O efeito STF na sala de aula: ‘É menos passividade e mais engajamento’

Nos últimos anos, as instituições ganharam espaço e se tornaram protagonistas no ensino do Direito Constitucional. Ao JOTA, o professor Virgílio Afonso da Silva, da Universidade de São Paulo (USP), contou que quando era estudante, o Supremo Tribunal Federal (STF) praticamente não aparecia nas aulas de Direito Constitucional. Os alunos estudavam controle de constitucionalidade, claro, mas não passava disso.

“O STF tinha um papel marginal nas aulas de Direito Constitucional. Na verdade, em geral, discussão sobre instituições tinha um papel marginal”, avalia. “Hoje, o interesse é mais forte, isso faz com que, em alguns momentos, eu tenha que lidar com debates que talvez eu lidasse menos há 20 anos, há 15 anos, porque tinha um interesse menor na instituição”, diz.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas diariamente no seu email

Virgílio Afonso da Silva conta que um pouco depois de quando começou a dar aula, as decisões do STF sobre aborto de feto anencéfalo e sobre ações afirmativas em universidades já geravam debates acalorados. Mas algo mudou. “Eventualmente, hoje, depende de onde você está e com quem você conversa, o debate pode ser mais do que acalorado, ele pode ser agressivo. E acho que isso existia menos no passado”, avalia.

Com alguma frequência, o professor afirma que precisa descer em algumas minúcias para explicar o funcionamento do STF, explicar como determinadas coisas funcionam, se elas deveriam funcionar dessa forma, ou se, eventualmente, deveriam funcionar de outra forma. Um exemplo que ele cita é a indicação de ministro para a Corte. “Isso está no debate do dia a dia das pessoas, e há vinte anos não estava.”

Conheça o JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político e regulatório  que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas

Essa mudança, diz ele, fez com que as aulas também fossem pautadas em desmistificar preconceitos, discutir quais são as alternativas, como poderia ser diferente. “Isso para as pessoas perceberem que as coisas são muito mais complexas do que às vezes elas imaginam”, conta o professor, que aponta haver menos passividade e mais engajamento, mais interesse por parte dos alunos nestas questões.

O professor Virgílio Afonso da Silva é o penúltimo entrevistado da série do JOTA sobre os desafios de ensinar Direito Constitucional no Brasil atual.

A série explora com professores renomados como é o ensino e a formação dos futuros operadores do Direito, em um cenário onde a Constituição é não apenas um texto jurídico, mas também o campo de inúmeras disputas sociais.

Confira abaixo trechos da entrevista com o professor Virgílio Afonso da Silva, da USP. A íntegra está disponível no YouTube do JOTA. Inscreva-se no canal para acompanhar todas as onze entrevistas da série.

Para você, ensinar Direito Constitucional hoje está mais ou menos a mesma coisa que ensinar alguns anos atrás? 

Não sei se estou num oásis, mas a percepção que eu tenho de quase duas décadas de docência na USP, é que pouca coisa mudou de verdade no ensino, no meu dia a dia. É claro que tem uma mudança natural de tempo de docência, as pessoas mudam, o docente muda, os estudantes mudam, a gente aperfeiçoa coisas, mas, assim, no dia a dia com os estudantes, na recepção dos estudantes das aulas, na forma de interação que eu tenho com eles, eu não percebo grandes mudanças. Não sei, eu não quero exagerar um pouco esse oásis. Algumas mudanças que eu vejo, às vezes, são até para melhor, para ser bem sincero. 

Mas isso, de alguma forma, Virgílio, você vê uma grande diferença por esse engajamento maior em relação ao Supremo e a uma necessidade de explicar mais a Corte também para esses estudantes? Isso você acha que mudou do seu tempo de docência, você ter que falar mais do Supremo? 

Eu não acho que mudou. Eu sempre falei muito do Supremo para os estudantes, sempre discuti, até por razões, porque isso tem a ver com as pesquisas que eu faço, então eu sempre discuti muito a instituição, sempre discuti processo de nomeação, sempre discuti especialmente processo decisório. Então, isso sempre fez parte das minhas aulas. Se eu comparar com as aulas que eu tive quando eu era estudante, isso obviamente não fazia parte, o STF quase não fazia parte, mas é um pouco mais de tempo.

E talvez outras aulas que ocorressem na mesma época em que eu comecei a dar aula, talvez se ocupassem também menos com o processo decisório do STF, porque isso eventualmente não era parte dos interesses de pesquisa de cada um dos docentes. Mas como isso sempre foi parte dos meus interesses de pesquisa, então eu sempre discuti muito processo decisório, efeito de decisão, entre outras coisas. Então, nesse sentido, eu não acho que eu fale mais do STF hoje do que eu falava no início. Talvez um pouco mais porque tem mais discussão, ou seja, a discussão rende mais. 

Então, vou marcar aqui, Virgílio, uma diferença. Quando você estudou Direito Constitucional, na sua graduação, as aulas eram focadas em que mais especificamente? Porque a experiência que eu ouço dos seus colegas, de outras universidades, é que o Supremo era uma coisa lateral, era uma coisa que existia, evidentemente, mas se estudava essencialmente doutrina, e o Supremo era algo pontual quando havia ali um dissenso ou uma disputa. Era assim também no seu tempo? 

Era assim. Então, para a gente não ter vergonha de falar de idade aqui, na primeira metade da década de 1990 do milênio passado, do século passado, era assim. Então, o STF tinha um papel marginal nas aulas de Direito Constitucional. Na verdade, em geral, discussão sobre instituições tinha um papel marginal. É o que você falou, tinha muita doutrina, muita explicação baseada pura e simplesmente no texto da Constituição, jurisprudência não desempenhava nenhum papel, zero, eu como estudante não me lembro de ter lido decisões do STF. Então, o STF não tinha papel praticamente nenhum, a gente estudava controle de constitucionalidade, óbvio, e falava-se, que uma parte do controle de constitucionalidade é de responsabilidade do STF, controle concentrado, abstrato, por via de ação, e por aí vai, mas não passava disso. 

E é bem possível que, durante muito tempo, mesmo depois de eu já ter me formado, e mesmo, talvez, em outros cursos, não tenho como falar, paralelos na época em que eu já era professor, talvez isso ainda continuasse um pouco assim. Mas eu sempre tive muito interesse pelas instituições e pelo STF também, e pelo aquilo que o STF faz, significa e produz. Então, decisões do STF sempre tiveram, desde o primeiro dia de aula que eu dei na Faculdade de Direito da USP, sempre tiveram um papel importante. A gente discutia muito, toda semana, um tema baseado em decisões do STF. Então, talvez por isso, nesse aspecto, pelo menos, no aspecto da instituição Supremo Tribunal Federal, nas minhas aulas, tenha mudado pouco.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.