Justiça deve ser mais ser cuidadosa ao suspender execução de sentenças arbitrais, dizem especialistas

Temas desafiadores para a arbitragem no Brasil e no mundo, como a interação com o Poder Judiciário, o dever de revelação dos árbitros e o fortalecimento das decisões tomadas nas câmaras arbitrais, foram discutidos, na última quarta-feira (2/4), em Londres, em evento especial organizado pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr).

Embora a atuação dos tribunais, tal como a solidez dos marcos legais no Brasil, em linha com as boas práticas internacionais, tenham sido destacados, os participantes do encontro apontaram preocupações quanto ao aperfeiçoamento do sistema e com os riscos associados ao uso progressivo de instrumentos que prejudicam a execução das decisões.

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Expoente da arbitragem internacional, o professor Loukas Mistelis, sócio do escritório Clyde & Co, de Londres, que sediou o debate, fez um balanço das interações da Justiça com o sistema de arbitragem em várias partes do mundo. Ao estabelecer comparações sobre a abordagem de cada nação, apontou diferenças entre o modelo inglês e o francês, passando pelo alemão, com suas câmaras especializadas, chegando à América do Sul, onde destacou, por exemplo, o caso da Colômbia, em que a análise final pode recair sobre tribunais com perfil mais político, como o Tribunal Constitucional.

Questionado sobre como vê a possibilidade de mudança de sede da arbitragem quando, em casos de longa duração, são impetrados constantes recursos por uma das partes no sentido de interromper a execução das sentenças arbitrais, Mistelis afirmou que isso é possível, diante de uma análise tática das implicações.

“Isso implica que a mudança de sede significa uma chance maior de executar a sentença ou evitar anular os procedimentos, correto? Ou pelo menos atingir o objetivo de ter uma sentença vinculativa, uma sentença que seja executável no futuro. Acho que pode haver casos. Há um elemento de avaliação que requer um tratamento tático das implicações”, disse Mistelis.

Prazos adequados para fortalecer credibilidade

Já a advogada Munia El Harti Alonso, do escritório lus + Aequitas Trial, também discutiu a possibilidade de mudança de sede da arbitragem, o arcabouço de normas que dá suporte a essa decisão, bem como a forma pela qual a Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês) acompanha o assunto. Ela apontou ainda a relevância do cumprimento da decisão arbitral em prazo adequado como mecanismo decisivo para fortalecer a credibilidade do sistema.

Na avaliação da especialista, o Judiciário demonstra estar suficientemente preparado para proteger as decisões arbitrais. No entanto, ponderou que é preciso cautela diante da apresentação de ações judiciais com o o objetivo de suspender os efeitos da arbitragem.

“Acredito que os tribunais, especialmente os tribunais brasileiros, precisam ser mais cuidadosos em relação à concessão de liminares para suspender a execução da sentença arbitral. Discutimos aqui previsibilidade. E se você observar a Convenção de Nova York, o Artigo 5 só permite que a execução não seja concedida se a sentença for anulada. Então, isso significa que não deveríamos ter a suspensão da sentença”, afirmou Alonso.

Dados divulgados em março, durante o ICC Brazilian Arbitration Day 2025, apontam que o Brasil retomou a vice-liderança no ranking global de arbitragem, atrás apenas dos Estados Unidos, com 156 partes brasileiras, 10 a menos que os EUA. Levantamento da professora Selma Lemes, referência na arbitragem brasileira, mostra que os litígios societários são os mais recorrentes, com a consolidação da arbitragem como regra em estatutos de companhias abertas, especialmente em níveis mais altos de governança.

Paulo Nasser, sócio do M Nasser Advocacia Estratégica, avalia que a execução em prazos adequados é fundamental para que a arbitragem cumpra seus objetivos de resolver a disputa com algo que seja executável. Ele pontua que já houve casos em que as partes passaram por uma arbitragem de dois ou três anos, e depois passaram mais cinco ou seis anos discutindo se a decisão arbitral era válida ou não.

“O simples fato de a sentença arbitral poder ser executada não é o perigo de dano, porque a gente tem um sistema jurisdicional que gerou uma decisão, e esse sistema gera uma decisão com uma presunção de validade. Então, desfazer essa presunção de validade, ainda que temporariamente, demanda uma cautela muito grande, sob pena de a gente ficar mais tempo numa demanda para anular a arbitragem e depois, ao final, se reconhecer que a sentença era válida”, avalia Nasser.

Ele defende que o Judiciário possa tomar medidas “bastante severas” contra a parte que se valeu do sistema judicial em abuso de direito e possa aplicar multas substanciais por litigância de má-fé pelo abuso do sistema.

