O juiz federal Itagiba Catta Pretta Neto, da 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), concedeu, nesta quarta-feira (2/4), uma liminar para suspender o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) para bares e restaurantes no Distrito Federal. A decisão atende um pedido da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), responsável por representar o setor. Para o magistrado, a retomada da cobrança dos tributos coloca em risco a sobrevivência econômica do bares e restaurantes.
A Abrasel combate na ação o ato declaratório da Receita Federal que deu por encerrado o benefício fiscal de alíquota zero sobre os tributos federais (PIS, Cofins, IRPJ e CSLL), a partir de abril de 2025. A associação argumenta que não foi observado o necessário respeito aos princípios da anterioridade nonagesimal (para contribuições sociais) e anual (para o IRPJ), conforme estabelecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
Na liminar, Catta Pretta Neto mantém o benefício até que seja esgotado o prazo de 60 meses previsto na Lei 14.148/2021, que estabelece a criação do Perse. Assim, a liminar do juiz suspende os efeitos do ato declaratório da Receita, no qual o órgão comunica que o benefício fiscal não poderia mais ser usufruído a partir de abril. “O benefício fiscal tem prazo certo (60 meses) e está condicionado a situações específicas, como o enquadramento da empresa em determinadas atividades do setor de eventos e a regularidade no Cadastur”, destacou o magistrado.
Caso haja descumprimento injustificado, o juiz fixou uma multa diária para a Receita Federal de R$ 2 mil, limitada a R$ 500 mil. Segundo ele, não foi observado o princípio que determina que o Fisco deve esperar um período para começar a cobrar um novo tributo ou aumentar seu valor, de 90 dias após a publicação da lei, para contribuições sociais e anual, para o Imposto de Renda (IR) de empresas.
“A cessação abrupta do benefício fiscal, com exigência dos tributos a partir de abril de 2025, implica ônus financeiro imediato e desproporcional às empresas representadas, muitas das quais ainda em recuperação dos efeitos da pandemia de Covid-19“, assinalou Catta Pretta Neto na decisão.
Ainda segundo o magistrado, conforme consolidado pelo STF nos REs 169.880 e 91.291, o benefício fiscal concedido por prazo certo e com condições específicas não pode ser revogado por norma posterior, por configurar direito adquirido. De acordo com Catta Pretta Neto, o próprio art. 178 do CTN exige que a revogação de isenções condicionadas e por prazo certo respeite os direitos já constituídos. “O ato coator, ao desconsiderar esses limites, afronta tanto a legalidade quanto a segurança jurídica”, ressaltou o juiz.
Procurada pelo JOTA, a Abrasel afirmou por meio de nota que “aproveitando a jurisprudência favorável, deve entrar com uma única ação em âmbito nacional para beneficiar seus associados em todo o país”. A expectativa, segundo a entidade, é que essa ação possa levar a um efeito cascata de decisões judiciais favoráveis.
O presidente da associação, Paulo Solmucci, ressaltou que a decisão judicial é um passo importante para garantir a continuidade do Perse e a sobrevivência dos bares e restaurantes que ainda enfrentam dificuldades econômicas decorrentes da pandemia. “Com essa liminar, conseguimos garantir que o programa continue em vigor com os benefícios fiscais até o prazo originalmente previsto, o final de 2027. No entanto, é importante destacar que essa vitória abrange apenas o Distrito Federal”, afirmou Solmucci.
A reportagem também procurou a Receita Federal, que não se manifestou até a publicação da matéria.
O processo tramita sob o número 1027337-87.2025.4.01.3400 no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Decisão deve aumentar demandas judiciais para retomada do Perse em todo o país
Para especialistas tributaristas ouvidos pelo JOTA, o encerramento abrupto do programa, comunicado em março pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, além de provocar uma busca inevitável pelo Judiciário por parte do setor, visando garantir a manutenção do benefício até meados de 2027, poderia indicar a fragilização da confiança legítima dos contribuintes e impor uma série de riscos relevantes a eles, sobretudo por alterar regras no curso da vigência do benefício fiscal.
“A decisão do magistrado é bastante positiva, porque ela enfrenta o principal argumento que os contribuintes têm levantado, que é a aplicação do artigo 178 do CTN, que é aquele que fala que os benefícios que são concedidos sob condição e com prazo certo têm que ser respeitados até o final do prazo. Eles não podem ser revogados pois são justamente onerosos”, afirma o advogado Maurício Barros, sócio da área tributária do Cescon Barrieu.
