a diplomacia precisa se adaptar para atuar em um ambiente onde os canais tradicionais já não funcionam como antes.

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Ainda assim, o direito internacional — especialmente seus princípios mais fundamentais, como os consagrados nas normas de jus cogens (proibição da tortura, da agressão militar, do genocídio, entre outros) — precisa resistir. Mas essa resistência não virá apenas dos tribunais ou das cúpulas multilaterais. Ela dependerá da persistência de comunidades jurídicas, diplomáticas, acadêmicas e de ativistas que continuem a reafirmar que há normas que não se dobram.

Em um mundo de incertezas, quem mantém pontes não são apenas os que interpretam regras, mas sobretudo aqueles capazes de defendê-las — e de negociar novas — quando tudo parece desmoronar.

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