Propriedade intelectual e tecnologias quânticas

Em julho de 2021, na abertura da 32ª sessão do Comitê sobre Programa e Orçamento (PBC) da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o então recém-empossado diretor-geral da entidade, Daren Tang, declarou que adaptações do ecossistema de propriedade intelectual para a 4ª revolução industrial devem ir além de reflexões sobre a inteligência artificial: nossas atenções também precisariam se voltar para as tecnologias quânticas.

Em 2025, o convite feito por Tang parece se reforçar. Como definido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), estamos no Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas. O marco foi criado para elevar o grau de conscientização pública sobre a importância desse campo científico e tecnológico.

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A partir dessas inspirações, pretendo aqui mostrar algumas relações que venho investigando entre propriedade intelectual e tecnologias quânticas. Antes, porém, gostaria de explicar meu particular interesse no assunto: há 13 anos, passei em um concurso público para trabalhar com gestão de ciência, tecnologia e inovação no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

A oportunidade me apresentou um mundo incrível de assuntos de trabalho – algo quase esotérico para a jovem advogada que eu era. Em meio a investigações sobre a origem do universo, a composição da matéria e outras questões fundamentais, vi muitas inovações tecnológicas se desenvolverem, mas nenhuma me despertou mais curiosidade que as quânticas, por sua promessa de mudar o paradigma da computação.

Sabe aquela criptografia que usamos todos os dias para nos comunicarmos por mensagens eletrônicas? Seria facilmente quebrada pelo desenvolvimento da computação quântica. A velocidade de processamento do computador mais moderno comercializado hoje em dia não será comparável à rapidez de um computador quântico.

Pelo caráter disruptivo, o desenvolvimento de tecnologias quânticas vem recebendo investimentos pesados de companhias como Google, Microsoft, Intel, Toshiba e IBM. Para além da concorrência empresarial, vivemos uma corrida tecnológica global que envolve o posicionamento estratégico dos Estados nacionais, similar ao que ocorreu na corrida espacial durante a Guerra Fria.

Todo esse contexto me motivou a realizar uma pesquisa de doutorado para descobrir o reflexo da corrida quântica na propriedade intelectual. Concluído em 2018, o trabalho analisou o número de patentes em sensores, criptografia e computadores quânticos entre 2002 e 2016. No entanto, o dado mais impressionante que obtive foi o faturamento das revistas científicas de maior prestígio na área, baseado em direitos autorais.

Embora novos resultados de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico circulem amplamente em publicações de acesso aberto, a dinâmica da produção de conhecimento permanece fortemente centrada na avaliação por pares por meio de periódicos pagos (muito caros) sustentados pelo direito autoral.

Depois do doutorado, sigo acompanhando a escalada quântica na propriedade intelectual.

Em 2023, o Instituto Europeu de Patentes (EPO) publicou um relatório[1] indicando que, embora os números de pedidos de patentes ainda sejam relativamente baixos, o crescimento do campo da computação quântica é muito alto e claramente acima da média em relação ao aumento geral nos números de pedidos de patentes em todos os campos da tecnologia.

Em 2024, estudo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial da França[2] revelou o impressionante aumento no número de pedidos de patentes quânticas. Em comparação com outros setores de tecnologia, a computação quântica apresentou aumento de 2.000% de patentes entre 2013 e 2022.

Os Estados Unidos e a China dominam o campo, respondendo por 68% de pedidos. Ademais, duas tendências principais foram observadas nas pontas da cadeia de valor: por um lado, uma predominância de patentes relacionadas a hardware, constituindo a base fundamental da infraestrutura quântica.

De outro lado, um surgimento significativo de patentes orientadas para software quântico e suas aplicações. Ou seja: registros de programas de computador também figuram como um tipo de propriedade intelectual bastante impactado pela aceleração do desenvolvimento de tecnologias quânticas.

O estudo “Um retrato do cenário global de patentes em tecnologias quânticas”, publicado pelo Consórcio Europeu da Indústria Quântica (QuIC), em 2024[3], apontou uma média de crescimento anual de 35% de pedidos de patentes quânticas entre 2016 e 2021. Se considerarmos somente as patentes de computação quântica, o crescimento sobe para mais de 50%.

Levando-se em conta a expansão de direitos autorais, patentes e registros de programa de computador sobre o desenvolvimento tecnológico em informação e computação quânticas, o Brasil parece estar novamente diante de uma oportunidade interessante para se posicionar como um player relevante nessa fronteira de inovação.

A pesquisa acadêmica do país já apresenta um bom nível de amadurecimento no campo, apoiada por um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Informação Quântica bastante consolidado. Em contraste, ainda há pouca reflexão sobre como o ecossistema de propriedade intelectual está se preparando para as mudanças relacionadas que estão por vir.

No ensejo do Ano Internacional de Tecnologias Quânticas, façamos isso acontecer! Que venham debates, palestras, webinars, eventos, publicações e tudo mais que favoreça a inclusão do Brasil na nova era industrial.


[1] https://link.epo.org/web/epo_patent_insight_report-quantum_computing_en.pdf

[2] Publicado no portal do INPI França: < https://www.inpi.fr/en/l-informatique-quantique-dans-les-brevets-en-2024>.

[3] https://www.euroquic.org/wp-content/uploads/2024/03/QuIC-White-Paper-IPT-January-2024.pdf

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