Com um cliente que já procurou a Justiça para continuar usufruindo do benefício, Barros acredita que há uma tendência de haver maior judicialização sobre o tema, visto que já existe no setor um movimento de empresas que querem buscar o Judiciário. “É uma questão que já era judicializada por outras razões e há uma tendência de essa judicialização aumentar agora”, afirma.
Considerando que o programa previa um prazo fixo de 60 meses, Caio César Morato, advogado no Rayes & Fagundes Advogados, ressalta que muitas empresas do setor de eventos realizaram a tomada de empréstimos e outras formas de se capitalizarem para honrar suas dívidas, tomando em conta tal prazo. A alteração desses prazos, segundo ele, pode colocar em risco a situação financeira dessas empresas tornando o programa de benefícios inócuo.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Tendo como base essa decisão liminar do juiz Itagiba Catta Pretta Neto e o que foi decidido pelo STF no Tema 1383 (RE 1.473.645), caso busquem a judicialização, Morato acredita que os contribuintes possuem ótimas chances de êxito, já com a obtenção também de liminar para que possam nesse momento seguir usufruindo do benefício, tendo em vista que possuem sólidos argumentos jurídicos e econômicos para conseguir tal feito.
Na avaliação de Mayra Tenório, advogada do /Asbz Advogados, concorda que a tendência de judicialização que já está em curso tende a se intensificar.
“Já se observa movimento crescente de judicialização, com empresas buscando a manutenção do benefício. As ações têm como objetivo assegurar o direito ao aproveitamento do Perse até março de 2027, conforme originalmente previsto, afastar as restrições impostas pela Lei 14.859/2024 e, eventualmente, recuperar valores pagos indevidamente após a revogação ou limitação do programa”, afirma.
Diego Diniz Ribeiro, sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, avalia que a retomada da cobrança de um mês para o outro, sem que haja um período de transição, pode trazer um problema de caixa para as empresas até então beneficiadas pelo programa.
Encerramento do Perse
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comunicou em 27 de março que o Perse acabaria definitivamente na última segunda-feira (31/3) e que não haveria até o momento quaisquer discussões ou negociações para que o programa fosse prorrogado ou retomado posteriormente. A justificativa para a extinção do benefício foi de que já se teria atingido os R$ 15 bilhões estipulados ao programa em 2024.
A informação de que o Perse seria extinto já em abril foi antecipada pelo secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, durante audiência na Comissão Mista de Orçamento da Câmara dos Deputados, em 12 de março.
Um relatório da Receita Federal de acompanhamento do programa, publicado em 21 de março pelo órgão fiscal, aponta o risco de as renúncias fiscais no âmbito do programa chegarem perto de R$ 17 bilhões, acima do limite legal de R$ 15 bilhões.
Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!
“Há que se destacar que os dados relativos a março/2025 serão plenamente conhecidos apenas em maio/2025, após o encerramento do prazo para entrega da Dirbi, que ocorre no vigésimo dia do segundo mês subsequente à competência. Portanto, se a fruição do benefício continuar até mai/2025, o limite estabelecido em Lei já terá sido superado por mais dois meses ou cerca de R$ 1,7 bilhão, alcançando R$ 16,71 bilhões ou 11,4% acima do limite estabelecido em Lei”, diz a nota técnica da Receita.
O Perse foi criado em 2021 pelo governo federal com o objetivo de auxiliar as empresas do setor de eventos a se recuperarem dos impactos econômicos causados pela pandemia de Covid-19. Instituído pela Lei 14.148/2021, o programa visava oferecer benefícios como redução de tributos federais, parcelamento de dívidas e outros incentivos fiscais.
Pela redação da norma, as alíquotas dos tributos federais IRPJ, CSLL, Cofins e contribuição para o PIS/Pasep) ficariam reduzidas a zero até o mês de dezembro de 2026, desde que fosse observado o teto de custo fiscal do programa.
Com a publicação da Lei 14.859, em maio de 2024, o governo federal inseriu um dispositivo para limitar o benefício tributário a um impacto fiscal máximo para os meses de abril de 2024 a dezembro de 2026 de R$ 15 bilhões, e reduziu os setores beneficiados, que passaram de 44 para 30.