Tribunais de Contas e o julgamento de prefeitos

O Supremo Tribunal Federal concluiu, há poucas semanas, o julgamento da ADPF 982/PR, no qual decidiu, por unanimidade, que os tribunais de contas têm competência para julgar as contas de gestão dos prefeitos desde que exerçam a função de ordenadores de despesa.

A ação havia sido interposta pela ATRICON-Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, com o objetivo de esclarecer a competência das Cortes de Contas após decisões judiciais terem anulado sanções aplicadas a prefeitos.

Na votação, o Supremo distinguiu as situações em que os chefes do Executivo atuam diretamente como responsáveis pelos gastos públicos, ou seja, quando eles autorizam e gerenciam despesas, reconhecendo aos Tribunais de Contas a competência para julgá-los diretamente, sem a necessidade de passar pelo crivo das Câmaras Municipais.

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Para entender melhor esse novo posicionamento, é necessário resgatar os regimes jurídicos a que estão submetidas as contas públicas.

Em 1999, a partir do julgamento da ADI 849/MT – que declarou inconstitucionalidade de norma que subtraía do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso a competência para julgar as contas da respectiva Assembleia do Estado – a doutrina diferenciou dois enquadramentos diferentes para a apreciação dos atos do Poder Executivo.

Por um lado, existem as chamadas contas de governo, cujo julgamento, nos termos dos artigos 71, I, e, 49, IX, da Constituição, cabe ao Poder Legislativo. Os vereadores são subsidiados por um parecer técnico expedido pelos Tribunais de Contas, e só podem rejeitá-lo por dois terços dos votos.

Nessa perspectiva, o Parlamento não escrutina atos isolados de despesa pública. A atenção recai sobre a dimensão global do planejamento patrimonial, orçamentário e financeiro, além de aspectos operacionais que permitem avaliar a efetividade das diretrizes políticas de programação, organização, direção e formulação das políticas públicas.

No caso concreto do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por exemplo, as contas de governo originam uma espécie processual denominada de “Contas de Prefeitura”, que finaliza seu rito com a emissão de um parecer, favorável ou desfavorável, aprovado pelos Conselheiros e, posteriormente, encaminhado às Câmaras Municipais, que julgarão os demonstrativos.

Em relação às contas de gestão é bom que se diga que o conceito não possui definição constitucional precisa. O STF, contudo, tem considerado, como no RE nº 848.826/CE, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que essas são as contas específicas dos ordenadores de despesa, submetidas ao julgamento exclusivo das Cortes de Contas, com fundamento no art. 71, II, da Constituição. Os parâmetros decisórios são essencialmente técnicos e avaliam um conjunto de atos de gestão financeira e administrativa que são consubstanciados em contas específicas a serem prestadas pelos responsáveis.

Podemos exemplificar as contas de gestão com as espécies processuais que cuidam, especificamente, de contratos administrativos, convênios e parcerias com o terceiro setor. Vale citar, inclusive, que na ADPF 982/PR considerou-se equivocada a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que invalidou decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que havia aplicado multa a um prefeito por irregularidades evidenciadas na prestação de contas de repasses públicos.

Portanto, nessa espécie, que reúne atos individualizados e relacionais de gestão financeira, os chefes do Poder Executivo estarão sujeitos ao julgamento das Cortes de Contas na qualidade de gestor, respondendo pela administração dos recursos públicos.

A realidade é que, sobretudo em pequenos municípios com quadro administrativo reduzido e simplificado, os prefeitos acabam assumindo a função de ordenador de despesa, responsabilizando-se, de modo direto e individual, pelos atos de dispêndio financeiro. Por essa razão, eles podem ser confrontados com normas legais e constitucionais e com paradigmas técnicos que haverão de subsidiar a decisão dos Tribunais de Contas, sem que seja necessário um julgamento político pela Câmara Municipal.

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Entretanto, o STF também deixou claro que tal decisão não afeta o direito do prefeito de concorrer às eleições. Ou seja, mesmo que o Tribunal de Contas aponte irregularidades e exija a devolução de valores, o gestor municipal só virá a se tornar inelegível se a Câmara dos Vereadores, ao analisar as contas de governo, também considerar a gestão irregular.

O entendimento explicitado pela Corte Constitucional é relevante por dois motivos. Primeiro, porque impede que prefeitos busquem escapar à sanção dos Tribunais de Contas, adotando a estratégia de assinar todos os atos municipais de ordenação de despesa. E, segundo, porque assegura a capacidade de o sistema de controle externo da administração pública de apenar e prevenir malfeitos, ainda que cometidos pelo Chefe do Executivo.

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