Conta de luz no compasso da espera

O setor elétrico vive uma dualidade intrigante. De um lado, o otimismo com a recente abertura parcial do mercado livre de energia para 200 mil consumidores de média e alta tensão (Grupo A). De outro, o pessimismo decorrente de 30 anos de inércia que atrasam a abertura total do mercado de energia, cujo primeiro passo foi dado em 1995, com a promulgação da Lei 9.074 que introduziu a figura do consumidor livre. 

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Em janeiro deste ano, completou-se um ano da implementação da Portaria 50, que eliminou a barreira da potência mínima de energia para migrar ao ambiente livre. Segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), quase 27 mil consumidores aderiram ao modelo livre em 2024, dos quais 92% são empresas de pequeno e médio porte – um recorde histórico.

Esse sucesso, fruto de modernizações promovidas Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da preparação das distribuidoras para os desafios da migração, demonstra, ainda que em escala reduzida, a capacidade técnica para realizar mudanças significativas no mercado de energia.

Por outro lado, o dia 7 de julho de 2025 marcará os 30 anos da Lei 9.074 – pedra fundamental da criação do mercado livre de energia e da própria Aneel, agência reguladora do setor. Sob esta perspectiva, três décadas já se passaram e apenas 65 mil consumidores estão no ambiente livre –  o que equivale a 0,07% dos 89 milhões de consumidores de energia do país. E dentre esses, 41% aderiram ao ambiente livre apenas no ano passado. 

Essa estagnação institucional impede que milhões de brasileiros tenham acesso a uma escolha ampliada de energia. Residências e pequenos comércios (Grupo B), plugados na baixa tensão, aguardam uma ação do Congresso ou do Ministério de Minas e Energia (MME) que lhes permita essa liberdade de escolha da sua energia – algo já comum, há muitos anos, em toda Europa e nos Estados Unidos. 

Esse atraso é especialmente crítico no atual cenário de inflação e juros estratosféricos. Com a abertura do mercado, a redução estrutural dos custos de energia poderia beneficiar toda a economia. Dados da Abraceel (2022) apontam que a liberalização do mercado de energia para o grupo B geraria uma economia potencial de R$ 35,8 bilhões por ano na conta de luz, se comparado ao modelo regulado.

Tecnicamente, a abertura total do mercado não exigiria uma nova lei, bastaria uma portaria do MME. Contudo, a magnitude do setor elétrico, os interesses enraizados dos diversos players e o impacto social da mudança tornam esse caminho juridicamente arriscado e politicamente desafiador. 

No Congresso, a proposta de modernização do setor – iniciada com o PL 232, de 2016, e transformada no PL 414, de 2021 – está paralisada, o que reflete não só as dificuldades técnicas para debater um setor complexo, mas também as amarras burocráticas, a “jabutização” das leis que inibe os consensos e, principalmente, a falta de vontade política.

Esse desinteresse dos parlamentares se alimenta da invisibilidade do produto energia para o consumidor comum. Enquanto o preço da gasolina é sentido, debatido e protestado, a energia elétrica continua abstrata para a maioria dos brasileiros, que raramente entendem os detalhes de suas faturas – e muito menos o significado do mercado livre de energia. Essa lacuna de conhecimento inviabiliza a mobilização social tão necessária para pressionar por mudanças estruturais.

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A abertura para o Grupo A mostrou que a modernização é possível. Mas os 30 anos de espera para incluir o Grupo B revelam uma inércia que vai além dos desafios técnicos – trata-se, sobretudo, de uma questão política e cultural.

É necessária uma coordenação eficaz entre todos os atores, desde o Ministério de Minas e Energia, que ainda busca estruturar essa nova realidade com promessas não cumpridas, até a Aneel e a CCEE, que deveriam liderar o processo de abertura total. Enquanto isso, seguimos aguardando – como já nos acostumamos nas últimas três décadas.

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