Donos de clínica onde quase 70 pacientes foram resgatados são condenados por maus-tratos e cárcere privado


Operação policial fechou chácara onde funcionava a clínica para dependentes químicos, em Palmas. A defesa de Felipe Oliveira da Veiga Lobo Coliccihio e Tamara Maiara Batista Ferreira disse que vai recorrer da decisão. Operação resgatou pacientes em clínica de reabilitação
Kaliton Mota/TV Anhanguera
A Justiça condenou o casal Felipe Oliveira da Veiga Lobo Coliccihio e Tamara Maiara Batista Ferreira, de 38 anos, donos da clínica terapêutica que atendia dependentes químicos e pessoas com deficiência mental resgatados durante operação policial realizada em Palmas. Eles vão responder pelos crimes de maus-tratos, cárcere privado e até furto de energia elétrica.
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Para Felipe, a pena é de oito anos anos, nove meses e 21 dias de reclusão, além de dez dias-multa e um ano e 20 dias de detenção. Tamara terá que cumprir sete anos, 11 meses e dez dias de reclusão e dez dias-multa.
A defesa do casal informou que entende que a sentença condenatória não está de acordo com as provas incluídas no processo e que vai entrar com recurso contra a decisão (veja nota na íntegra no fim da reportagem).
A clínica funcionava na zona rural de Palmas. A operação que resgatou 68 pacientes ocorreu no dia 7 de fevereiro de 2024. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão após parentes de paciente denunciarem a suspeita de maus-tratos e falta de estrutura na clínica.
Na época, a Polícia Civil identificou que o espaço não tinha a documentação regularizada para atuação, salas de atendimento e áreas comuns cercadas oor grades nas portas e janelas além de ligação clandestina de energia elétrica.
A sentença foi assinada pelo juiz Cledson José Dias Nunes, da 1ª Vara Criminal de Palmas. Durante o andamento do processo, foram ouvidas 15 vítimas e 17 testemunhas, entre funcionários, pacientes e familiares que procuraram o espaço para tratamento de parentes. Entre os relatos, os internos contaram que sofriam agressões físicas e psicológicas.
Também foi confirmado que alguns deles eles eram obrigados a tomar um coquetel apelidado de ‘danone’, que consistia em diversos medicamentos sedativos quando desobedeciam ordens dos monitores, como forma de punição.
O ‘danone’ continha Amplictil, Haldol, Neozine, Clonazepam e Fenergan em altas doses. Os comprimidos eram triturados e jogados dentro de uma garrafa com água. Os pacientes eram forçados a tomar essa mistura. Além da sedação, segundo alguns dos relatos, houve situações em que os pacientes eram amarrados às camas, sofriam agressões físicas e um deles relatou que foi vítima de choques elétricos por funcionários do estabelecimento.
Isso ficou comprovado em mensagens extraídas do celular da ré após apreensão, em que ela comenta com um funcionário que deveria amarrar o interno na cama até ele dormir. Outros relatos também citavam que os internos tinham medo de pedir para deixar a clínica por medo de represálias.
Dentro das punições também estavam atividades como capinar o lote da chácara e até cavar buracos de grande profundidade, que seriam usados para enterrar o lixo produzido pela clínica. Havia ainda a proibição de consumir cigarros em caso de desobediência e de entrar em contato com as famílias. Quando isso acontecia, sempre era acompanhado de algum funcionário, como forma de inibir os pacientes a contarem o que acontecia dentro do estabelecimento.
O processo cita que a Gerência da Rede de Atenção Psicossocial (GRAPS), da Secretaria de Saúde do Estado do Tocantins, atestou que a clínica não sabia a quantidade exata de internos, mas que 68 estavam no local e alguns deles, após o resgate, apresentavam machucados pelo corpo, marcas que indicavam que foram amarrados com cordas, outros com estado de desnutrição, usando roupas sujas exalando fortes odor e estado de consciência alterado, conforme a sentença.
“Portanto, imperioso reconhecer que os acusados, na condição de proprietários e gestores da clínica Inova, expuseram a saúde e a vida de diversas pessoas que se encontravam sob sua vigilância para fins de tratamento, abusando dos meios de correção e disciplina. Além das agressões empregadas como forma de castigo, o conjunto probatório produzido demonstra que os acusados não forneciam os cuidados necessários aos internos”, destacou o juiz na sentença.
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Furto de energia
O casal também foi condenado pelo crime de furto de energia. A perícia identificou que no local havia um medidor que alimentava diversos imóveis dentro das dependências da clínica, incluindo os dois motores de piscinas, e que não registrava o consumo real de energia para a concessionária.
“A autoria é igualmente certa e recai sobre os acusados, conforme se observa nas provas colhidas durante as fases investigativa e judicial”, destacou o juiz com relação aos laudos periciais incluídos no processo e que comprovam o furto de energia.
Para esse crime, a pena para Felipe é de 1 ano e 20 dias de detenção, em regime aberto. Tamara terá que cumprir 11 meses e 1 dia de detenção, também em regime aberto.
A sentença cabe recurso. Mas com relação às penas, o juiz determinou que Felipe não poderá recorrer em liberdade, pois teve a prisão preventiva mantida pela Justiça. Já Tamara poderá recorrer contra a sentença em liberdade, mas após a fase de recursos deverá cumprir a pena em regime semiaberto.
Relembre caso
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O resgate dos pacientes da clínica aconteceu durante uma operação da Polícia Civil. Na época foi informado que 70 homens foram encontrados e pelo menos 50 relataram que sofriam maus-tratos e tinham que tomar sedativos.
As grades nas janelas e portas, principalmente nos quartos, chamaram a atenção da equipe policial durante a operação.
Os policiais passaram quase 24 horas colhendo depoimentos dos pacientes e mais da metade confirmou as agressões físicas. Segundo os relatos, as visitas de parentes eram acompanhadas por um coordenador e os internos eram orientados do que poderiam ou não falar.
Na época o casal foi preso preventivamente pelos crimes de maus-tratos, cárcere privado qualificado e furto de energia elétrica. Também havia outro inquérito contra o casal pelo crime de tortura. A polícia descobriu a existência de registros de boletins de ocorrência no nome do casal em vários estados brasileiros, feitos por ex-internos e familiares.
Íntegra da nota da defesa do casal condenado
A defesa de FELIPE OLIVEIRA DA VEIGA LOBO COLICCHIO e TAMARA MAIARA BATISTA FERREIRA, informa que respeita a r. Sentença proferida pelo ínclito Magistrado da 1º Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO, contudo, a defesa técnica entende que a sentença condenatória encontra-se em total dissonância com o arcabouço probatório confeccionado nos autos da Persecução Criminal.
Destarte, a defesa técnica irá interpor o recurso cabível, visando reformar o édito condenatório.
Um dos quartos da clínica
Kaliton Mota/TV Anhanguera
Ligações irregulares flagradas pelo policiais
Divulgação/Polícia Civil
Buraco teria sido soterrado após operação da Polícia Civil
Polícia Civil/Divulgação
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