O advogado que sabe dizer não

O fluir do tempo nos traz inúmeras vantagens e, a mais importante delas, é a de que ele passa e nós ficamos. Isso implica não só a inveja que ele sente de nós, mas também o aprendizado que as idas e vindas dessa dança nos traz. Assim se dá na vida e, também, na profissão de advogadas e advogados. 

Depois da formatura, quem nos ensina a advogar é o tempo passado na prática da advocacia e suas lições contraintuitivas. Se estudamos numa faculdade que priorize a litigiosidade (com aulas dos hoje já antigos processo civil e penal), é espontâneo que a consulta de um potencial cliente faça com que pensemos mecanicamente na ação a ser ajuizada.

Porém, cada vez menos a resposta litigiosa é a que o cliente necessita ouvir. Mesmo porque a advocacia carrega consigo imensos deveres éticos, decorrentes também da exclusividade da profissão jurídica.

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Afinal, se uma coisa permaneceu estável no cenário de constantes alterações da nossa profissão, é o fato de que o exercício da advocacia persiste exclusivo dos inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Ninguém além de nós pode dar consultas ou propor soluções em situações que demandem conhecimento jurídico.

Por isso, precisamos ficar atentos à responsabilidade que esse privilégio carrega consigo: advogadas e advogados exercem função de interesse público. Prestam serviços privados com caráter que transcende os seus interesses pessoais. Exatamente por isso, devem atuar com independência técnica e integridade ética.

Na justa medida em que o advogado atua sempre na defesa dos interesses de seus clientes (e não de si próprio), a advocacia exige atenção ao que diz a lei, além de formação constante e discernimento maduro. Supõe preparo técnico, mas também disposição para contrariar interesses imediatos em nome da responsabilidade institucional. Requer, sobretudo, a capacidade de proteger o cliente de seus próprios impulsos e de fazer, com firmeza e elegância, aquilo que se espera de um bom advogado: orientá-lo, inclusive quando for necessário dizer não. 

A marcha do tempo me fez saber que, muitas vezes, advogado bom é o que diz não para o cliente. Não a demandas irresponsáveis; não a jeitinhos; não a vinganças pessoais ou aventuras por meio do processo judicial. A boa advocacia não é uma loteria, mas é aquela que sabe recusar atalhos e não se rende a argumentos de que “o mercado exige” ou de que “o concorrente fez assim”. Que não terceiriza convicções nem se omite diante de ilegalidades disfarçadas de inovação.

Advogado bom é o que entende o seu papel, domina a técnica e, quando necessário, nega o que não deve ser feito — mesmo que isso custe a simpatia momentânea do cliente. Mais: atualmente, a boa advocacia é aquela que valoriza o consenso e potenciais soluções amigáveis, as únicas que produzem resultados em que ambas as partes vencem.

Hoje experimentamos a multiplicação de meios, mecanismos e ambientes de atuação da advocacia. Todavia, isso não reduz a exigência ética de defender, sempre e irrestritamente, os direitos do cliente nos exatos termos da legislação. A complexidade das causas, temas e instâncias só faz crescer o número de decisões que exigem ponderação ética. Eventual pressão por resultados imediatos não pode amplificar a tentação de associar-se ao cliente em riscos extravagantes nem de endossar estruturas frágeis em nome de uma solução supostamente eficiente.

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O gesto de dizer não, ou de propor soluções não-adversariais, é uma das notas que distingue o advogado que cumpre sua missão daquele que apenas ocupa um lugar. Há quem confunda ética com formalismo, ou cautela com fraqueza. Mas não é disso que se trata.

Trata-se, na verdade, de reconhecer que o verdadeiro valor do advogado está menos em viabilizar operações do que em impedir que elas aconteçam quando não devem acontecer. Trata-se de compreender que o interesse do cliente não se realiza a qualquer custo — e que a orientação técnica responsável é, quase sempre, o maior benefício que o cliente pode receber. Afinal, reitero: a mesma legislação que outorga às advogadas e aos advogados a exclusividade no exercício dessa profissão é aquela que devemos respeitar. Isso precisa ser levado muito a sério.

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