A possibilidade de que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) possa regular os cartões de desconto tem gerado um debate que se intensificou desde 2024, quando a discussão sobre o assunto ganhou força no Poder Judiciário. A ação apresenta risco de impactos diretos para milhões de brasileiros e também para a dinâmica de um mercado essencial ao acesso a serviços diversos, incluindo a saúde. Sob uma perspectiva legal, é fundamental analisar a adequação dessa intervenção e seus potenciais impactos na segurança jurídica, na liberdade de escolha dos consumidores e na estrutura do setor.
A ANS tem como missão regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades que garantem a assistência suplementar à saúde no Brasil. O conceito de saúde suplementar, conforme definido na legislação, abrange empresas que asseguram cobertura assistencial em saúde. Já os cartões de desconto operam de forma distinta, oferecendo acesso, a preços reduzidos, a redes de serviços de diversos tipos, tais como de educação, lazer e, sim, saúde, mas sem a cobertura de risco assistencial.
Sob o prisma legal, é essencial diferenciar os cartões de desconto dos planos de saúde. Enquanto os planos de saúde exigem mensalidades e assumem a responsabilidade financeira pelos serviços prestados, os cartões de desconto atuam como intermediários entre pacientes e serviços privados, sem custeio direto dos atendimentos. O usuário paga uma taxa acessível para obter descontos, arcando integralmente com os custos dos procedimentos na rede conveniada.
Portanto, a tentativa da ANS de enquadrar os cartões de desconto na mesma categoria regulatória dos planos de saúde revela um equívoco conceitual. A própria agência reconhece que esses cartões não se enquadram na categoria de planos de saúde, pois não operam com assistência suplementar. Sendo assim, a imposição de regulação carece de fundamento legal e pode gerar distorções significativas.
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A ausência de regulação específica dos cartões de desconto pela ANS não implica um vácuo legal ou falta de proteção ao consumidor, argumento superficial muito comum entre os atores envolvidos neste debate. Pelo contrário, entidades como Procon, Ministério Público e órgãos sanitários já possuem mecanismos para fiscalizar e garantir a qualidade dos serviços prestados pelos cartões de desconto. A própria experiência do Cartão de TODOS, com mais de 20 anos de atuação e cerca de 20 milhões de filiados no país, demonstra a sustentabilidade desse modelo.
Voltando o olhar para uma perspectiva econômica, a regulação dos cartões de desconto pode trazer impactos negativos relevantes. Exigências burocráticas e financeiras adicionais aumentariam os custos operacionais das empresas, refletindo-se inevitavelmente em preços mais altos para os consumidores. Esse aumento prejudicaria, sobretudo, a população de baixa renda, que encontra nos cartões de desconto uma alternativa acessível para consultas e exames. Como consequência, assume-se o risco de um impacto na inclusão social e um aumento da pressão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), já sobrecarregado.
Ademais, a regulação pode reduzir a concorrência no setor, uma vez que pequenas e médias empresas poderiam não suportar as novas exigências, resultando na concentração de mercado nas mãos de grandes operadoras de planos de saúde. Essa menor concorrência poderia limitar a liberdade de escolha dos consumidores e impactar a qualidade dos serviços ofertados.
Vale ressaltar também que a ANS foi criada para regular a saúde suplementar, um setor distinto do modelo dos cartões de desconto. A tentativa de impor uma regulação inadequada pode prejudicar diretamente os consumidores, restringindo seu alcance a uma alternativa eficiente e acessível.
No momento em que se discute um novo marco regulatório para os planos de saúde, com a possibilidade de criação de planos ambulatoriais com cobertura limitada, a regulação dos cartões de desconto surge como uma medida que pode confundir ainda mais os consumidores e gerar insegurança jurídica.
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Diante desse cenário, fica claro que não cabe à ANS a regulação dos cartões de desconto, que operam de forma transparente, dentro da legislação vigente e sob fiscalização adequada. A regulação proposta pela agência não se sustenta sob uma análise jurídica criteriosa e pode causar prejuízos significativos aos consumidores e
ao sistema de saúde. É imprescindível garantir a segurança jurídica e a liberdade de escolha da população, preservando um modelo que tem se mostrado uma solução eficaz para milhões de brasileiros.