Um passo necessário: por que o Brasil precisa de uma lei sobre direitos humanos e empresas

Na semana em que São Paulo sedia o IX Fórum Regional das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos — principal espaço de diálogo multissetorial sobre o tema na América Latina e no Caribe —, o Brasil se vê diante de uma oportunidade estratégica: avançar na consolidação de um marco legal que estabeleça obrigações mais precisas às empresas no campo dos direitos humanos.

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Nas últimas décadas, o debate sobre a responsabilidade das empresas na proteção dos direitos humanos deixou de ser uma pauta restrita a especialistas, passando a ocupar lugar central em diversas agendas nacionais e internacionais. Desastres ambientais, violações a direitos trabalhistas, impactos sobre comunidades tradicionais e desigualdades estruturais tornaram-se episódios recorrentes associados à atuação empresarial — muitas vezes sem a devida responsabilização. 

Certamente, não se pode generalizar, mas é fato inconteste que muitas situações configuradoras de violações a direitos humanos têm na sua raiz atividades empresariais desenvolvidas em descompasso com os vetores fixados no artigo 170 da Constituição, que subordinam a atuação no mercado à valorização do trabalho humano, à dignidade da pessoa e à promoção da justiça socioambiental.

Nesse contexto, o Projeto de Lei 572/2022 surge como uma proposta inovadora e equilibrada, que busca enfrentar uma lacuna regulatória ainda presente no ordenamento jurídico brasileiro: a ausência de um marco normativo vinculante que estabeleça, de forma clara, obrigações jurídicas às empresas em matéria de direitos humanos.

O projeto, elaborado a partir de um amplo processo participativo envolvendo academia e sociedade civil, não pretende burocratizar a atividade empresarial. Ao contrário, busca oferecer segurança jurídica ao setor produtivo e previsibilidade para todos os envolvidos, a partir de regras coerentes com compromissos internacionais já assumidos pelo Brasil.

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Há tempos, o país se apoia em mecanismos voluntários para orientar a conduta empresarial. Embora tenham desempenhado papel relevante na construção da agenda global, esses instrumentos — como os Princípios Orientadores da ONU ou as Diretrizes da OCDE —, por sua própria natureza, carecem de mecanismos de monitoramento e de aplicação de sanções. O resultado é conhecido: violações graves continuam a ocorrer, muitas vezes sem reparação efetiva.

O PL 572/2022 avança ao reconhecer que empresas não apenas podem causar impactos sobre direitos humanos, e que, para além de um imperativo ético, devem ter obrigações jurídicas para preveni-los, mitigá-los e repará-los. Nesse sentido, o projeto incorpora a devida diligência em direitos humanos como dever legal, e não mais como compromisso facultativo. Também prevê mecanismos de responsabilização empresarial e fortalecimento do acesso à justiça para as vítimas.

O projeto se destaca por não importar modelos prontos, mas por buscar soluções adaptadas à realidade brasileira, como a figura da “centralidade do sofrimento da vítima” no processo de reparação, inspirada na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e nas experiências concretas de comunidades atingidas por grandes desastres. c

Importante frisar que o Brasil já foi responsabilizado internacionalmente em casos de violações cometidas por terceiros, como empresas, justamente por não ter mecanismos eficazes de prevenção e reparação. A aprovação do PL 572/2022 representa não apenas um avanço interno, mas uma resposta efetiva e responsável a essas obrigações.

Em tempos em que se discute o papel das empresas na construção de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável, o projeto representa uma chance concreta de transformar esse debate em ações concretas, estabelecendo regras claras que reforcem o compromisso do país com os direitos fundamentais e a justiça social.

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Proteger direitos e oferecer segurança jurídica não são caminhos opostos — são dimensões complementares de um mesmo esforço civilizatório. Nenhuma atividade econômica deve prosperar à custa de direitos fundamentais.

O enfrentamento das violações corporativas exige mais do que compromissos retóricos: é preciso consolidar obrigações jurídicas eficazes e justas. O PL 572/2022 representa esse passo adiante — necessário, possível e compatível com um modelo de desenvolvimento sustentável, em que dignidade e responsabilidade caminham lado a lado. 

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