“Nós temos no Brasil um Judiciário muito forte, muito desenvolvido e sofisticado que, muitas vezes, por cautela, acolhe algumas medidas de suspensão para examinar melhor o mérito da ação anulatória. O fato de ser um Judiciário muito cuidadoso não pode ser um elemento para que as partes abusem dessa cautela e proponham ações para que a execução da sentença arbitral demore anos para acontecer. Quando esse abuso é constatado, é muito importante que as cortes judiciais possam agir rápido e com bastante rigor contra quem abusa”, afirma o advogado.

O Observatório da Arbitragem demonstrou, em levantamento, que a possibilidade de anulação de uma sentença arbitral pela Justiça é de apenas 1,5%. O estudo analisou 289 ações que tramitam em varas especializadas em Direito Empresarial e Arbitragem na comarca de São Paulo, entre março de 2018 e novembro de 2022. Outra pesquisa, da FGV Justiça, coordenada pelo atual vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão, apontou que a Corte anulou integralmente, entre 2018 e 2023, 13,6% das sentenças arbitrais em sede de Recurso Especial (REsp). Em 7,9% dos julgamentos, o tribunal declarou a nulidade parcial.

O ex-presidente do CBAr André Abbud, sócio do BMA Advogados e diretor do Comitê de Arbitragem da International Bar Association (IBA), reforça que os levantamentos anuais produzidos pela professora Selma Lemes mostram que a arbitragem, em média, dura entre 18 e 24 meses, considerando as principais câmaras do país. No entanto, pontua que, quando ocorrem ações anulatórias após o fim da arbitragem, os prazos podem ser significativamente dilatados, sentido oposto a uma das principais causas da busca desse instrumento, justamente a busca de uma decisão técnica e rápida.

Dever de revelação

As discussões relacionadas ao dever de revelação do árbitro, e suas implicações para a declaração de um eventual conflito de interesse, igualmente tiveram destaque ao longo dos debate. Abbud explicou que importantes decisões estão previstas para a próxima semana, quando o ICC terá sua 9ª Conferência Europeia de Arbitragem Internacional, em Paris. Ele adverte que o encontro pode encaminhar mudanças com impacto direto no Brasil, como uma proposta para mudar o padrão de revelação de circunstâncias que possam gerar conflito de interesse.

Ele ressaltou que o Brasil levou um tempo significativo para consolidar o precedente mais importante sobre o tema, a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que fixou que a regra para revelação é diferente daquela que define a existência de um conflito de interesse, assim como ocorre em nível internacional. O ex-presidente do CBAr explicou que há grande expectativa quanto ao resultado das discussões sobre uma nova linguagem que será adotada nessa temática e de que forma essa leitura poderá aproximar o padrão de revelação ao de conflito de interesse, o que, em sua visão, seria prejudicial ao sistema.

“O fato de eu divulgar, de eu revelar que conheço você, não significa necessariamente que eu tenha um conflito de interesse para julgar uma causa de que você seja parte. Significa que esse é um fato que pode ser, sob uma perspectiva subjetiva das partes, relevante para avaliação da minha imparcialidade. Portanto ele deve ser revelado. Se ele gera ou não um conflito de interesse, é uma outra questão em que essa circunstância deve ser avaliada junto com todas as outras. Há quanto tempo a gente se conhece? Com que frequência a gente se encontra? Se existe uma outra relação, por exemplo, de dependência econômica, assim por diante”, explicou Abbud, que reforçou a avaliação positiva dos marcos regulatórios da arbitragem no Brasil.

O evento internacional, organizado pelo CBAr, também se dedicou a temas de impacto na Europa, como o desafio da arbitragem no contexto ESG, cuja regulação está em constante aprimoramento para ampliar o comprometimento de toda a cadeia de produção com uma agenda de governança ambientalmente sustentável, e reforçou a percepção de que o sistema de consolida também no setor público.

Flávio Spaccaquerche Barbosa, do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, reconheceu que, de tempos em tempos, surgem novos desafios para a arbitragem no Brasil e no mundo. Nesse sentido, entende como fundamental a atuação de todos os segmentos, dentro das limitações de suas atribuições, para o aperfeiçoamento do sistema.

“A arbitragem é muito sólida no Brasil e, sem duvidas, assim como em qualquer parte do mundo, há momentos mais desafiadores que passam. Com a ajuda do Judiciário e de todas as instituições, a arbitragem continuará sendo um mecanismo totalmente seguro de resoluções de disputas”, afirma o advogado.

* A reportagem viajou a convite de M Nasser Advocacia Estratégica

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